A história do desenvolvimento capitalista dos séculos XIX e XX registra a
existência de alguns países com altos níveis de desenvolvimento, riqueza e qualidade
de vida, e com baixa propensão nacional expansiva ou imperialista. Como é o
caso das ex-colônias britânicas, Canadá, Austrália e Nova Zelândia, e dos
países nórdicos, Suécia, Dinamarca, Noruega e Finlândia.
Todos apresentam taxas de crescimento alta, constante e convergente, desde
1870, só inferior à da Argentina, até a Primeira Guerra Mundial. Hoje são
economias industrializadas, especializadas e sofisticadas. A Noruega tem a 3ª
maior renda per capita, e o maior índice IDH (0,943), do mundo; a Austrália tem
a 5ª renda per capita, e o 2º melhor IDH do mundo (0, 929); e quase todos têm
uma renda média per capita entre US$ 50 mil e US$ 60 mil anuais. A Noruega é
considerada hoje o país mais rico do mundo, em "reservas per capita",
e foi considerada pela ONU, em 2009, como "o melhor país do mundo para se
viver". A Dinamarca já foi classificada, entre 2006 e 2008, como "o
lugar mais feliz do mundo", e o segundo país mais pacífico da terra,
depois da Nova Zelândia, e ao lado da Noruega.
Canadá, Austrália e Nova Zelândia foram colônias de povoamento da
Inglaterra, durante o século XIX, e depois se transformaram em domínios da
coroa Britânica, até depois da Segunda Guerra Mundial. Mas até hoje são nações
ou reinos independentes que fazem parte do Commonwealth e mantêm o monarca
inglês como seu chefe de Estado. Como colônias e domínios funcionaram sempre
como periferia da economia inglesa, mesmo depois de iniciado seu processo de
industrialização, mantendo-se - em média - a participação do capital inglês, em
até 2/3 da formação bruta de capital desses três países. E todos eles
estabeleceram relações análogas com a economia americana, depois do fim da
Segunda Guerra Mundial.
Os países nórdicos se tornaram satélites especializados do sistema de
produção e do poder europeu
Neste século e meio de história, o Canadá - como caso exemplar - esteve ao
lado da Grã Bretanha e dos EUA na Primeira e Segunda Guerras Mundiais, além de
participar Guerra dos Boers e da Guerra da Coreia e de ser um dos membros
fundadores da OTAN, em 1949. Participou das guerras do Golfo, do Iraque, do
Afeganistão e da Líbia, e participa diretamente do sistema de defesa
aeroespacial americano. E o mesmo aconteceu, em quase todos os casos, com a
Austrália e a Nova Zelândia.
Por outro lado, os países nórdicos foram expansivos, e a Suécia em
particular foi um grande império dominante, dentro da Europa, até o Século
XVIII. Mas depois de sua derrota para a Rússia, em 1720, e depois da sua
submissão dentro da hierarquia de poder europeia, os estados nórdicos se
transformaram em pequenos países, com baixa densidade demográfica e alta
dotação de recursos naturais, funcionando como pedaços especializados e cada
vez mais sofisticados do sistema produtivo europeu.
A Suécia ficou famosa pelo "sucesso" de sua política econômica
anticíclica ou "keynesianas", depois da crise de 1929, mas de fato
logrou superar os efeitos da crise graças à suas condição de sócia econômica e
fornecedora de aço e equipamentos para a máquina de guerra nazista, que também
ocupou a Dinamarca e exerceu grande influencia sobre a região, durante toda a
Segunda Guerra Mundial.
Depois da guerra, a Dinamarca e a Noruega se tornaram membros da OTAN, e a
Dinamarca segue sendo uma passagem estratégica para o controle do mar Báltico. Por
sua vez, a Suécia participou das Guerras do Kosovo e do Afeganistão, e foi
fornecedora de armamentos para as forças anglo-saxônicas, na Guerra do Iraque.
Por último, a Finlândia, que fez parte da Suécia, até 1808, e da Rússia, até
1917, acabou ocupando um lugar fundamental dentro da Guerra Fria, até 1991, e
ainda ocupa uma posição estratégica até hoje, no controle da Baia da Finlândia
e da própria Rússia.
Por tudo isto, apesar de esses países terem origens e trajetórias
diferentes, é possível identificar algumas coisas que eles têm em comum:
1) São pequenos ou têm uma densidade demográfica muito baixa.
2) Têm excelente dotação de recursos alimentares, minerais ou energéticos.
3) Todos ocupam posições decisivas no tabuleiro geopolítico mundial.
4) E todos se especializaram em serviços ou setores industriais de alta
tecnologia, e em alguns casos, dentro da industria militar.
Alguns diriam que se trata de um caso típico de "desenvolvimento a
convite", mas isto quer dizer tudo e nada ao mesmo tempo. O fundamental é
que o sucesso econômico desses países não se explica por si mesmo, porque desde
o século XIX, os "domínios" operaram como fronteiras de expansão do
"território econômico" inglês, e como bases militares e navais do
Império Britânico. E os países nórdicos, depois que foram submetidos, se
transformaram em satélites especializados do sistema de produção e do poder
expansivo europeu. E hoje, finalmente, todos esses sete países operam como
pequenas "dobradiças felizes" da estrutura militar e do poder global
dos Estados Unidos.
José Luís Fiori professor titular de economia política internacional da
UFRJ, é autor do livro "O Poder Global", da Editora Boitempo, e
coordenador do grupo de pesquisa do CNPQ/UFRJ "O Poder Global e a
Geopolítica do Capitalismo".
Fonte: Valor Econômico
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