O Globo
Em vez de fortalecer o pluralismo e o livre
debate, o governo tem promovido repressão seletiva que ameaça a autonomia
universitária e o próprio ideal de educação superior como espaço de pensamento
crítico
O governo Trump declarou guerra às
universidades. Essa é a opinião de 94% dos reitores de cem instituições de
ensino superior que se reuniram em Yale. Trump tem adotado, também na educação
superior, a estratégia de “choque e pavor”, impondo decisões de forma rápida e
avassaladora. A abordagem parte do diagnóstico de que as universidades foram
tomadas pelo esquerdismo woke, precisam ser derrotadas e energicamente
submetidas a novas diretrizes, mais ou menos como Viktor Orbán fez na Hungria.
Uma das primeiras ações de Trump foi congelar o financiamento federal à pesquisa. Além disso, cortou parte do financiamento dos Institutos Nacionais de Saúde, órgão responsável pelo financiamento da pesquisa em biomedicina. A medida retirou US$ 4 bilhões de apoio às instituições nos orçamentos dos projetos de pesquisa.
Além dos ataques à pesquisa, os decretos de
Trump restringindo políticas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI) já
impactam as universidades. Embora geralmente sejam entidades privadas ou
estaduais, elas precisam seguir diretrizes federais se quiserem receber verbas
do governo. A Universidade Estadual da Carolina do Norte tirou do currículo
obrigatório todas as disciplinas que pudessem ser interpretadas como DEI.
Na última terça-feira, Trump publicou uma
mensagem na plataforma Truth Social afirmando que cortaria todo o financiamento
federal de instituições que permitissem “protestos ilegais”. Também declarou
que manifestantes seriam presos ou deportados, enquanto estudantes americanos
poderiam ser expulsos ou encarcerados, dependendo da gravidade do ato.
A publicação veio com o anúncio de que uma
força-tarefa federal para combater o antissemitismo nas universidades visitaria
dez campi, entre eles Harvard, Columbia e dois da Universidade da Califórnia. A
maior parte dessas universidades foi palco de acampamentos de estudantes
protestando contra a ocupação de Gaza por Israel. Em alguns casos,
manifestantes foram acusados de antissemitismo contra estudantes e professores
judeus. Os acampamentos foram duramente criticados pela direita americana.
A força-tarefa anunciou uma revisão completa
dos contratos federais com a Universidade Columbia a partir de uma investigação
alegando que a instituição violou cláusulas que proíbem discriminação “com base
em ascendência, características étnicas ou origem nacional”. Como resultado, Columbia já perdeu US$ 400 milhões em contratos
federais devido ao que consideram uma “contínua inação diante do
assédio a estudantes judeus”. A força-tarefa também anunciou que pode rever
mais de US$ 5 bilhões em verbas federais destinadas à universidade.
Tão ameaçadoras para as universidades quanto
o corte de verbas federais são as propostas de ampliar a tributação sobre os
fundos patrimoniais. Nos Estados Unidos,
grandes universidades são financiadas principalmente por verbas federais,
matrículas e anuidades pagas pelos estudantes e rendimentos de seus fundos
patrimoniais. Esses fundos são arrecadados por meio de doações, e seus
rendimentos usados para custear despesas acadêmicas. No caso das universidades
de elite, alcançam valores bilionários (Harvard tem US$ 52 bilhões; Yale, US$
41 bilhões).
O vice-presidente J.D. Vance apresentou,
quando era senador, um Projeto de Lei que não apenas cortava verbas federais de
universidades que não desmontassem acampamentos estudantis anti-Israel, mas
também taxava em 50% seus fundos patrimoniais. Esses fundos, no passado isentos
de impostos, passaram a ser tributados em 1,4% no primeiro governo Trump, em
2017. Agora, um novo Projeto de Lei, apresentado pelo deputado Mike Lawler,
aliado de Trump, propõe ampliar a taxação para 10%.
Apesar de Trump justificar suas ações com o
argumento de que as universidades foram capturadas pela cultura woke e não
garantem liberdade de expressão nem respeito à pluralidade, suas medidas
contradizem esse objetivo. Há de fato crescente intolerância a vozes
conservadoras no ambiente acadêmico, que pode levar a questionamentos
pertinentes sobre a pluralidade de ideias nas universidades. No entanto a
perseguição a estudantes que protestam contra a ocupação de Gaza e a imposição
de restrições curriculares que limitam a oferta de disciplinas sobre
diversidade mostram que Trump não busca promover neutralidade institucional ou
liberdade acadêmica, mas substituir o que considera controle da esquerda pelo
controle da direita, por meio de intervenção governamental. Seu modelo, ao que
tudo indica, é a captura das universidades pelo governo, como Orbán promoveu na
Hungria. Em vez de fortalecer o pluralismo e o livre debate, o governo Trump
tem promovido uma repressão seletiva que ameaça a autonomia universitária e o próprio
ideal de educação superior como espaço de pensamento crítico.
Nenhum comentário:
Postar um comentário