Agressão a Marina promove agenda da devastação
O Globo
Debate sobre impacto
ambiental deve ser feito com argumentos técnicos. Ofensas a ministra são
inaceitáveis
Foram vexaminosas as ofensas desferidas contra a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, em audiência da Comissão de Infraestrutura do Senado. Seu depoimento deveria tratar da atuação de órgãos ambientais na análise do pedido da Petrobras para pesquisas na Margem Equatorial, mas descambou para temas alheios ao objetivo. O resultado foi um show de desrespeito e grosseria que não se coaduna com o exercício da atividade parlamentar. Nada a ver com debate de ideias. Sem ser socorrida nem mesmo pela base governista, Marina deixou a sessão sem ter recebido sequer um pedido formal de desculpas.
O bate-boca produziu
diálogos intoleráveis em qualquer ambiente civilizado. Num deles, o
senador Marcos Rogério (PL-RO), que presidia a
sessão, afirmou: “Me respeite ministra. Se ponha no seu lugar”. Noutro, o
senador Plínio Valério (PSDB-AM) afirmou que
respeitava a mulher, mas não a ministra. Ao que Marina respondeu: “Fui
convidada como ministra, então tem que respeitar. Eu me retiro, porque eu não
fui convidada por ser mulher”. Em março, Valério já dissera que seria difícil
tolerá-la por seis horas e dez minutos “sem enforcá-la”. O senador Omar Aziz (PSD-AM), que integra a base
governista, acusou Marina de trabalhar contra o desenvolvimento do país e
ironizou a resistência às obras na BR-319.
O debate foi dominado pela
pavimentação dessa estrada que liga Porto Velho a Manaus, cujo projeto se
arrasta há anos devido à dificuldade de mitigar seus impactos ambientais.
Defensores do asfaltamento — prometido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva
— argumentam que facilitará a integração da região, enquanto ambientalistas
alegam que favorece o desmatamento e ameaça a biodiversidade. É legítimo
discutir a questão, mas tudo deve ser decidido segundo critérios técnicos,
levando em conta benefícios e impactos do projeto. O inaceitável é ofender.
Somente depois de agredida,
Marina recebeu solidariedade do governo e do PT. Lula ligou para dizer que ela
fez bem em abandonar a sessão. O líder do governo no Senado, Jaques Wagner
(PT-BA), a elogiou e tratou o episódio como “fato isolado”. O líder do governo
no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), afirmou que ela foi alvo de
misoginia. O apoio tardio não encobre a forma como Marina foi atirada às feras.
E traduz seu isolamento no governo.
O pano de fundo dos ataques
é a velha e equivocada ideia de que existe oposição entre conservação ambiental
e desenvolvimento econômico. Não há. Os parlamentares deveriam saber que, num
mundo acossado pelas mudanças climáticas, ambos são essenciais. “Trata-se de
uma retórica que não consegue se provar”, diz Marcio Astrini, secretário
executivo do Observatório do Clima. “O Ibama bateu recorde de licenciamento
ambiental para a Petrobras em 2023 e 2024.”
Na base da agressividade,
parlamentares tentam impor ao país a danosa pauta antiambiental que tramita no
Congresso. Além da flexibilização do licenciamento ambiental, aprovada na
semana passada pelo Senado, há outros projetos de impacto, como a anistia a
grilagens consolidadas, afrouxando punição para casos futuros, ou a exclusão de
tudo que não é floresta das exigências de proteção, com potencial explosivo
para a Mata Atlântica. A agenda da devastação no Congresso é uma ofensa não
apenas a Marina ou aos ambientalistas, mas a todo o país.
Pressão contra ampliação dos poderes da PF
favorece o crime organizado
O Globo
Ao resistir a dispositivo da PEC da
Segurança, polícias civis querem preservar situação que não funciona
É nefasta a pressão das polícias civis contra
a ampliação dos poderes da Polícia
Federal (PF) prevista na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da
Segurança Pública. Representantes das forças policiais criticam a intenção de a
PF passar a investigar crimes hoje sob responsabilidade da Polícia
Civil. Mas a realidade demonstra que o arranjo atual não tem funcionado. O
crime organizado segue crescendo. Sem as mudanças da PEC, a PF continuará com
poder limitado de enfrentar milícias e facções criminosas. A ampliação de suas
atribuições está apoiada em justificativas sólidas.
Em qualquer lugar do mundo, a impunidade é
uma das maiores aliadas do crime organizado. Nesse quesito, o desempenho
brasileiro é sofrível. Na Bahia, apenas 15% dos homicídios são esclarecidos
pela Polícia Civil. No Piauí, 22%, e no Rio 25%, segundo dados do Instituto Sou
da Paz. A taxa de esclarecimento em todo o país, 39%, está muito abaixo da
média global, 63%. Violência,
homicídios, investigação policial deficiente e crime organizado estão
interligados. O medo de perda de poder despertado pela PEC em policiais civis é
infundado. Com níveis tão baixos de esclarecimento de homicídios, é evidente
que há trabalho para todos.
Eleição após eleição, governadores investem
pouco ou nada em equipamentos e treinamento das polícias civis e raramente
cobram resultados. A corrupção policial incentiva a vista grossa, e a lentidão
do Judiciário beneficia os criminosos. Num cenário em que todos esses problemas
tivessem sido resolvidos, a Polícia Civil ainda estaria em desvantagem, pois
atua apenas dentro dos limites do estado.
Só a PF tem condição de enfrentar
organizações criminosas espalhadas por todo o país e também além das
fronteiras. Foram os federais que desvendaram a corrupção de policiais de São
Paulo por integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC) durante investigação
sobre o assassinato de um informante no aeroporto de Guarulhos no ano passado.
A PF também tem adquirido capacidade cada vez maior em investigações
financeiras, necessárias para asfixiar o crime (nesta semana, deflagrou
operação para combater pirâmides e lavagem de dinheiro por meio de
criptoativos).
Lideranças do agronegócio também têm
criticado a intenção de conceder à PF maiores poderes de investigar infrações
penais contra o meio ambiente. Argumentam que polícias militares e Ibama já têm
poder de fiscalizar propriedades rurais. Mas a devastação e o desmatamento
também vicejam num ambiente de impunidade. Basta lembrar a proliferação de
incêndios criminosos que raramente são esclarecidos ou punidos.
Caso o Congresso aprove a ampliação das
atribuições da PF, será inescapável aumentar seu quadro de pessoal. Mas, apesar
do custo, o país precisa de uma corporação com capacidade técnica e amplo
alcance para combater o crime organizado.
Fed aponta que incertezas desaconselham queda
de juros
Valor Econômico
A ênfase do Fed é maior na inflação do que no emprego, o que indica que os juros permanecerão por enquanto “moderadamente restritivos”
O Federal Reserve (Fed, o banco central
americano) vê tanta incerteza no horizonte que não se arrisca a esboçar quais
podem ser seus próximos passos. A principal direção ainda é uma incógnita - os
membros do comitê de mercado aberto, que determina as taxas de juros,
concordaram que os riscos para os dois objetivos de seu mandato, emprego e
inflação, aumentaram. O dilema é que cada um deles exige uma política bem
diferente. Aumentos significativos nas taxas de desemprego obrigarão o banco a
relaxar a política monetária, enquanto a alta da inflação o obrigará a
apertá-la, elevando ainda mais os juros. Dessa forma, o Fed aguarda que os
dados indiquem com clareza em que direção e escala devem agir.
A ata da reunião de maio dá algumas pistas
sobre o comportamento dos dois objetivos do Fed. A avaliação geral é que tanto
o mercado de trabalho se estabilizou em baixo nível quanto a inflação vinha
declinando depois do susto de elevação nos dois primeiros meses do ano. As
tarifas de Trump mudarão este cenário, mas seus efeitos ainda não foram
sentidos plenamente, até mesmo porque o presidente americano suspendeu suas
“tarifas recíprocas” extravagantes até 9 de julho, embora mantenha uma taxação
geral de 10% sobre as importações e de 25% sobre automóveis, aço e alumínio.
Enquanto isso, a economia teve bom desempenho
até abril. Embora os números do primeiro trimestre tenham mostrado que o PIB
desacelerou bastante (-0,2% em relação ao trimestre anterior), há um consenso
no banco de que o setor externo retirou muitos pontos percentuais do indicador
porque houve um enorme surto de importações preventivas para fugir do aumento
anunciado de tarifas desde a posse de Donald Trump. Para o Fed, a economia
continuava em boa forma, com baixo desemprego e inflação ainda um pouco elevada
e distante da meta de 2%. Até março, em 12 meses, os gastos pessoais de consumo
subiram 2,3% em março, e seu núcleo, que exclui gastos com energia e alimentos,
medida preferida do Fed, foi de 2,6% no mesmo mês.
Quanto ao mercado de trabalho, ele chegou
perto da estabilização com 4,2% de desemprego em março e abril. O balanço do
staff indica que um dos principais indicadores de aperto da oferta de trabalho
tornou-se agora menos favorável a quem busca emprego. A relação entre vagas
abertas disponíveis e quantidade de desempregados reduziu-se agora a 1, quando
no ano passado ela era de 2, ou seja, as empresas não estavam conseguindo
encontrar mão de obra a menos que aumentassem os salários. O ganho por hora
trabalhada médio foi de 3,8% em março, magnitude suficiente para o Fed estimar
que os aumentos salariais não estão exercendo pressão inflacionária.
Os riscos para esse cenário, que se tornou o
passado, aumentaram exponencialmente. O staff do banco acredita que a inflação
subirá por ação das tarifas e suspeita de que ela será “mais persistente que o
esperado”. A economia vai esfriar, e as pesquisas com o mercado feitas pelo Fed
apontaram que as chances de uma recessão nos próximos seis meses haviam
crescido. O dólar se depreciou, embora as taxas de juros do Tesouro tenham
subido com a turbulência provocada pelos vaivéns das tarifas. O sentimento do consumidor
piorou, e constatou-se um processo de pausa e adiamento dos investimentos
empresariais.
Com a certeza da desaceleração da economia, o
staff notou que o custo dos empréstimos “aumentou notavelmente” e que os bancos
começaram a apertar os critérios para concessão. O custo do financiamento para
as empresas, que também encareceu, subiu em linha com o dos títulos do Tesouro.
As condições financeiras pioraram.
Os principais sinais para que o Fed decida
por um rumo de ação ainda não estão nítidos. Os membros do banco afirmaram que
“há previsão de que a taxa de desemprego se encontre acima de sua taxa natural
estimada pelo staff (4,2%) no fim do ano e continuará acima dela ao longo de
2027”. Mas é impossível ainda prever com mínimo grau de acuidade de que
magnitude será a deterioração do emprego. E, tão importante quanto isso, se a
ampliação do desemprego se dará antes de uma deterioração importante dos níveis
de inflação.
O Fed crê, com os dados disponíveis, que as tarifas darão um empurrão forte na inflação ainda neste ano, impulso que perderá força em 2026. Nessa perspectiva, a inflação só retornaria a 2% um ano depois do previsto, em 2027. Também nesse caso é impossível estimar a força do impulso inflacionário, mas este cenário é suficiente para explicar por que o banco não tem pressa nem parece pretender reduzir os juros tão cedo. A inflação já insistia em não caminhar para os 2% antes e não fará isso agora. Entre as observações constantes na ata, há uma sobre a disseminação dos aumentos que as empresas farão em função do aumento de seus custos decorrentes das tarifas. Como a inflação demorou a cair, estima-se que elas não hesitarão em repassá-los ao consumidor. A ênfase do Fed é maior na inflação do que no emprego, o que indica que os juros permanecerão por enquanto “moderadamente restritivos”.
Trapalhada com IOF ao menos expôs descalabro
fiscal
Folha de S. Paulo
Mesmo com aumento do imposto e congelamento
preventivo de despesas, governo ainda projeta um déficit maior que o de 2024
A esta altura já é evidente que o
desastrado anúncio do aumento do IOF por parte do governo Luiz
Inácio Lula da
Silva (PT) foi um
improviso de última hora, sem
maior planejamento ou análise interna. Há diferentes versões em Brasília,
mas é fato indiscutível que nem as pastas econômicas mostraram convicção para
defender a medida, que dirá o Palácio do Planalto e o Banco Central.
Nesta quarta-feira (28), o ministro Fernando
Haddad e sua equipe discutiram o tema com representantes dos bancos privados, e
a indicação foi de que a Fazenda está disposta a examinar alternativas. A alta
do tributo foi criticada por setores empresariais e enfrenta resistência
no Congresso
Nacional.
Calcula-se que as novas alíquotas do IOF
sejam equivalentes, no impacto sobre a atividade, a um aumento entre 0,2 e 0,5
ponto dos juros do
Banco Central, hoje em já asfixiantes 14,75% ao ano. A diferença, claro, é que
a taxa Selic pode
ser reduzida mais à frente, enquanto a arrecadação extra se tornaria
imprescindível para as contas do Tesouro Nacional.
Se é perturbador que uma providência de
tamanha repercussão tenha sido tomada de modo tão amador, a trapalhada ao menos
reabriu o debate sobre a política fiscal e chamou
a atenção para o cenário sombrio deste ano. No que dependesse de Lula, o
assunto seria empurrado com a barriga até as eleições de
2026.
É escandaloso que todo o esforço anunciado
—um congelamento de despesas de R$ 31,3 bilhões e uma receita adicional de
cerca de R$ 20,5 bilhões com o IOF— tenha como objetivo não reequilibrar o
Orçamento, mas tão somente limitar o déficit primário (excluindo o pagamento de
juros) a até R$ 76,3 bilhões no ano.
A cifra corresponde ao limite inferior da
meta oficial (um déficit de R$ 31 bilhões) mais pagamentos de R$ 45,3 bilhões
em precatórios excluídos dos limites orçamentários, mas que elevam a dívida
pública como qualquer outra despesa acima da receita.
Recorde-se que, quando o governo Lula fez
aprovar o que chamou de novo arcabouço fiscal, a promessa era que neste 2025 se
buscaria um superávit na casa dos R$ 60 bilhões —ainda insuficientes para
estancar o avanço do endividamento, mas numa trajetória de saldos crescentes.
Agora, prenuncia-se um déficit maior que o de R$ 45,4 bilhões em 2024.
Estima-se hoje que serão necessários
superávits acima de 2% do PIB (mais de R$ 250 bilhões anuais) para conter o
passivo do governo. A cifra subiu com a alta dos juros do BC, que por sua vez
tentam controlar a inflação impulsionada
pela gastança federal. Por aí se tem ideia do tamanho do descalabro atual.
A polêmica em torno do IOF é só mais uma
prova de que não haverá aumento de imposto que baste para equilibrar o
Orçamento. Sem interromper a expansão contínua das despesas do Tesouro, o país
caminha para uma crise econômica e financeira que talvez não espere pelas
conveniências eleitorais de Lula.
Trump avança na cruzada contra a ciência
Folha de S. Paulo
Presidente impõe medidas descabidas para
universidades, mas Estado não deveria atuar em questões de disciplina interna
É típico de líderes populistas com pendores
autoritários criar inimigos imaginários para travar batalhas simbólicas. Assim,
energizam a base de apoiadores, reforçam sua narrativa ideológica e desviam a
atenção dos problemas reais.
Donald Trump transformou
as universidades de elite em inimigas. Harvard, uma das mais prestigiadas
dos Estados
Unidos, é o alvo principal. A instituição reagiu aos seus desmandos e
tornou-se objeto preferencial de sua sanha.
Trump determinou o encerramento de programas
de pesquisa e de contratos entre o governo e a instituição que rondam bilhões
de dólares; colocou alunos e professores sob a mira de investigadores por
associação com terrorismo;
mais importante, revogou
o direito de Harvard de trazer estrangeiros, que representam quase 30% de
seu corpo discente.
Esta última medida, que afetaria até aqueles
que já estão matriculados, foi suspensa provisoriamente pela Justiça.
Com seu estilo hiperbólico, Trump acusa
universidades de serem templos do identitarismo, que espumam antissemitismo e
atacam membros da comunidade acadêmica com perfil um pouco mais conservador.
Para manter as verbas, as instituições devem
mudar currículos e rever a políticas de admissão de docentes e alunos, além de
reprimir atos pró-Palestina.
De fato, as universidades não vinham sendo
muito consistentes na aplicação da disciplina interna. Sob inspiração do
movimento identitário, eram ágeis em punir professores e alunos que não
rezassem pela cartilha progressista atual, mas exibiam tolerância máxima para
com discursos contra judeus e Israel.
Contudo cabe às instituições resolver o
problema, sem ingerência estatal —que deve ficar restrita às polícias dos
campi, para assegurar a circulação livre do alunado e evitar que manifestações
descambem para tumulto.
É inacreditável que o Partido
Republicano, que passara as últimas décadas pregando contra o Estado
grande, esteja agora, sob Trump, usando poderes da Presidência para impor uma
visão ideológica a entidades privadas.
A cruzada contra a ciência poderá
custar caro. Na
decisão mais recente, a Casa Branca suspendeu novas entrevistas no exterior
para obtenção de vistos de estudante, enquanto amplia a análise das redes
sociais dos candidatos.
Um dos fatores decisivos para a liderança dos
EUA nos campos da inovação tecnológica e da cultura foi sua capacidade de
atrair as melhores mentes do planeta para o país. É isso o que Trump está
colocando em risco.
É isto o Senado?
O Estado de S. Paulo
Ao tentar humilhar Marina Silva, senadores
revelam incivilidade e desconhecimento diante de uma ministra altiva e
preparada para enfrentá-los mesmo sem o apoio do governo Lula da Silva
O espetáculo ultrajante a que a ministra do
Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, foi submetida na terça-feira
passada na Comissão de Serviços de Infraestrutura certamente entrará para os
anais como um dos momentos mais abjetos da história do Senado. Arquitetada para
humilhar a ministra, a audiência pública expôs a incivilidade e o despreparo
dos senadores acuados pelas respostas fundamentadas de Marina e a covardia do
governo Lula da Silva, que a deixou sozinha em uma cova de leões.
Quem teve estômago para assistir às mais de
três horas da reunião pôde conferir a altivez que a ministra demonstrou perante
os senadores. Pouco se falou sobre a criação de unidades de conservação na
Margem Equatorial, oficialmente o motivo pelo qual Marina foi convidada a
comparecer à comissão. A intenção, como ficou claro, era atribuir-lhe toda a
culpa pelo subdesenvolvimento dos Estados da Região Norte do País.
Autor do requerimento para ouvir a ministra,
o senador Lucas Barreto (PSD-AP) queria saber se as quatro unidades de
conservação que serão criadas na região iriam inviabilizar a exploração de
petróleo no local. De maneira clara, a ministra respondeu que o processo de
criação dessas reservas remonta a 2005, ou seja, não é um pretexto para impedir
a Petrobras de atuar na região.
“Pois eu posso lhe dizer que, no processo de
criação, já está estabelecido que oleoduto, gasoduto, portos, o que tiver que
fazer, já está dito no próprio processo, e isso não será impeditivo”, explicou
Marina, ressalvando que esses empreendimentos, como qualquer outro em qualquer
região do País, precisam de licença ambiental.
Dúvida esclarecida, a ministra permaneceu à
disposição da comissão para debater outros temas, e foi aí que os senadores
rasgaram a fantasia. Vendo que Marina respondia a cada pergunta dos senadores
munida de informações e dados, o presidente da comissão, Marcos Rogério
(PL-RO), mudou a dinâmica para privilegiar o bate-boca. Era previsível que um
empedernido bolsonarista fosse fazer de tudo para interditar um debate
civilizado, mas é surpreendente que senadores da base do governo tenham
compactuado com o ardil.
Agindo como um inquisidor, o mais vocal
deles, senador Omar Aziz (PSD-AM), tentou imputar à ministra a responsabilidade
pela falta de pavimentação de um trecho da BR-319, entre Manaus e Porto Velho.
Sem vestir a carapuça, a ministra lembrou que deixou a pasta em 2008 e voltou a
assumi-la somente em 2023, intervalo mais que suficiente para asfaltar a
rodovia se o único impedimento à obra fosse a ministra. “Por que não fizeram?”,
questionou.
Sem resposta a um fato incontestável, Aziz
perdeu a razão e acusou a ministra de estar “atrapalhando o desenvolvimento do
País”. Mas tão ou mais eloquente quanto o agastado senador amazonense foram a
inação do líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), a ausência do
líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), e o silêncio do
presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União-AP), coroados pela ligação
envergonhada de Lula da Silva em solidariedade à ministra.
De fato, a cereja do bolo foi a declaração do
senador Plínio Valério (PSDB-AM), que, antes de fazer qualquer pergunta, disse
respeitar apenas a mulher, e não a ministra, agregando machismo e misoginia a
uma sessão que já primava pela infâmia. Mas o grand finale foi
protagonizado pelo senador Marcos Rogério, que já havia silenciado o microfone
da ministra a pretexto de impedi-la de fazer “discurso” e ainda teve a audácia
de cobrar de Marina que se pusesse “em seu lugar”. Como nada estava em seu
lugar, fez bem a ministra ao levantar-se e deixar a sessão.
Não é segredo para ninguém que a maioria dos
senadores, inclusive governistas, discorda da visão de Marina sobre a
importância da proteção do meio ambiente para o desenvolvimento do País, mas
isso não é desculpa para emboscar covardemente uma ministra de Estado. Quem
precisa se colocar “em seu lugar” é o Senado, que nasceu para ser a Casa da
estabilidade na República e que hoje corre o risco de se transformar em
valhacouto de arruaceiros.
Putin cada vez mais à vontade
O Estado de S. Paulo
Diante da pusilânime hesitação americana, o
autocrata russo intensifica ofensiva contra a Ucrânia, que se defende sozinha
de um inimigo que não tem nenhum incentivo para negociar
Desde que as delegações da Rússia e da
Ucrânia se encontraram na Turquia, em meados de maio, os desdobramentos
diplomáticos e militares só reforçaram o diagnóstico sombrio que se antevia na
ocasião: Moscou não quer negociar, e Washington não sabe o que quer.
O presidente da Rússia, Vladimir Putin,
mantém a aposta numa guerra de desgaste, confiante de que o tempo e o cansaço
minarão a unidade ocidental. Já o presidente dos EUA, Donald Trump, oscila
entre promessas de paz imediata, ameaças vagas e manifestações de afeto ao
ditador do Kremlin – enquanto o mundo tenta decifrar se sua hesitação é
cálculo, fraqueza ou mera encenação.
O telefonema entre Trump e Putin, amplamente
divulgado como uma “última chance” de diálogo, terminou sem avanço algum. Trump
limitou-se a anunciar que as partes “imediatamente” iniciariam um processo de
cessar-fogo, mas deixou claro que caberia a elas resolverem sozinhas seus
impasses – como se a ausência de mediação ou pressão externa fosse uma escolha
neutra, e não uma forma disfarçada de abandono. Desde então, Moscou continuou a
bombardear civis e a deslocar forças para novas ofensivas. Kiev, por sua vez,
fez concessões importantes na tentativa de manter os canais abertos, mas vê
suas posições enfraquecidas a cada dia sem um reabastecimento regular de
munições e equipamentos.
A hesitação americana tem efeitos práticos e
simbólicos. Ao adotar uma atitude de espectador desinteressado, Trump telegrafa
ao mundo – e especialmente a Putin – que os EUA podem abandonar seus aliados
quando mais precisam – sinal perigoso não só para a Ucrânia, mas para a
arquitetura geopolítica da ordem liberal. Autoridades russas falam abertamente
em redefinir a soberania da Ucrânia, castrar suas Forças Armadas e manter sob
sua tutela vastas regiões ocupadas. Diante disso, a retórica voluntarista da paz
se torna um álibi para a capitulação.
O vácuo deixado por Trump oferece espaço para
outras iniciativas. O Congresso americano discute novas sanções contra
compradores de petróleo e gás russos, com apoio bipartidário e potencial
maioria para contornar um veto presidencial. A Europa tenta reforçar sua
indústria bélica e fechar brechas no teto de preços do petróleo russo. Mas
essas iniciativas não terão impacto sem uma diretriz clara da Casa Branca.
Enquanto Trump continuar a tratar a guerra como um espetáculo episódico, Putin
continuará a tratá-la como uma aposta estratégica.
O comportamento do Kremlin confirma que a
Rússia não está interessada em qualquer solução negociada que não seja a
rendição ucraniana. O governo russo evita compromissos, adia prazos, redige
“memorandos” vagos e celebra o simples fato de estar “conversando”. Putin
explora a obsessão ocidental pelo diálogo para prolongar a guerra, enquanto
mobiliza recursos, fortalece sua base ideológica e ensaia incursões em novas
regiões. A paz, para Moscou, é só mais uma ferramenta de guerra.
No campo de batalha, o cenário é de exaustão.
Tropas ucranianas resistem com coragem, mas sem ilusões. A nova ofensiva russa
promete ser lenta, brutal e assimétrica – baseada não em avanços rápidos, mas
em desgaste contínuo. A superioridade numérica russa em artilharia e a
intensificação dos ataques com drones e mísseis tornam cada metro de terreno
uma conquista sangrenta. A mobilização ucraniana sofre com a evasão, o cansaço
e a falta de planejamento. Ainda assim, o moral persiste, sustentado por uma convicção
simples: ceder é morrer.
O Ocidente precisa decidir se ainda está
disposto a sustentar uma ordem baseada em regras – e a pagar o preço por isso.
As opções estão na mesa: reforçar os arsenais ucranianos, treinar soldados,
compartilhar inteligência, ampliar sanções, usar ativos russos congelados. O
que falta é liderança. A diplomacia não está morta, mas está à deriva.
Reerguê-la exige realismo, firmeza e coesão. E um entendimento claro de que o
único cessar-fogo duradouro é aquele que decorre de uma posição de força, e não
de fraqueza.
A janela aberta em Istambul se fechou. Ainda
pode ser reaberta – mas não ao som de aplausos vazios, e sim com o ruído
determinado das engrenagens de uma política séria.
Desserviço da Prefeitura
O Estado de S. Paulo
Faixa da CET que explora a morte de
passageira empobrece o debate sobre mototáxis em SP
A Companhia de Engenharia de Tráfego (CET)
estendeu na Avenida Tiradentes, região central de São Paulo, uma faixa para
avisar que ali ocorreu “a morte de uma passageira que usava o serviço de
mototáxi da empresa 99”, que, segundo a Prefeitura, “é proibido”. Recomenda
ainda que o cidadão “preserve sua vida”.
Não se trata de nenhuma prestação de serviço.
A mensagem integra claramente a disputa judicial que a Prefeitura paulistana
trava contra as empresas que oferecem o serviço de mototáxi. É lamentável que o
prefeito Ricardo Nunes tenha decidido usar um órgão público de maneira tão
explícita para fins tão diferentes daqueles a que se destina, pois está claro
que a faixa com a advertência da CET não se prestava a informar os motoristas
nem a inibir comportamentos inadequados no trânsito. Servia exclusivamente à cruzada
do prefeito contra os mototáxis, como se o acidente a que a tal faixa aludia
fosse suficiente para comprovar a tese de Ricardo Nunes de que esse serviço,
uma vez autorizado, causará uma “carnificina” em São Paulo.
Para piorar, as informações disponíveis
sugerem que, no caso citado pela faixa da CET, a morte da passageira não foi
causada por imprudência do motociclista que prestava o serviço, e sim pela
irresponsabilidade de um passageiro de um carro de transporte por aplicativo.
Esse rapaz resolveu abrir a porta do carro no exato momento em que passava a
moto que conduzia a jovem Larissa Torres, de 22 anos, na noite de sábado
passado. Na batida, ela e o motociclista, que sobreviveu, foram lançados para
longe.
Além de não ter nada a ver com a morte de
Larissa, o motoqueiro estava trafegando pela faixa azul, espécie de corredor
desenhado nas grandes avenidas para uso exclusivo de motos – aliás, um dos
grandes orgulhos do prefeito Ricardo Nunes.
Com ou sem mototáxi, São Paulo acumula
indicadores alarmantes sobre mortes de motociclistas. Segundo o Detran, nada
menos que 131 pessoas morreram em acidentes com motos na capital até 28 de
maio, último dado disponível. No ano passado, foram 486 óbitos em acidentes
desse tipo – mais de uma pessoa por dia. Não há notícia de que a CET tenha
estendido faixas para fazer advertências sobre qualquer um desses casos.
Em vez de fazer a CET participar de sua
guerra particular contra os serviços de mototáxi, o prefeito deveria cobrar
maior fiscalização do trânsito de motocicletas. Está claro, para qualquer
cidadão que ande pela cidade, que muitos motociclistas consideram desnecessário
cumprir qualquer lei de trânsito. Raros são os que param em sinal vermelho e
que respeitam faixas de pedestre e limites de velocidade. Isso, no entanto, não
parece comover o prefeito.
Ademais, o serviço de mototáxi está devidamente autorizado por lei federal – ou seja, não é “proibido”, como diz a tal faixa da CET. No momento, em razão da disputa judicial, esse serviço está suspenso até que, como determinou a Justiça – e como manda a lei –, a Prefeitura o regulamente.
Ataque às universidades é atraso para o país
Correio Braziliense
Torna-se quase impossível a qualquer país
ganhar notabilidade no cenário internacional sem valorizar e financiar as
universidades. São elas que interagem e trocam conhecimentos com as suas iguais
ao redor do mundo
A reposição dos recursos financeiros para
universidades e institutos federais de ensino superior, anunciada anteontem
pelo ministro da Educação, Camilo Santana, soou como um alívio para os
reitores. Voltam aos caixas das instituições R$ 400 milhões, e elas estarão
ainda isentas do congelamento de R$ 31,3 bilhões para gastos públicos anunciado
na semana passada pelo Ministério da Fazenda.
Mas as adversidades não estão restritas aos
parcos investimentos que, tradicionalmente, deixam as universidades em apuros,
e projetos e pesquisas comprometidos. A violência infiltrada nos ambientes dos
conhecimentos tornou-se, igualmente, grave para os gestores e para os
estudantes, alvos de grupos organizados contrários à democratização e à
universalização do ensino em todos os níveis, abrangendo a diversidade de
raça/cor, gêneros e condições socioeconômicas.
São recorrentes os episódios de ataques in
loco e nas redes sociais, a ponto de a prática ter virado nicho de ditos
influenciadores. A Universidade Federal do Ceará (UFC), em abril último, teve
arrombadas as portas da biblioteca e do laboratório do Departamento de
Ciências. Os invasores derrubaram estantes que abrigavam mais de 2 mil livros,
quebraram vidros e cadeiras, segundo reportagem do Jornal da Unicamp. A própria
instituição de Campinas sofreu dois ataques em março, de caráter racista. Os
manifestantes deixaram mensagens como "Unicamp destruída" e
"Estamos limpando a Unicamp", ao lado de símbolos nazistas.
A Universidade de Brasília (UnB) também tem
sido palco de atos de violência promovidos por grupos antidemocráticos, que se
insurgem contra as políticas de ensino sem restrições. A violência inspira
muitas leituras. Entre elas, está a do cientista político, professor da UnB e
escritor Luís Felipe Miguel, que busca, em pesquisa, compreender as raízes do
"ódio ao conhecimento". Segundo ele, o processo de democratização das
universidades pode ter impulsionado esse movimento. A classe média perdeu o
domínio de um espaço exclusivo — antes destinado para seus filhos e hoje
ocupado por jovens de diversas camadas sociais — e passou a questionar o papel
das instituições públicas de ensino superior.
A polarização política dos últimos anos, que
dividiu a sociedade brasileira, também está ligada a essas agressões. Pelas
possibilidades citadas, mas também por dialogar com um retorno ao passado,
quando a educação era um direito de todos, exceto dos descendentes dos negros
escravizados. Assim, torna-se cada vez mais importante garantir um forte
aparato de proteção às universidades e institutos de ensino superior, mas
também debater os temas que incitem grupos desorientados, ou conduzidos por
inverdades, a conhecer a verdadeira história e o real papel dessas
instituições.
A pacificação é essencial, ainda, para
proteger o Brasil de um cenário de estagnação social e econômica. Torna-se
quase impossível a qualquer país ganhar notabilidade no cenário internacional
sem valorizar e financiar as universidades. São elas que interagem e trocam
conhecimentos com as suas iguais ao redor do mundo, propiciando soluções
tecnológicas, medicamentos, protocolos avançados e tantas outras descobertas
voltadas à qualidade de vida e ao progresso de uma nação.
Marina sofre violência de gênero no Senado
O Povo (CE)
É preciso uma ação mais assertiva dos
presidentes das duas casas legislativas para punir com rigor esse tipo de
comportamento
O Senado é, ou deveria ser, a casa do
equilíbrio, na qual as divergências devem ser expostas com urbanidade. Por
isso, não pode passar sem consequências o episódio acontecido na terça-feira na
audiência na Comissão de Infraestrutura do Senado. É preciso que o presidente
do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), se manifeste e tome providências firmes
para evitar esse tipo de acontecimento, que depõe contra o Congresso
Brasileiro.
Convidada à comissão, a ministra do Meio
Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, respondia a perguntas sobre a
criação de uma unidade de conservação e também sobre o asfaltamento da BR-319,
que liga Porto Velho (RO) a Manaus (AM). Mas a sessão tornou-se palco de
agressões verbais, sexismo, machismo, misoginia e de violência política de
gênero contra Marina.
Do senador Marcos Rogério (PL-RO), que
presidia a sessão — do qual se esperava um mínimo de isenção na condução dos
trabalhos, cortava todas as tentativas de fala da ministra, enquanto ela
insistia. Rogério então exprimiu um "ponha-se em seu lugar",
recebendo uma resposta certeira: "O senhor queria que eu fosse uma mulher
submissa, mas eu não sou".
Mas o show de horrores ainda não havia
terminado. O senador Plínio Valério (PSDB-AM) conseguiu tornar pior o
que já era péssimo, ao dizer que iria "separar a mulher da ministra",
pois respeitava a primeira e não a segunda. Marina reagiu afirmando ser
impossível separar a ministra da mulher, exigindo desculpas de Valério.
Ela ainda lembrou que, em março, o senador
declarou, em um evento com empresários no Amazonas, que seria difícil
tolerar a ministra por muito tempo sem sentir vontade de
"enforcá-la". Depois, como de costume em casos assim, disse ter sido
uma "brincadeira".
Após mais de três horas de debate, em meio
a hostilidades, com a má vontade do presidente da mesa em relação a ela,
pouco apoio entre os membros da comissão — e com a recusa do senador Valério em
pedir desculpas, Marina retirou-se da comissão.
São comuns no Congresso violência política de
gênero, como ocorreu na nomeação Gleisi Hoffmann como ministra das Relações
Institucionais, quando foi atacada pelo deputado Gustavo Gayer (PL-GO),
sugerindo que ela formaria um "trisal" com outros congressistas.
Se todas as mulheres sofrem com o machismo e
a misoginia, as maiores vítimas são as deputadas transsexuais, como Duda
Salabert (PDT-MG) e Érika Hilton (Psol-SP), ambas mulheres trans, que são alvos
frequentes de transfobia e machismo.
A violência política de gênero é um desafio constante enfrentado pelas mulheres no Congresso. E isso precisa mudar, com uma ação mais assertiva dos presidentes das duas casas legislativas, para que tal comportamento seja punido com rigor.
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