Folha de S. Paulo
Mas preocupa a omissão do Legislativo,
dominado por um Partido Republicano capturado por Elon Musk
Na política ninguém renuncia ao poder
voluntariamente. Essa premissa levou os arquitetos do constitucionalismo
moderno a engendrarem sistemas de freios e contrapesos, de forma que o
exercício do poder sempre encontre resistência no exercício de outro Poder.
Como os demais populistas de sua cepa, Donald Trump dá sinais claros do seu desconforto com os limites ao exercício do poder estabelecidos pela Constituição. O uso abusivo e sistemático de ordens executivas, driblando a deliberação parlamentar, a postura intimidatória em relação aos servidores públicos e a ameaça de descumprimento de decisões judiciais são expressões de uma disposição de alargar os limites inerentes ao exercício do poder numa democracia liberal.
Preocupa, portanto, a omissão do Legislativo,
dominado por um Partido Republicano capturado por Elon Musk,
com infinita capacidade de financiar campanhas. Preocupa também o forte
alinhamento de diversos juízes da Suprema Corte ao modelo imperial de
Presidência reivindicado por Trump e seus acólitos.
Nesse sentido, duas decisões sucintas da
Suprema Corte, contrariando interesses de Trump, causaram certa surpresa nesta
semana. Importante destacar que desde o início dessa gestão, a Justiça Federal
norte-americana já proferiu mais de 40 decisões contrárias às políticas de
Trump, veiculadas por suas ordens executivas, de acordo com o New York Times.
Numa delas, a juíza federal Beryl Howell enfatizou que "um presidente
americano não é um rei".
Essas decisões suspenderam demissões
arbitrárias de servidores públicos, restringiram o acesso de Musk e sua equipe
a dados sensíveis dos cidadãos, impediram a realocação de presos transgêneros
para presídios masculinos, proibiram a invasão de templos religiosos para
prender imigrantes, assim como suspenderam o congelamento de recursos
destinados à ajuda internacional ou mesmo de fundos a serem transferidos para
os estados federados, em face de determinação legal.
Esses litígios, de natureza estratégica, têm
sido propostos por múltiplos autores, que vão de consórcios de
procuradorias-gerais dos estados a organizações da sociedade civil e
sindicatos. A ação da advocacia de interesse público tem sido uma fonte essencial
de resistência, registra o importante jurista David Trubek.
A estratégia da equipe jurídica de Trump é
fazer com que esses casos cheguem rapidamente à Suprema Corte, por via
recursal. A surpresa, no entanto, veio com a formação de uma exígua maioria,
que manteve decisões de primeiro grau, impondo derrotas a Trump em questões
simbólicas para sua agenda.
O primeiro caso trata da demissão de
autoridades responsáveis por fiscalizar a administração e cujos mandatos foram
estabelecidos pelo Congresso Nacional, para que possamr exercer com autonomia
suas funções.
O segundo refere-se ao congelamento de cerca
de US$ 2 bilhões em ajuda internacional por serviços já prestados.
Sabe-se que esses casos podem ter vida curta.
Não há expectativa de que a Suprema Corte tenha disposição para servir de
trincheira na defesa da democracia constitucional, como ocorreu no Brasil. Mas
é interessante perceber que alguns juízes, mesmo que conservadores, não parecem
dispostos a renunciar às suas obrigações e aos seus poderes.
A batalha jurídica está apenas começando. Ela
não derrotará Trump, mas eventualmente poderá frear medidas arbitrárias,
abrindo espaço para que os cidadãos e a classe política possam reagir,
reestabelecendo o prumo da democracia constitucional.
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