Mercados se inquietam com chance de estagflação nos EUA
Valor Econômico
Para o Brasil, a melhor defesa ante
instabilidades que virão é buscar o equilíbrio fiscal, desestimulando saídas de
capital e novas maxidesvalorizações nocivas do dólar
O cenário de mercados otimistas com a eleição
de Donald Trump e seu programa de governo está mudando rapidamente para outro,
pessimista, em que os Estados Unidos poderão entrar em recessão, sem que a
inflação deixe de subir. As bolsas americanas tiveram um dia para esquecer. A
Nasdaq, onde são vendidos os papéis das big techs, chegou a recuar 4,6% - uma
liquidação que eliminou US$ 1 trilhão de valor -, enquanto as superprestigiadas
ações das companhias de tecnologia tiveram perdas de 16% no ano até agora. S&P
e Dow Jones caíram bem, mas um pouco menos. Tesla, do bilionário Elon Musk,
membro do governo Trump, viu seu valor de mercado reduzido em US$ 500 bilhões.
As perspectivas dos investidores pioraram de vez depois que Trump se negou, em
entrevista no fim de semana, a descartar recessão ou mais inflação com as
medidas que vem tomando, algo que nunca esteve em seu script.
As expectativas começaram a virar lentamente, já que a possibilidade de recessão tende a derrubar ações, os bônus do Tesouro e o dólar, que ontem recuou no mundo inteiro, menos no Brasil, onde subiu. A velocidade da guinada nos preços dos ativos importa, assim como o ponto da qual partem. Os mercados acionários, em especial os papéis das big techs, vinham exibindo um desempenho excepcional, que cessaria em algum momento. A Nasdaq teve ganhos de 30% no ano passado, a S&P, 23% e Índice Dow Jones, 13%. O acerto de contas pode ter tido um de seus pontos de inflexão ontem, ainda que seja prematuro predizer que haverá “estouro” da bolha parecido ao que ocorreu após a euforia das dotcom em 2000.
O pano de fundo da reviravolta são os
indícios de que as economias americana e global podem desacelerar com muito
mais intensidade do que vinha sendo previsto. Indicadores de consumo e de
confiança do consumidor nos EUA tiveram leituras ruins em fevereiro. Ainda que
esteja longe de ser catastrófico, o dado mais recente, de sexta-feira, indicou
que as empresas americanas abriram 151 mil vagas no mês passado, abaixo das
previsões. O desemprego subiu um pouco, para 4,1%.
O Federal Reserve manteve taxas de juros
altas em janeiro, reforçando apostas de que permaneceriam assim pelo menos até
o fim do ano, ou seriam rebaixados apenas uma vez. A previsão de uma recessão a
caminho, descartada na última reunião do BC americano, traz agora mais dilemas
para a política monetária. A economia pode estar esfriando, mas a inflação,
não. Duas pesquisas mostraram que a expectativa dos consumidores subiu pelo
menos para 3% e, mesmo daqui a dois anos, continue nesse nível, distantes das
metas do Fed. Ontem, os títulos do Tesouro de 2 anos já estavam abaixo de 4%
(3,92%) e os de dez anos, longe dos quase 5% de alguns meses atrás (4,22%,
queda de 2,3% no dia).
Outras pegadas sugerem que o passo da
economia global deve diminuir de ritmo. Enquanto as ações derretiam em Nova
York, o petróleo tipo Brent caiu de3 novo para US$ 69,14, um reflexo tanto das
expectativas de desaceleração mundial quanto do acordo feito pela Opep+ de
elevar a produção do óleo. O recuo do Brent, já distante da casa dos US$ 80
onde estava alojado, traz mais problemas para Trump. Ontem, seu secretário de
energia, Chris Wright, disse que a indústria petrolífera americana deveria
aumentar a extração mesmo com o petróleo a US$ 50 o barril. O preço de
equilíbrio, no entanto, não pode cair muito abaixo de US$ 65 (FT, 10/3),
circunstância em que não haverá o “drill, baby, drill”, slogan eufórico da
campanha de Trump.
Contribuíram também para percepções negativas
na economia real a deflação no índice de preços do consumidor da China, -0,7%
em fevereiro, amostra de um processo deflacionário mais bem expresso nos preços
ao produtor, que recuaram 2,2%, na 29ª queda consecutiva. Pela primeira vez em
mais de duas décadas, o Banco do Povo Chinês (BC) mudou sua meta de inflação de
3% para 2%, depois de o governo ter indicado que a política monetária passaria
a ser moderadamente frouxa. O Congresso do Povo ratificou a meta de crescimento
de 5%, um desafio nas atuais circunstâncias, que será enfrentado pelo governo
com o pacote de janeiro, de US$ 740 bilhões, dedicado ao lançamento de títulos
especiais dos governos regionais e central. Sem algum alento no consumo, porém,
os preços continuarão cedendo, criando uma armadilha para a expansão.
O cenário que pode se desenhar não é bom para o Brasil, que tem fragilidades fiscais. O dólar deu um salto em relação ao real ontem (1,06%), um dos indicadores de aversão ao risco. Uma estagnação com inflação nos EUA traria a desvantagem de redução do comércio externo com manutenção de juros altos, inibindo um eventual afrouxamento da política monetária, que começou a ser vislumbrado com a menor evolução do PIB no quarto trimestre. Além disso, Trump está apenas iniciando sua guerra tarifária mundial, acrescentando aos males que provocará (mais inflação, menos trocas) a execução caótica e incertezas paralisantes. A melhor defesa ante instabilidades que virão é buscar o equilíbrio fiscal, desestimulando saídas de capital e novas maxidesvalorizações nocivas do dólar.
Ataque a minoria na Síria exige reação mundial
O Globo
Espectro de guerra civil volta a assombrar o
país depois do massacre de alauitas, seita do ex-ditador Assad
São gravíssimas as denúncias de violações de
direitos humanos e limpeza étnica na Síria. Rússia e
Estados Unidos convocaram uma reunião fechada do Conselho de Segurança da ONU
para discutir a situação. Desde a semana passada, pelo menos 1.130 morreram,
incluindo 830 civis, segundo o Observatório Sírio de Direitos Humanos. Embora
os números não tenham sido verificados por instituições independentes, há
relatos de execuções indiscriminadas, sobretudo na população de religião
alauita, que predomina na região litorânea no oeste do país. A administração
interina que assumiu o governo sírio depois da queda do ditador Bashar
al-Assad em dezembro anunciou que investigará as denúncias. O mínimo a
exigir é que cumpra a promessa sem encobrimentos.
Por mais de 50 anos, a família Assad —
alauita — governou a Síria com mão de ferro e de forma sanguinária, mas havia
ao menos tolerância religiosa. Embora representem 10% da população, os alauitas
ocupavam os principais postos nas Forças Armadas. Com a fuga de Assad em
dezembro, assumiu o poder o grupo Hayat Tahrir al-Sham (Comitê pela Libertação
do Levante, ou HTS), sob a liderança de Ahmed al-Sharaa. Nos últimos três
meses, com objetivo de atrair apoio internacional, ele tem tentado se
distanciar do passado jihadista do HTS — outrora afiliado ao Estado Islâmico e
à al-Qaeda. Mas os eventos dos últimos dias mostram que a prática do HTS não
tem correspondido ao discurso de Sharaa.
Na quinta-feira, 16 integrantes das forças de
segurança do novo governo foram mortos por uma milícia pró-Assad na província
de Latakia, onde se concentra a população alauita. A reação foi imediata. O HTS
enviou para a região tropas de diferentes partes da Síria, reforçadas por
recrutas de fora. No caos que ainda impera, a disciplina dessas tropas é
errática. Em comum, todos têm desejo de vingança pelas atrocidades cometidas
por Assad nas últimas décadas. Relatos, comprovados por fotos e vídeos, afirmam
que centenas de civis — alauitas na imensa maioria, mas também cristãos — foram
humilhados e sumariamente executados, entre eles idosos, mulheres e crianças.
No dia seguinte à queda do regime de Assad, o
novo governo enviara representantes para tranquilizar a comunidade alauita.
Isso não impediu que a população de Latakia e Tartus esteja desde então
submetida a uma rotina de terror, com saques e roubos frequentes. O temor de
que o governo interino seja incapaz de garantir a segurança de minorias se
cristaliza a cada dia. Sharaa, o novo presidente, tem o desafio de unificar os
vários grupos rebeldes sob um único comando. Para ter condição financeira,
tenta estreitar relações com as grandes potências e cancelar as sanções
econômicas impostas quando Assad estava no poder.
Ninguém conhece as intenções de Sharaa e do HTS. Seria ele um pragmático disposto a fazer valer a promessa de respeitar os direitos das minorias ou um radical islâmico ainda mais sanguinário que Assad? Espera-se que a anunciada decisão de cancelar uma operação militar litorânea seja verdadeira. E que o acordo para integrar as forças curdas às tropas do governo garanta um mínimo de estabilidade. Mas isso é incerto. A investida contra os alauitas também deixou sobressaltadas outras minorias espalhadas pelo território sírio. O espectro de uma nova guerra civil volta a assombrar o país.
Alta na violência reflete dificuldades de
combater crimes contra mulher
O Globo
Mais de um terço das brasileiras diz ter
sofrido alguma agressão nos últimos 12 meses, revela pesquisa
A violência contra
a mulher é um problema que tem se agravado, a despeito dos avanços na
legislação, da ampliação de canais de denúncia e dos movimentos de
conscientização. Mais de um terço das brasileiras (37,5%) diz ter sofrido algum
tipo de violência — ainda que verbal — nos últimos 12 meses, segundo a pesquisa
“Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil”, feita pelo
Datafolha e divulgada na segunda-feira pelo Fórum Brasileiro de Segurança
Pública. Das entrevistadas, 10,7% dizem ter sofrido abuso ou sido forçadas a
manter relações sexuais. São os maiores percentuais desde o início do
levantamento, em 2017.
É certo que o aumento nos casos pode refletir
um ambiente mais aberto a denúncias, em que mais mulheres deixam de ter medo de
revelar a realidade cruel a que estão submetidas. Mesmo assim, isso em nada
muda a gravidade da situação. Apesar da rotina de agressões, quase metade das
que sofreram violência não procurou ajuda. O recurso a uma instituição pública
como a Delegacia da Mulher foi citado por apenas 14,2%.
Nove entre dez das mulheres que dizem ter
sido vítimas de violência afirmam que a agressão ocorreu na presença de
terceiros, como parentes, amigos ou, em 27% dos casos, diante dos próprios
filhos. Como já ficou constatado noutros levantamentos, o ambiente doméstico
costuma ser mais perigoso para as mulheres que as ruas. Os agressores mais
comuns são cônjuges, namorados ou parceiros, representando 40% dos casos.
Ex-companheiros são 27%. Crimes em que quase 70% dos autores pertencem ao
círculo íntimo da vítima deveriam ser mais fáceis de coibir. Infelizmente não é
o que tem acontecido.
Como as mulheres vítimas de violência
convivem com o agressor dentro de casa ou em seu círculo próximo, as denúncias
se tornam mais difíceis. Podem faltar provas, pode haver medo de represália,
descrença na polícia, dependência econômica do agressor ou mesmo vergonha. Por
isso o Estado tem obrigação de facilitar o acesso aos instrumentos legais. A
mulher que pretende denunciar a agressão precisa de apoio. Já houve caso de
vítima telefonando para a polícia para pedir pizza, numa tentativa desesperada
de que os policiais entendessem (felizmente funcionou). Vítimas de violência
precisam ser incentivadas a denunciar seus agressores, mas também precisam da
garantia do Estado de que eles serão punidos e afastados do convívio familiar.
A cada rodada de estatísticas, a cada
pesquisa, fica evidente que apenas endurecer a legislação, como o Brasil tem
feito, não é suficiente para conter a epidemia de violência. Diariamente,
milhares de mulheres são agredidas verbal ou fisicamente, quando não
assassinadas, muitas vezes na frente dos filhos. Elas necessitam de ajuda para
interromper essa rotina de terror. Se, por motivos compreensíveis, não vão até
as autoridades, as autoridades devem encontrar meios de ir até elas.
Estados usam benesses para ampliar gasto com
servidores
Folha de S. Paulo
Doze entes federativos ultrapassaram limites
estabelecidos por lei; irresponsabilidade orçamentária afeta investimentos
Com a atenção da sociedade voltada para o
descontrole das contas públicas federais, cujo rombo ameaça a estabilidade
econômica, também os entes regionais vêm elevando dispêndios de modo acelerado,
o que pode resultar em mais uma crise fiscal no futuro.
Com receitas em alta desde a pandemia, seja
pelo bom desempenho da coleta de impostos ou por mais transferências da União,
observa-se avanço preocupante dos gastos com pessoal nos estados. Houve alta em
25 deles de 2022 para 2023, com taxa mediana de 7% acima da inflação,
segundo boletim recém-divulgado pelo Tesouro Nacional.
Enquanto isso, como no Executivo federal, os
investimentos perdem espaço. Nos estados, eles constituem apenas 8,1% da
despesa primária total, enquanto a folha de pagamentos responde por 47,7% —com
casos de percentuais bem acima dos aceitáveis.
O documento mostra que 12
estados ultrapassaram o limite de alerta da Lei de Responsabilidade Fiscal para
a remuneração de pessoal, que é de 54% da receita corrente líquida (RCL); em
2022, eram 8 nessa situação.
Desses, Rio Grande do Norte (67%), Sergipe
(65,2%), Minas Gerais (64,2%) e Acre (60,2%) romperam o limite da LRF (60% da
RCL), enquanto outros 5 da lista, entre eles Rio de Janeiro (59,6%) e Rio
Grande do Sul (57,2%), ficaram acima do limite do Programa de Ajuste Fiscal
(57%).
O Tesouro estima que o respeito aos limites
nessas unidades da Federação teria gerado uma economia de
R$ 23,7 bilhões. O valor consumido por folhas de pagamento insustentáveis
poderia ser alocado em programas sociais e obras de infraestrutura.
Na soma geral, o relatório aponta que as
despesas primárias totais dos estados alcançaram R$ 1,272 trilhão em 2023, ante
R$ 1,198 trilhão em 2022. O aumento nominal, de 6,2%, só não foi maior porque
os investimentos encolheram 16,6% —ante alta de 10% no gasto com pessoal.
Os governos conseguem manter esse ritmo de
crescimento devido a mudanças institucionais que os favorecem.
Mais transferências federais, inclusive na
forma de emendas parlamentares, renegociação
de dívidas com benefício de até R$ 1,3 trilhão até 2048 e novos fundos
regionais criados pela reforma tributária são algumas das benesses que
enfraqueceram a União nos últimos anos.
Na prática, os governadores parecem não ter
grandes restrições para gastar. Assim, o país corre grave risco de perder o
controle das contas estaduais conquistado na segunda metade dos anos 1990, que
foi essencial para a estabilização da economia e a diminuição da inflação.
Com as finanças públicas em geral já
cambaleantes, o pior que pode acontecer é se consolidar uma desorganização
orçamentária ampla no nível federativo.
Infelizmente, como ocorre em tantas outras
frentes da administração pública, falta diagnóstico e liderança do Executivo
federal.
A politização insensata do Pix
Folha de S. Paulo
Após vitória contra a Receita, bolsonarismo
avança contra o BC; oposição e autoridades devem buscar debate esclarecido
Mais por deficiências do governo Luiz
Inácio Lula da
Silva (PT) do que
por méritos próprios, a oposição, particularmente a bolsonarista, conseguiu uma
vitória política ao fustigar uma medida administrativa que buscava ampliar os
mecanismos obrigatórios de comunicação à Receita
Federal de transações por meio do Pix.
Em janeiro, alarmado com o aumento da
impopularidade do mandatário, o
Planalto decidiu revogar a instrução normativa do fisco que mirava as
movimentações de pessoas físicas que somassem ao menos R$ 5.000 por mês. O
ridículo se ampliou com a edição de uma medida provisória para determinar que
as operações com o Pix não serão taxadas.
Ora, nada havia na norma da Receita ou em
qualquer outro dispositivo da legislação que previsse a tributação do uso do
mecanismo. A MP —que de resto pode ter suas determinações mudadas a qualquer
momento— só fez reconhecer o sucesso oposicionista em semear a desconfiança
quanto às intenções do governo.
É fato que notícias falsas proliferaram nas
redes sociais, como costuma acontecer com todo tipo de assunto. Nesse caso,
porém, o furor da administração petista por mais arrecadação tornou plausíveis
os temores difundidos.
Novo embate político se ensaia agora, num
oportunismo óbvio, em torno de outra providência relacionada ao Pix —a
determinação do Banco Central para
que instituições financeiras excluam
as chaves de correntistas com CPF e CNPJ irregulares, com objetivo de
coibir fraudes.
Espera-se que o BC autônomo se mostre mais
capaz do que o governo de defender uma medida técnica, que em outras
circunstâncias poderia até passar despercebida. Há que levar em conta, todavia,
o grande e brusco sucesso da plataforma de pagamentos instantâneos lançada em
2020, à qual aderiu um vasto contingente de trabalhadores de baixa renda e
informais.
O foco da nova regra, argumenta-se, é o
combate a ilegalidades —que, em tese, podem abarcar de golpes comezinhos à
lavagem de dinheiro do crime organizado. Cumpre deixar claro também, com
palavras e atos, que não se pretende impor burocracia desnecessária sobre as
transações cotidianas da população, especialmente a mais pobre.
Críticas e desconfianças, mesmo as
infundadas, fazem parte do jogo democrático e não podem ser criminalizadas.
Entretanto autoridades e políticos fariam bem em contribuir para um debate mais
racional e esclarecido a respeito de um instrumento tão importante como o Pix.
Empresas cada vez mais encalacradas
O Estado de S. Paulo
Aumento da taxa básica de juros pesa no
endividamento das empresas, mas aderir ao apelo de Lula, que culpa o BC e
defende a redução da Selic no grito, é tão fácil quanto enganoso
A combinação entre juros altos, inflação
elevada e economia menos pujante perfaz um cenário difícil para os
consumidores, mas não somente para eles. Empresas, sobretudo as de menor porte,
também têm tido dificuldades para gerar caixa e honrar seus débitos, e a
perspectiva de que essa conjuntura não mude no médio prazo torna tudo ainda
mais desafiador.
Reportagem do Estadão mostrou que
120 empresas de capital aberto e volume baixo de negociações em bolsa,
conhecidas como small caps, precisariam de um caixa três vezes maior do
que aquele que geram atualmente para pagar suas dívidas, segundo levantamento
da assessoria financeira Sêneca Evercore. Entre 2021 e 2022, o indicador estava
mais próximo de duas vezes. Já o índice de cobertura, que mede a capacidade de
saldar custos financeiros, caiu de 2,6 em 2021 para 1,4 no ano passado. Quanto
mais baixo, menor é a capacidade de a empresa liquidar suas despesas.
Outro estudo mencionado na reportagem, este
da RK Partners, escritório responsável por algumas das principais
reestruturações de empresas do País, tomou como base uma amostra de 307
companhias de capital aberto e revelou que 25% delas não têm como pagar suas
despesas financeiras.
Não há como não associar essa piora à
evolução da taxa básica de juros ao longo desse período. Entre agosto de 2020 e
março de 2021, durante a pandemia de covid-19, a Selic permaneceu em 2% ao ano.
De um lado, isso contribuiu para aliviar as dificuldades das empresas em um
momento desfavorável para o mundo todo. De outro, muitas companhias
aproveitaram os juros historicamente baixos para se financiar e fazer
aquisições.
Mas a situação foi passageira e pegou muitas
empresas de surpresa. Com o retorno da inflação, o Banco Central (BC)
rapidamente começou a elevar os juros, e em menos de um ano e meio eles
saltaram de 2% ao ano para 13,75% ao ano – patamar em que ficaram de agosto de
2022 a agosto de 2023. A Selic voltou a cair nos meses seguintes, mas a trégua
acabou em setembro de 2024, quando o BC iniciou o mais recente ciclo de alta.
Hoje, a Selic está em 13,25% ao ano, e a
tendência é de que ela chegue a 14,25% na reunião deste mês. No mercado, a
previsão é de que ela encerre o ano em 15%. Com juros nesse patamar, qualquer
empresa que tenha uma dívida superior a 2,5 vezes sua geração de caixa já pode
ser considerada muito endividada, disse Ricardo Knoepfelmacher, sócio da RK
Partners.
Previsivelmente, muitas empresas entraram em
recuperação judicial e extrajudicial nos últimos anos. Entre as pequenas, os
pedidos aumentaram 70% nos últimos dois anos, e entre as médias, o avanço foi
de 35%. Mesmo as companhias de grande porte, que têm acesso a capital mais
barato, tiveram aumento de 8% nos pedidos de proteção entre o quarto trimestre
de 2022 e o mesmo período de 2024.
Com taxas tão altas, é compreensível que os
empresários prefiram ativos sem muito risco, como títulos públicos, a investir
em projetos próprios que muitas vezes exigem captação de recursos.
Recentemente, o empresário Rubens Ometto declarou que, se há “condição de
aplicar o seu dinheiro a 15%, 16%, em alguns casos a 20%, 25% ao ano”, graças
aos juros altos, não há razão para investir em produção e correr riscos. Em
suas palavras, o empresariado fica “vagabundo”, “sentado na cadeira sem fazer
nada, e o dinheiro não produz”.
Em contrapartida, quem tem a ousadia de
investir em um cenário tão adverso pode rapidamente se encalacrar caso não
consiga gerar caixa suficiente para se manter até que os novos projetos comecem
a dar retorno. Mesmo grandes geradoras de caixa têm dificuldades para reduzir
seu endividamento.
Nesse contexto, aderir ao apelo de Lula da
Silva, que defende a redução da taxa de juros no grito, seria tão fácil quanto
enganoso. É justamente a política fiscal expansionista que está por trás do
aquecimento da economia e do aumento da inflação – e se a Selic voltou a níveis
tão elevados, é porque essa é a principal arma do BC para tentar domá-la.
O presidente, no entanto, prefere culpar os
outros a reconhecer que também cabe a ele contribuir para a criação de um
ambiente favorável a uma redução estrutural da taxa básica de juros. Atitudes
como essa garantem que ela permaneça elevada por ainda mais tempo.
Patrimonialismo escancarado
O Estado de S. Paulo
Ao indicar a advogada pessoal de Gleisi para
o STM, Lula mostra que, num governo do PT, a degradação institucional motivada
por interesses pessoais ou políticos sempre pode ir mais fundo
O presidente Lula da Silva indicou a advogada
Verônica Abdalla Sterman para a vaga no Superior Tribunal Militar (STM) a ser
aberta pela aposentadoria do ministro José Coêlho Ferreira, em abril. A data
escolhida para o anúncio da indicação, o Dia Internacional da Mulher, celebrado
no sábado passado, não poderia ser mais ilustrativa das reais intenções do
petista: fazer política por meio da ocupação de tribunais superiores e, de
quebra, agraciar amigos ou aliados políticos com sinecuras, ao custo do abastardamento
do Poder Judiciário e do vilipêndio do melhor interesse público.
Em que pese a prerrogativa do presidente da
República de indicar para a mais alta instância da Justiça Militar qualquer
advogado maior de 35 anos, de notório saber jurídico e conduta ilibada, não se
tem ideia dos conhecimentos da sra. Sterman no campo do Direito Penal Militar,
o que poderia ser atestado por sua produção acadêmica e/ou experiência
profissional nessa área, ambas desconhecidas. Sabe-se, isso sim, que a advogada
ostenta credenciais que Lula da Silva valoriza mais do que qualquer outra coisa
quando tem de preencher vagas abertas em tribunais superiores: lealdade a
companheiros petistas e apoio político graúdo.
Verônica Sterman foi responsável pela defesa
jurídica de Gleisi Hoffmann e Paulo Bernardo no auge das agruras do então casal
durante a Operação Lava Jato. Ademais, a indicada para o STM contou com o apoio
explícito da primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja. A ausência de afinidade
da sra. Sterman com a legislação militar, ao que parece, não é nada comparada à
força de patrocinadoras de sua causa tão influentes junto ao presidente da
República, como sua mulher e sua nova ministra de Relações Institucionais.
A indicação de mais mulheres para altos
cargos da administração pública e para compor os tribunais superiores não é
apenas desejável, como também mandatória para um país que se pretende mais
republicano, justo e civilizado, deixando os rastros de misoginia e preconceito
no passado. Mas a questão que obviamente se impõe é: sem prejuízo das
qualidades que a sra. Verônica Sterman possa ter para exercer sua profissão,
não havia outra mulher no Brasil um tanto mais preparada para tomar assento no
STM? É algo sobre o que o Senado há de se debruçar em futura sabatina.
Se a indicação demonstra descaso com a
Justiça Militar, em particular, e desprestigia o Poder Judiciário como um todo,
a ninguém é dado alegar surpresa com a escolha de Lula da Silva para o STM.
Afinal, é esse o padrão do petista em seu terceiro mandato presidencial, qual
seja, a ocupação de tribunais superiores com o claro objetivo de fortalecer
politicamente o governo nos embates com o Poder Legislativo e, como se isso não
bastasse, presentear com altos cargos na magistratura quem se dedicou à defesa pessoal
do próprio presidente ou de seu aliados, como é o caso da defensora de Gleisi
Hoffmann e de seu ex-marido.
Nesse sentido, a indicação de Verônica
Sterman para o STM não é essencialmente diferente das indicações de Cristiano
Zanin e Flávio Dino para o Supremo Tribunal Federal (STF). No primeiro caso,
Lula da Silva decidiu premiar seu advogado e amigo pela forma aguerrida,
digamos assim, com que Zanin atuou na defesa do petista nos processos da Lava
Jato. Em relação a Dino, a motivação foi outra, mas igualmente
antirrepublicana: preencher o Supremo com um ministro notavelmente político,
disposto a exercer, na Corte, o mesmo enfrentamento político que realizava como
ministro da Justiça e Segurança Pública. Não custa lembrar que, ao indicar
Dino, Lula chegou a verbalizar que “sonhava” com uma “cabeça política” na mais
alta Corte de Justiça do País.
Houve um tempo em que as maiores preocupações
dos brasileiros em relação às indicações para os tribunais superiores eram o
grau de parentesco do ministro Marco Aurélio Mello com o ex-presidente Fernando
Collor e o fervor religioso do ministro André Mendonça, indicado por Jair
Bolsonaro. Lula da Silva aí está para provar que a degradação institucional
motivada por interesses pessoais ou políticos sempre pode ir mais fundo num
governo do PT.
Trump tóxico
O Estado de S. Paulo
Ataques ao Canadá enfraquecem a oposição
conservadora e ressuscitam os liberais
Há pouco mais de dois meses, quando o
primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, anunciou que deixaria o cargo, era
praticamente certo que o Partido Liberal, de centro-esquerda, deixaria de
liderar o país e que Pierre Poilievre, do Partido Conservador, se tornaria o
novo premiê.
Eis que, no meio do caminho, Donald Trump
retornou à Casa Branca, dando início à “guerra comercial mais estúpida da
História” – como bem definiu o diário financeiro conservador The Wall
Street Journal –, constrangendo não apenas a arqui-inimiga China, mas
também Canadá e México, vizinhos e parceiros comerciais de longa data.
Não bastasse impor tarifas comerciais ao
Canadá, Trump por inúmeras vezes fez troça do vizinho, que insiste em chamar de
“51.º Estado” norte-americano, além de se referir a Trudeau jocosamente como
“governador”.
Tamanho desrespeito gerou consequências,
embora distintas daquelas que seriam do desejo do destemperado Trump.
Sentindo-se humilhados pelo republicano, os canadenses uniram-se em torno de
questões como identidade e soberania, que agora se sobrepõem a preocupações
como custo de vida elevado.
Pior para o conservador Poilievre, que tem
retórica similar à de Trump, e cuja outrora certa eleição para
primeiro-ministro, em pleito originalmente previsto para outubro, mas que deve
ser antecipado, parece menos provável. A dianteira do Partido Conservador em
pesquisas de opinião, que era bastante ampla em dezembro de 2024, diminuiu.
Trump tanto bateu no Canadá que os cidadãos
daquele país parecem cada vez mais inclinados a buscar um anti-Trump.
Agora eleito líder do Partido Liberal, o
economista Mark Carney substitui Trudeau como premiê e tem boas chances de ser
reconfirmado no posto nas eleições parlamentares. Ele, mais do que ninguém,
quer personificar o anti-trumpismo.
Ex-presidente dos bancos centrais do Canadá e
da Inglaterra, Carney já chamou Trump de “valentão”, defendeu a retaliação
canadense após o republicano lançar mão de medidas protecionistas e afirmou que
o Canadá “jamais” e de “maneira alguma” será parte dos EUA.
Para além de desalinhar expectativas mundo
afora, desprezar aliados históricos e gerar perspectivas pouco alentadoras para
seu país, Trump tem conseguido também fazer com que a rejeição a ele crie um
forte sentimento de união contra sua figura divisa e desrespeitosa.
Se os liberais canadenses conseguirão manter
a chama da união anti-trumpista acesa até as eleições parlamentares, é
impossível de cravar, mas é certo que Trump deu a eles uma plataforma na qual
se agarrar.
No outro vizinho torpedeado por Trump, o
México, a aprovação popular de 85% da presidente Claudia Sheinbaum também é um
sinal de que a impetuosidade do presidente dos EUA pode fortalecer quem ele
ataca.
Há menos de dois meses na Casa Branca, Trump choca o mundo diariamente com declarações e atitudes deletérias. Mas a “resistência” canadense e o “pragmatismo” mexicano demonstram que ainda há muito jogo para se jogar. Em se tratando de Trump, é inegavelmente um alívio.
Mortes por covid: lições precisam ser
consideradas
Correio Braziliense
Repetições de tragédias sanitárias não são
razoáveis em um país reconhecido pela expertise em estratégias preventivas e
pela qualidade dos seus profissionais de saúde
Bastaram duas semanas da chegada do
Sars-CoV-2 ao Brasil para que seu potencial devastador, já sentido na Ásia e na
Europa, se manifestasse. Em 12 de março de 2020, morria a primeira vítima da
covid-19 no país. O segundo óbito viria três dias depois. Mais três mortes,
todas em São Paulo, no dia 15. Logo em seguida, o Rio de Janeiro registrava
seus dois primeiros casos, que foram somados a outros dois em terras paulistas.
Daí em diante, o novo coronavírus foi ceifando vidas pelo país, costurando um
dos piores cenários da crise sanitária que parou o mundo há cinco anos.
Naquele 12 de março, quando uma mulher de 57
anos morreu ao dar entrada em um hospital público em Tatuapé, 114 países já
tinham casos confirmados da doença. Eram 118 mil e 4,2 mil mortes, segundo a
OMS. Um mês depois, só no Brasil, sucumbiam à covid mais de 2 mil pessoas por
dia. No auge da crise, em abril de 2021, o Ministério da Saúde tentava frear a
sufocante média de 3,1 mil óbitos a cada 24 horas. O uso de tratamentos sem
eficácia, a disseminação de fake news, o desincentivo à vacinação e a falta de
articulação entre as esferas de governo estão entre os fatores que levaram à
situação caótica.
Alguns seguem contaminando decisões pessoais
e governamentais pelo país, matando sobretudo os mais vulneráveis. Se não, o
que justifica, quatro anos depois, o Brasil ter enfrentado a pior crise de
dengue da história? Fala-se em "tempestade perfeita" para explicar a
explosão da doença — também uma zoonose. Ocorreu uma espécie de combinação
incomum dos efeitos da crise climática, da circulação simultânea de vários
subtipos do vírus, da adaptação genética do mosquito, que se tornou mais
resistente, e da falta de vacina. Mas entram nessa conta falhas gravíssimas de
gestão pública.
Um aumento, de um ano para outro, de 400% dos
casos de uma doença cuja primeira epidemia ocorreu há mais de 40 anos só ocorre
quando não se prioriza monitoramento e vigilância. Não à toa, a queda
significativa dos números de casos de dengue em 2025 tem entre as
justificativas a contratação de agentes de vigilância, a instauração antecipada
de centros de emergência e o adiantamento de campanhas educativas — todas
medidas com efeitos sustentados pela ciência e adotadas em âmbitos federal,
estadual e municipal.
Também falta superar o movimento antivacina.
Ainda que não haja dúvidas de que a entrada das fórmulas protetivas virou o
capítulo da pandemia de covid-19 no mundo, o Brasil sequer chegou à cobertura
vacinal de 25% da população elegível às doses de reforço. E vale lembrar: o
coronavírus segue matando. Só neste ano, até o último dia 25, o governo federal
contabilizou 664 óbitos. Bem menos do que o mesmo período em 2024, quando houve
1.536 registos, mas não deixa de ser um número alto, em se tratando de uma doença
que pode ser evitada e enfraquecida pela imunização.
Daquele 12 de março a 25 de fevereiro de
2025, são 715.261 mortes por covid no país. Gente que teve o perfil traçado ao
longo dos anos, evidenciando o impacto das desigualdades na saúde da população
brasileira. Negros, moradores de áreas periféricas e desabonados representam a
maioria das vítimas, assim como ocorreu na mais recente epidemia de dengue.
Repetições de tragédias sanitárias não são razoáveis em um país reconhecido
pela expertise em estratégias preventivas e pela qualidade dos seus profissionais
de saúde. Não se normalizam mortes evitáveis, sob o risco de se ultrapassar,
inclusive, dilemas éticos. Passou da hora de o Brasil considerar as lições
fatais da pandemia.
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