quarta-feira, 19 de julho de 2023

Zeina Latif - O governo não pode temer o debate

O Globo

O amadurecimento do debate facilita o avanço em temas polêmicos ou que demandam enfrentamento de grupos organizados

Com frequência se minimiza a importância do debate público tecnicamente embasado em dados e evidências, mas trata-se de ingrediente essencial para o avanço de reformas estruturantes, inclusive em contextos de alternância de poder, reduzindo o risco de um governante não dar sequência a reformas iniciadas pelos antecessores.

O amadurecimento do debate facilita o esforço e até empurra a classe política para avançar em temas polêmicos ou que demandam enfrentamento de grupos organizados. O debate tecnicamente robusto reduz o espaço de manipulação de informações com vistas a ganhar a opinião pública. Um exemplo recente, na discussão da Reforma Tributária, foi afirmar que os pobres serão prejudicados, quando pesquisas mostram o contrário.

Bolsonaro era contra a Reforma da Previdência, mas permitiu seu avanço, possivelmente por conta do aprofundamento do debate público, que foi munido com informações, dados e projeções dos gastos com aposentadorias e pensões, pelo governo Temer. Foi ficando claro para a classe política, e na opinião pública, que o rápido envelhecimento populacional exigia reformas nas regras previdenciárias.

Teria sido erro histórico o governo Bolsonaro não aprovar a Reforma da Previdência. O mesmo vale para a aprovação da Reforma Tributária pelo governo Lula.

A fatura da Reforma Tributária não foi liquidada, cabendo debate qualificado no Senado sobre quais setores deveriam voltar para a regra geral do IVA, com base no custo de cada regime especial criado e no grupo social beneficiado. A escolha política não pode prescindir dessas informações técnicas.

Quais os passos seguintes?

Além do cuidado com o projeto de lei complementar para regulamentar a matéria, será importante viabilizar a redução da tributação sobre a folha para salários mais baixos — tema da coluna de 28 de junho. Não será tarefa fácil, pois a perda de arrecadação precisa ser compensada, o que viria, em princípio, da reforma do Imposto de Renda.

Este, porém, é um tema pouco maduro no debate público, e que enfrenta muitas resistências, principalmente no que diz respeito à melhor forma de tributar dividendos e de eliminar a injusta diferença entre a tributação do assalariado na CLT e do profissional liberal na “pejotinha”.

Outro tema importante será a validação do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia (UE). Pauta antiga, que ganhou força nos últimos anos, culminando na aprovação do acordo em 2019. O assunto voltou, porque a UE apresentou novas exigências do lado ambiental, e o Brasil respondeu propondo rediscutir o capítulo relativo a compras governamentais, defendendo uma abordagem mais protecionista, especialmente no setor de saúde.

Além de a estratégia brasileira ser ameaça ao acordo, ela se presta a proteger empresas do setor quando o correto seria privilegiar a qualidade do SUS, como aponta Marcos Mendes. Falta a análise técnica dessa proposta.

Mereceria ainda empenho do governo na urgente contenção de gastos obrigatórios que comprometem o orçamento federal, como apontado por recente relatório do Tesouro. Por ora, só se fala em aumento de gastos, enquanto deveríamos discutir caminhos para reduzir a carga tributária — e as alíquotas futuras do IVA.

Avançar no debate de temas cruciais traria grande ganho, pois poderia viabilizar reformas em governos futuros. Vale citar alguns temas.

Precisamos debater a universidade gratuita para os mais ricos. Os recursos não seriam suficientes para custear a universidade, mas ajudariam a financiar a pesquisa e apoiar alunos carentes, mais vulneráveis à evasão por falta de recursos financeiros. Além disso, seria mais justo socialmente.

Precisamos debater a reforma administrativa, incluindo a estabilidade do funcionalismo, que poderia ser apenas para as carreiras de estado — sem equivalente no setor privado. Além da economia de recursos, contribuiria para prover maior flexibilidade na gestão da máquina, visando à qualidade dos serviços públicos.

Precisamos debater o papel de agências reguladoras e empresas públicas, avaliando a melhor forma de gestão e de uso eficiente dos recursos públicos.

O governo conta com técnicos competentes para avaliar políticas públicas. Deveria valorizar esse trabalho. Fomentar o debate público sobre as muitas formas de ação estatal deveria estar no plano do governo.

 

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