Folha de S. Paulo
Barroso deu a inimigos do tribunal a mais
escrachada imagem do escárnio
Luís
Roberto Barroso é dotado de altas habilidades. Simpático, inteligente
e cosmopolita, frequenta palcos internacionais como nenhum ministro do STF. Professor e
autor, ensinou a mim e a gerações de estudantes a valorizar a Constituição de
1988.
Não temos por que duvidar de suas boas
intenções, tão hiperbólicas quanto seus equívocos.
Barroso foi filmado em jantar beneficente na casa do presidente do IFood. Abraçados, cantavam Alcione e Tom Jobim. Nada muito novo em relação ao hábito de confraternizar socialmente, não só de recepcionar institucionalmente, a cúpula do poder corporativo e político. Quase todos os ministros praticam, mas sempre foi e sempre será ilícito ético. Hábito degradante para a autoridade da corte.
A justificativa era fazer captação de
recursos privados para concessão de bolsas de estudos a candidatos negros
em concursos da magistratura. Boa causa, mas note a configuração política
de fundo. Um vício de meios, não de fins.
O tribunal resolve se engajar em campanha de
arrecadação filantrópica. O "fundraising" é personalizado pelo
presidente. Sugere falta de orçamento para bolsas. Terceiriza uma política
pública. Não parece faltar orçamento para voos da FAB e outros gastos
inovadores. Escolhas estranhas. Não sabemos mais por déficit
de transparência.
Podemos admirar ministro que cultiva cultura,
samba e festa. Mas não avacalhação e espalhafato: na casa de CEO de empresa
interessada na precarização do trabalho que
o STF ajudou a aprofundar, o ministro cria explosão de sabores de conflito
de interesses.
Não é crítica moralista a estilo de vida ou a
gosto duvidoso. Não é preconceito contra empresários. Não é divergência
ideológica. É beabá universal de ética judicial em democracias.
Nenhum outro colegiado do STF teve essa
ousadia anti-institucional. O não constrangimento em aplicar choques
imoralistas à esfera pública mostra incompreensão sobre decoro e rituais de
imparcialidade. Nenhum código de ética no mundo permite.
A cartilha da bajulação a ministros tem
chamado crítica educada de "ataque à democracia". Induz confusão
maliciosa com a ambição extremista de "fechar o STF". Recorrer a
bajuladores de sempre não vai ajudar.
A crítica é grito de amigos do STF em
sua defesa. Não está pensando em honorários. Apela por sobrevivência
constitucional. Alerta que a descompostura implode a legitimidade da corte por
dentro, serviço gratuito prestado à causa bolsonarista.
Se ministro virou pauta de coluna social, não
é por fetiche com magistrados. A irresponsabilidade no manejo da dinamite que
têm nas mãos choca pela falta de noção do perigo. Nessa autoimolação orgulhosa,
vai se tornando fonte de incredulidade e escárnio. Escárnio indica que recursos
de legitimidade evaporaram. Lição de Maquiavel.
O aviso amigo não espera só autocrítica, mas
outra conduta. Quer o melhor STF possível para dar conta de guardar a
Constituição numa sociedade brutal. Não vai funcionar sem decência pública.
Significa proteger grupos vulneráveis contra
abuso de poder político, social e econômico. Significa promover a liberdade
daqueles não convidados para cantar. Não a liberdade dos mais fortes, que tem
outro nome.
"A incultura
é problema difícil de sanar no Brasil", ele responde.
Tá legal, mas cadê o argumento? Não despreze
amigos tanto assim.
Nenhum comentário:
Postar um comentário