- Folha de S. Paulo
Os deuses encarregados de escrever a história têm um senso de humor mordaz. Uma das primeiras medidas de Michel Temer depois que chegou ao poder foi a de extinguir o Ministério da Cultura. Volúvel que é, o presidente cedeu às pressões de artistas e recriou a pasta, para a qual, depois de várias recusas, nomeou Marcelo Calero, cuja demissão agora lança o governo em sua pior crise.
O escândalo, que agora envolve o presidente em pessoa, é potencialmente explosivo. Há motivos para acreditar que Temer agiu bem perto do limite de pressionar um agente público para satisfazer interesses pessoais de Geddel Vieira Lima. O fato de o braço-direito do presidente ter deixado o governo tira a água da fervura, mas não basta para afastar a crise. A oposição já fala até em impeachment.
É preciso, porém, um pouco de cuidado aí. Encontrar um motivo jurídico para afastar um presidente é a parte fácil. Praticamente todos os mandatários deixam atrás de si um rastro de ações e decisões que podem sem muita dificuldade ser interpretadas como ilegais. O difícil é criar um virtual consenso político de que ele deve ser destituído. Tanto no impeachment como no crime comum, a ação penal precisa ser autorizada por uma maioria de dois terços da Câmara, e nada indica que os deputados estejam, por ora, dispostos a sacrificar Temer.
A tragédia brasileira é que vivemos uma rara conjunção de crise política estrutural e ruína econômica, e o enfrentamento da primeira, que exige fazer avançar as instituições e responsabilizar quem tenha cometido crimes, dificulta enormemente lidar com a segunda. Dá para sustentar que a solução dos problemas econômicos é mais urgente, mas é importante frisar que ela não pode ocorrer em detrimento do avanço institucional, pois o retrocesso aí não se mediria em anos e sim em décadas.
Tirar Temer mantendo Meirelles já não me parece o pior dos mundos.
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