Houve uma mudança da cobertura jornalística do carnaval de 2014. É possível dizer que houve um maior destaque dos carnavais do Rio e do Recife, e, sobretudo dos carnavais de rua, dos blocos de sujos, de troças, cordões etc. Fato auspicioso, uma vez que o "maior espetáculo da terra" tornou-se um fabuloso negócio de empresas, veículos de comunicação e autoridades públicas municipais, estaduais e federais. O renascimento da folia espontânea dos bairros e dos foliões anônimos é um sinal positivo de que não só de glamour e purpurina (e dos holofotes) vive o carnaval brasileiro.
Existe sempre o risco do globalismo localizado querer tomar e dá conta da festa momesca. Apesar da pretensão dos baianos e dos cariocas de roubarem a cena carnavalesca, a diversidade regional e cultural da folia tem enriquecido o espetáculo e tornado mais plural o cortejo carnavalesco. O carnaval de rua retoma o espírito original da "inversão", da crítica, da irreverência popular em relação aos poderosos e ricos.
O mesmo não se pode dizer da relação dos políticos com o carnaval. Eles continuam com a condenável tendência (anticarnavalesca) de tirar proveitos e dividendos da folia. A festa popular - como o futebol e a religião - faz parte daquilo que os estudiosos chamam de "mundo da vida" ou da "cotidianeidade". Esta é uma esfera social contraposta ao "sistema", ao mundo do dinheiro e do poder. É aí onde as pessoas respiram, se dão o luxo de serem mais espontâneas, naturais, de dizerem o que pensam ou como gostariam de ser (o mundo do imaginário social). Tal como se poderia ver o carnaval como uma autêntica válvula de escape (diante da opressão cotidiana), ele também pode facilmente cumprir (e cumpre) o papel de um eficiente controle social. Uma forma de insatisfação administrada, com prazo e data para acabar ou se camuflar.
É exatamente como forma de controle social, que as nossas elites pensam o carnaval. Acham que podem manipular a insatisfação das pessoas, patrocinando a folia. Como se fosse possível vestir a camisa de seu partido ou de seu governo nos foliões e dizer que o sucesso da folia é o seu sucesso, é o sucesso de suas gestões. Como se dissessem: "Obrigado, foliões. Vocês corresponderam na avenida ao esforço hercúleo e desmedido de governar para a felicidade de vocês".
Coitados! Mas iludidos do que os foliões estão eles se pensam que a alegria, o sorriso, a desconcentração, o bom humor é a senha de entrada no panteão dos deuses eleitorais de 2014.
Michel Zaidan é professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
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