sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Departamento de Estado erra ao criticar Supremo

O Globo

Governo americano se manifestou em conta oficial sobre decisão da Justiça brasileira relativa às redes sociais

Foi correto o repúdio do Itamaraty à manifestação do Departamento de Estado americano sobre decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro. O Ministério das Relações Exteriores emitiu nota em que diz rejeitar “com firmeza” uma crítica da diplomacia americana à decisão do ministro Alexandre de Moraes ordenando a suspensão da rede social Rumble. Moraes depois reagiu afirmando que a relação entre os países deve ocorrer sem “coação” ou “hierarquia”. “Deixamos de ser colônia em 7 de setembro de 1822”, afirmou. Ele tem razão, mas não era preciso o rompante nacionalista para dizer o óbvio: no Brasil democrático mandam as leis brasileiras.

É a primeira vez que o Departamento de Estado se manifesta sobre decisões da Justiça brasileira a respeito da operação de redes sociais no Brasil. Moraes já determinara a suspensão das operações do Telegram e do X em território nacional, diante da recusa em suspender perfis ou bloquear conteúdos considerados criminosos pela lei brasileira, como a disseminação de desinformação eleitoral ou propaganda golpista. Nos dois casos, as redes puderam voltar ao ar assim que as plataformas cumpriram as ordens judiciais. E o Departamento de Estado nada disse.

Na nova decisão, Moraes foi claro ao determinar a suspensão do Rumble apenas em território nacional. Ela foi tomada assim que a plataforma deixou de ter representante no Brasil e que seu CEO desafiou o STF. Baseia-se em entendimento, referendado pela Primeira Turma da Corte, segundo o qual redes que operam no Brasil são obrigadas a seguir a lei brasileira e a manter representante legal no país. As decisões de Moraes evidentemente não estão imunes a críticas, mas o meio para tentar revertê-las é questioná-las na Justiça brasileira.

Em vez disso, as plataformas Rumble e Truth Social — cujo maior acionista é Donald Trump — entraram com ação na Flórida alegando que, como não ganham dinheiro no Brasil, não precisam constituir representante aqui nem obedecer à legislação brasileira sobre liberdade de expressão. Também alegam que foi um abuso Moraes ordenar a suspensão do perfil de um blogueiro que vive legalmente nos Estados Unidos, ainda que ele seja foragido da Justiça no Brasil — para elas, isso viola a soberania dos Estados Unidos.

Ambas as alegações são descabidas. Primeiro, ainda que as plataformas estejam sediadas nos Estados Unidos, veiculam conteúdo visto por brasileiros. Pelo arcabouço jurídico brasileiro, se produtos de uma empresa são usados no Brasil, ela deve se fazer representar aqui. Segundo, Moraes ordenou apenas a suspensão em território nacional, como já fizera repetidas vezes. A própria juíza que julgou o pedido das plataformas para descumprir as ordens reconheceu implicitamente que elas nada têm a ver com os Estados Unidos — ela negou o pedido argumentando que não houve comunicação dessas ordens por meios oficiais (Convenção de Haia ou Tratado de Assistência Legal Mútua Brasil-Estados Unidos, MLAT).

Obviamente não seria razoável um juiz brasileiro impedir que um residente legal nos Estados Unidos mantivesse perfil numa plataforma americana. Mas não é disso que se trata. O país onde está hospedado um perfil ou sediada a empresa que o hospeda é irrelevante para os efeitos que seu conteúdo possa ter perante a legislação brasileira. Por isso tanto o Rumble quando o Departamento de Estado estão errados.

Acordo para liberar emendas parlamentares é passo necessário

O Globo

Plano homologado por Dino impõe que sejam conhecidos os responsáveis por verbas indicadas pelas comissões

É positivo para o país o entendimento entre os três Poderes sobre as emendas parlamentares. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STFFlávio Dino homologou um plano de trabalho apresentado em conjunto por Executivo e Legislativo para dar transparência e rastreabilidade à execução das verbas. Com isso, está liberado o pagamento de emendas do Orçamento de 2025 e dos anos anteriores, desde que respeitados os critérios do plano de trabalho e as decisões judiciais anteriores. A decisão de Dino será avaliada pelo plenário do Supremo até 5 de março.

As emendas parlamentares no Brasil padecem de dois problemas. O primeiro é o gigantismo. Nas suas várias modalidades, somaram R$ 28,3 bilhões em 2022. No ano passado, chegaram a R$ 46 bilhões, um quinto das despesas livres no Orçamento. Não há nada remotamente parecido no mundo. O segundo problema é a falta de transparência na distribuição das verbas, campo fértil para paroquialismo, investimentos não prioritários e corrupção.

Em dezembro de 2022, o STF julgou inconstitucionais as emendas do relator, que omitiam o nome dos deputados e senadores responsáveis pelos pedidos (por isso a modalidade ficou conhecida como orçamento secreto). Com essa porta fechada, os congressistas passaram a inflar os valores das emendas de comissão, indicadas por colegiados temáticos, também sem o nome de quem pediu o dinheiro. Elas saltaram de R$ 474 milhões em 2022 para R$ 15 bilhões em 2024.

Em agosto passado, em decisão monocrática depois referendada pelo plenário, Dino determinou a suspensão do pagamento de emendas até o Congresso estabelecer novas regras. De forma didática, explicou que a mudança de rubrica não tornava legal uma prática inconstitucional. De lá para cá, o Congresso aprovou um Projeto de Lei aquém do mínimo necessário. Houve liberações, depois seguidas de bloqueios.

A homologação do plano de trabalho nesta semana abre uma possibilidade de solução. Não há justificativa plausível para as inúmeras tentativas de escamotear os autores das emendas ou o destino do dinheiro. Pelo que foi decidido, as atas das reuniões sobre emendas de comissão e de bancada deverão identificar os parlamentares solicitantes ou apoiadores da destinação da verba. Os documentos deverão ser publicados no Portal da Transparência. Acabará o descalabro de enviar recursos ao caixa de prefeituras sem projeto definido nem critério de acompanhamento (as “emendas Pix”). Todo o dinheiro de emendas para a Saúde será enviado a contas específicas.

Tudo isso é básico. Incrível que o país tenha perdido tanto tempo para chegar ao óbvio. Seria produtivo se as lideranças do Congresso entendessem que não é do interesse de ninguém o Legislativo ser visto como usina de escândalos e corrupção. É direito constitucional de todos os brasileiros ter acesso a dados transparentes para rastrear o gasto público. Como disse Dino, o plano “oferece um caminho de aprimoramento institucional do Estado brasileiro”. É hora de dar esse passo.

Com acordo, STF restaura transparência das emendas

Valor Econômico

Ministro Flávio Dino teve o mérito de exigir que a repartição das receitas seja feita segundo regras, às claras, e que permitam monitoramento público

Um acordo aceito ontem pelo ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, parece ter posto um fim temporário à falta de controle das emendas parlamentares. Em princípio, o acordo restabelece princípios constitucionais e dita o óbvio: os repasses precisam ter autoria clara, destino certo e finalidade definida. Não era o que estava ocorrendo com as emendas do relator, as do “orçamento secreto”, nem com as emendas Pix, que não exigiam nem autoria nem finalidade para verbas públicas que poderiam ser utilizadas a bel-prazer dos prefeitos. As emendas Pix ganharam ímpeto, e as do relator foram criadas, no governo de Jair Bolsonaro, que delegou a coordenação política ao Congresso, dominado pelos partidos do Centrão.

As emendas proliferaram a partir de 2015, quando a Câmara, sob a presidência de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), tornou impositivas as emendas individuais. Depois as emendas de bancada tiveram o mesmo status em 2019. Com poder ampliado pelo vácuo do Executivo de Bolsonaro, o Congresso criou as emendas do relator, cujos recursos eram distribuídos em segredo pelas lideranças do Congresso a feudos eleitorais sem qualquer critério definido e sem equidade entre partidos. Em 2023, no primeiro ano do governo Lula, com orçamento definido em 2022, as emendas do relator atingiram R$ 23 bilhões, parte de emendas que somaram R$ 35,3 bilhões. Em 2019, não ultrapassaram R$ 13,4 bilhões. A ministra Rosa Weber, do STF, mandou suspender seu pagamento, apontando clara inconstitucionalidade, e ordenou que o Congresso restaurasse a transparência no manejo de recursos públicos.

O Congresso deu sinal de que respeitaria os rituais no futuro, mas as emendas sob o signo do relator do passado, que continuaram a ser pagas, permaneceram sem autor e finalidade, como determinado - tarefa que as lideranças parlamentares disseram ser impossível realizar retrospectivamente. Uma parte dos recursos do orçamento secreto foi protelada na rubrica restos a pagar, que se estendeu até dezembro do ano passado. Nesse intervalo, Dino, ex-ministro da Justiça do governo Lula, foi nomeado para o STF e suspendeu o pagamento de todas as emendas até que as determinações do Supremo fossem cumpridas ao pé da letra.

Abriu-se uma negociação, que ocorreu enquanto se avolumavam indícios de malversação do dinheiro objeto das emendas e dos inquéritos para apurá-los. Na quarta-feira, uma proposta do Executivo e do Legislativo foi aceita por Dino, disciplinando as emendas de comissão e estabelecendo exigências para que as restantes do relator possam ser pagas. Houve exceções. Repasses a ONGs suspeitas de irregularidades e sob averiguação da Controladoria-Geral da União (CGU) continuam suspensos, assim como as não corretamente identificadas emendas do relator.

O Congresso se mobilizou para manter intactos os recursos das emendas. O orçamento de 2025 contempla R$ 11,5 bilhões para as comissões, que, somados aos R$ 38,9 bilhões de emendas impositivas, perfazem R$ 50,4 bilhões. Elas consumirão 21,9% dos R$ 230 bilhões de despesas não obrigatórias do orçamento. Não há país no mundo em que o Congresso possui tal fatia orçamentária para si. Uma das maiores dotações ocorre nos EUA e não ultrapassa 2,6%.

Outro passo dado pelos parlamentares foi mais criativo. Emendas dos primeiros anos de Bolsonaro inscritas em restos a pagar foram extintas em dezembro de 2024. Um projeto no Senado, elaborado pelo próprio líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), ressuscitou-as e estendeu o prazo até dezembro de 2026. Os senadores aprovaram ideia rapidamente, por 65 votos favoráveis e só um contrário. A Câmara já aprovou o regime de urgência para votar o projeto, o que deve ocorrer logo. Estima-se que esses restos a pagar somem R$ 15,9 bilhões.

Apenas parte das emendas é feita dentro dos programas de planejamento central orçamentário, e a maior parte delas busca atender interesses de currais eleitorais, ou mesmo pecuniários. É uma apropriação incorreta de recursos federais, pois a Constituição já define a partilha de recursos com Estados e municípios para que suas necessidades sejam atendidas, por meio de transferências da União e do ICMS (Maílson da Nóbrega, Valor, 25/2). As transferências cresceram muito desde a pandemia, 43,2% já descontada a inflação, a ponto de que os gastos primários de Estados e municípios no terceiro trimestre de 2024 terem ultrapassado os da União: R$ 631 bilhões e R$ 515 bilhões, respectivamente (Valor, 25/2).

A hipertrofia das emendas influi na representação política, como mostraram as eleições municipais: 85% dos prefeitos foram reeleitos. Os partidos consolidam uma pirâmide de apoio de vereadores, prefeitos e governadores com obras discricionárias. Esse arranjo reduziu a capacidade do Executivo de formar base governista fiel, mas o Congresso não pretende abrir mão do poder conquistado. Em uma das questões políticas mais relevantes, o destino dos recursos públicos, criou-se um foco de disputa permanente. Dino, do STF, teve o mérito de exigir que a repartição das receitas seja feita segundo regras, às claras, e que permitam monitoramento público.

Acordo sobre emendas parlamentares é um avanço

Folha de S. Paulo

Decisão de Flávio Dino ajuda a diminuir atritos entre Poderes numa disputa na qual o Congresso jamais esteve com a razão

Após semanas de articulação política e intensas negociações nos bastidores, o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, enfim homologou um acordo com o Congresso Nacional para liberar as emendas parlamentares.

Mas não todas. Continuam vetados repasses a ONGs e entidades do terceiro setor reprovadas em auditoria da Controladoria-Geral da União. Além disso, transferências diretas para Estados e municípios, conhecidas como emendas Pix, só poderão ser pagas mediante a apresentação de planos de trabalho.

Com a decisão, que precisa ser referendada pelo plenário, dá-se um passo importante para encerrar, ou pelo menos amenizar, os atritos entre Legislativo e Judiciário, em uma disputa na qual o Congresso jamais teve razão.

Emendas parlamentares têm sua razão de ser. Em doses moderadas, elas ajudam a descentralizar o Orçamento público, ao permitir a destinação de recursos para demandas locais quase sempre ignoradas pelo governo federal.

O problema é que, nos últimos anos, o volume das emendas atingiu patamares incompatíveis com a racionalidade administrativa. Em 2019, elas não alcançavam 8% das despesas discricionárias (não obrigatórias); em 2024, saltaram para alarmantes 19,5% —foram quase R$ 45 bilhões de um total de R$ 230 bilhões.

Costuma-se dizer que, na política, não existe vácuo de poder. Pois a trajetória das emendas reforça essa tese. O Congresso aproveitou a fragilidade do governo de Jair Bolsonaro (PL) para abocanhar fatias crescentes de recursos da União; Luiz Inácio Lula da Silva (PT), também sem base sólida, manteve o mesmo padrão.

O resultado foi lamentável para o país, e por mais de um motivo. O simples sequestro de parcelas cada vez maiores do dinheiro é um deles, já que as emendas, agora, têm dimensão suficiente para comprometer políticas públicas.

Há mais, porém. Do jeito que vinham sendo feitas, as transferências representavam gastos de péssima qualidade, uma vez que careciam de transparência, planejamento e eficiência —violando, portanto, diretrizes inscritas na própria Constituição Federal.

Isso para nada dizer das inúmeras suspeitas de malversação das verbas —órgãos de controle investigam irregularidades que teriam sido cometidas por políticos de diferentes posições.

Em uma estratégia conhecida, ao se verem na mira da Polícia Federal, parlamentares afirmaram que o STF invadia a competência do Legislativo. O Judiciário de fato incide com frequência nesse pecado, mas não dessa vez.

As ações do ministro Dino —e o acordo agora homologado é mais uma delas— têm o condão de restaurar princípios da administração pública que vinham sendo desrespeitados de forma sistemática. A separação entre os Poderes, afinal, não pode se converter em salvo-conduto para que deputados e senadores dilapidem o Orçamento da União, já tão deficitário.

Influência de Elon Musk no governo Trump é anomalia

Folha de S. Paulo

Causa legítima do corte de gastos é minada por conflito de interesse do bilionário, agora braço-direito do presidente

Em 17 de janeiro de 1961, o presidente americano Dwight Eisenhower fez uma grave advertência em seu discurso de despedida.

"Nós devemos nos proteger contra a aquisição de influência injustificada, procurada ou não, pelo complexo industrial-militar. O potencial para a ascensão desastrosa de poder indevido existe e vai persistir", disse.

Ele se referia ao fortalecimento das empresas de defesa de seu país, imiscuídas em seus desígnios geopolíticos, já que a Guerra Fria com a União Soviética era um ótimo modelo de negócios.

O aviso foi presciente, e hoje são americanas as cinco primeiras no ranking das 10 maiores indústrias bélicas do planeta, auferindo sozinhas o dobro da receita das restantes. E os EUA detêm 39% do gasto militar global.

Sessenta e quatro anos depois, Donald Trump estreou uma modalidade inaudita de influência privada na gestão pública ao instalar o bilionário Elon Musk como seu braço-direito. Foi o que se viu, na quarta (26), durante a inusitada primeira reunião do gabinete do republicano.

A função de Musk é legítima em si: cortar gastos de um governo deficitário —apesar de girar US$ 6,8 trilhões ao ano. Mas três questões subsistem, além da até agora ausente eficácia anunciada.

Primeiro, como realizar a missão. Um time de desconhecidos subordinado a Musk busca acesso a dados sigilosos, e os famosos e-mails intimidando servidores já são objeto de contestação nos departamentos e na Justiça.

Segundo, o foco. Musk não apresentou plano coerente, apenas justificativas ideológicas calcadas no trumpismo, segundo as quais setores como o da educação têm de ser eviscerados para extirpar o esquerdismo e o politicamente correto.

Novamente, pode haver mérito em retirar abusos sectários da administração pública; o problema é substitui-los por outros.

Por fim, a ética. Musk não tem cargo formal e continua a se pautar por interesses empresariais. Se a sua empresa SpaceX revolucionou o mercado espacial, os palpites que dá acerca do futuro da Nasa são no mínimo inapropriados e anômalos.

O "consegliere" de Trump também tem pressionado a Ucrânia, país onde a sua Starlink garante o acesso militar à internet na guerra contra a Rússia, assim como o faz em contratos no Brasil.

O presidente ora alinhado a Moscou quer tomar de Kiev terras raras e outros minerais essenciais à indústria de alta tecnologia e carros elétricos, encarnada nos EUA por Musk, o que prova a validade do alerta de Eisenhower.

A marra de Lula na Eletrobras

O Estado de S. Paulo

Após quase dois anos de disputa no STF, Eletrobras capitula, aprova aumento no número de vagas em seu Conselho e abre espaço para governo retomar sua influência na empresa

Em assembleia-geral extraordinária, os acionistas da Eletrobras aprovaram o aumento de nove para dez no número de assentos no Conselho de Administração da companhia. Foi a saída encontrada para acomodar os interesses do governo Lula da Silva, que não se conformava com a redução de sua participação no colegiado desde a privatização da empresa.

A assembleia toda durou apenas 15 minutos, mas foi fruto de uma longa discussão, iniciada há quase dois anos. Em maio de 2023, a Advocacia-Geral da União ajuizou ação no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo o reconhecimento da inconstitucionalidade “parcial” da lei que permitiu a desestatização da Eletrobras, aprovada em 2021.

Para não afrontar o Legislativo, que deu amplo apoio à proposta, o governo não questionou a privatização da empresa, por meio da qual sua participação foi diluída num processo de capitalização, mas investiu contra um dos pilares do modelo escolhido para viabilizar a desestatização, conhecido como corporation, consagrado no exterior.

Nele, cada acionista tem o poder de voto limitado a 10%, independentemente do número de papéis detidos. Com pouco mais de 40% do capital social da empresa, a União tinha uma vaga e reivindicava mais duas no Conselho de Administração da companhia, alegando que sua participação havia sido reduzida de maneira desproporcional.

A Eletrobras inicialmente resistiu ao pedido e argumentou que o negócio havia sido conduzido em conformidade com a lei e a Constituição. Mas o ministro Kassio Nunes Marques, relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF, em vez de rejeitar o pedido, decidiu abrir um processo de conciliação entre as partes, cujo prazo foi prorrogado diversas vezes.

Nesse ínterim, a companhia deve ter ponderado o quanto o governo poderia prejudicá-la caso colocasse seu arsenal contra ela. Assim, capitulou e tentou negociar a oferta de assentos para se livrar de problemas bilionários, como a conclusão da usina nuclear de Angra 3. O Ministério da Fazenda era contra, o de Minas e Energia era a favor, e foi por pouco que o governo não fechou um negócio tão arriscado quanto a compra de um carro usado.

A Eletrobras, no entanto, não saiu de mãos abanando e conseguiu vender termoelétricas que tomavam calote da Amazonas Energia para os irmãos Batista – uma operação que ninguém conseguiu entender até que, menos de uma semana depois, o governo federal os recompensou, repassou débitos bilionários da distribuidora para as contas de luz e facilitou a compra de uma empresa agora saneada pela dupla de sorte.

Há coisas que não precisam ser ditas para serem compreendidas. A ata da assembleia-geral extraordinária, por exemplo, não afirma explicitamente que o assento adicional será reservado à União. O documento tampouco explica por que apenas seis dos dez membros do Conselho de Administração devem ser independentes, o que sugere que as negociações por assentos entre as partes não necessariamente acabam por aqui.

O governo Lula conseguiu o que queria e, de quebra, ofereceu um exemplo de que a lei está a serviço dos interesses do governo de plantão. Não poderá reclamar quando ouvir de investidores estrangeiros que o Brasil não oferece a segurança jurídica necessária para trazer seu capital ao País nem a certeza de que contratos serão respeitados.

Lula, que chamou o processo de crime de lesa-pátria, convenientemente esqueceu que a companhia se comprometeu a pagar R$ 25,3 bilhões ao Tesouro Nacional em outorga no processo, cerca de R$ 32 bilhões aos consumidores para abater as tarifas de energia e que assumiu a realização de investimentos de mais de R$ 9 bilhões para recuperar bacias no Norte, Nordeste e Sudeste.

A privatização da Eletrobras, em junho de 2022, movimentou R$ 33,7 bilhões no mercado, com o preço da ação a R$ 42. Se hoje as ações valem menos do que isso, é sobretudo pela pressão desabrida do governo para retomar sua fatia na empresa na marra e sem ter de despender um centavo. Para Lula, espernear tanto valeu a pena, e os acionistas minoritários que lidem com isso a partir de agora.

A inconveniente adesão à Opep

O Estado de S. Paulo

Governo faz malabarismo verbal para justificar a participação numa Opep cada vez mais influenciada por Rússia e Estados Unidos e na qual, como já afirmou Lula, não apitará nada

O Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) autorizou o Brasil a aderir à Carta de Cooperação entre Países Produtores de Petróleo (CoC), fórum consultivo da Opep+, uma versão estendida da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep).

O tema gera constrangimento desde o final de 2023, quando o convite de adesão à Opep foi anunciado pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, ao mesmo tempo que o presidente Lula da Silva participava da COP de Dubai, buscando projetar-se como grande líder global da causa ambiental.

Àquela altura, Lula afirmou achar importante que o Brasil participasse da Opep para “convencer os países que produzem petróleo de que eles precisam se preparar para reduzir os combustíveis fósseis”, adicionando que o Brasil “não apitará nada” no cartel.

Tudo o que conseguiu naquela ocasião foi receber o “prêmio” Fóssil do Dia, honraria concedida pela rede global de ONGs Climate Action Network.

Agora, a poucos meses da COP de Belém, o governo confirma participação no cartel, mas sempre ressaltando que isso não gera obrigação vinculante ao Brasil, malabarismo verbal que tenta mitigar as críticas de ambientalistas.

Realmente, não faria sentido algum se unir a um grupo que procura controlar os preços internacionais do petróleo por meio da redução ou da elevação conjunta da produção, num momento em que o Brasil não apenas se tornou um dos maiores produtores globais de petróleo, como visa a aumentar tal produção por meio da exploração da Margem Equatorial.

Aliás, a defesa que Lula da Silva faz da exploração de petróleo na Região Norte desmonta o argumento do presidente de que o Brasil buscará influenciar os membros da Opep a descarbonizar. Se o Brasil, com matriz energética diversificada, quer explorar mais petróleo, como exatamente vai convencer nações cujas economias basicamente dependem dessa commodity a desistir dela?

É natural que distintos governos tenham de lidar com contradições e complexidades. E a transição energética é tema de extrema relevância e cheio de nuances. A gestão Lula, porém, é mestre em se afundar em contradições, sem se preocupar com as complexidades.

Sem foco, o governo mistura temas que, por terem natureza complexa, deveriam ser tratados cada um a seu tempo, se a gestão Lula da Silva soubesse determinar prioridades e traçar planos de ação. Mas como coordenação interministerial não é, definitivamente, uma virtude deste governo, repete-se agora o embaraço de ter a controversa adesão à Opep embolada com a realização da COP-30 em território brasileiro.

Para além das contradições internas, há ainda o quadro geopolítico. É inegável que a Opep, que já legou ao mundo grandes crises globais como os choques de petróleo dos anos 70, tem grande poder de fogo. Contudo, a emergência de novas potências petrolíferas, entre as quais o próprio Brasil e os Estados Unidos (maior produtor mundial na atualidade), desafia o poder de influência do cartel. Além disso, a saída do Catar abalou a imagem de união na Opep, que na prática se transformou num duopólio Arábia Saudita-Rússia.

A Rússia, em particular, além de ignorar as demandas da transição energética, por diversas vezes violou as cotas impostas pela própria Opep, produzindo acima do volume combinado para financiar sua guerra de agressão contra a Ucrânia.

Ademais, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que é muito próximo da Arábia Saudita, não só vem pressionando a Opep a ampliar sua produção, para derrubar os preços dos combustíveis, como já acenou com a normalização de relações comerciais com a Rússia.

No momento, Trump quer inundar o mundo de petróleo para baratear os preços, mas tanto ele quanto Vladimir Putin agem de acordo com lógicas tortuosas. Logo, bem faria o Brasil se seguisse com sua independência, que até aqui garantiu ao País um lugar de destaque no mercado de petróleo.

De onde quer que se observe, não há ganho expressivo para o País com a entrada num cartel de países produtores de petróleo no qual reconhecidamente não “apitará” nada e, ao contrário, sofrerá pressão para adaptar-se a demandas que nada têm que ver com os interesses brasileiros.

A demagogia do ‘Prisômetro’

O Estado de S. Paulo

Painel com números do Smart Sampa diz pouco para uma população com medo de andar na rua

Quem transitar pelo centro histórico de São Paulo poderá saber quantos criminosos foram presos em flagrante delito e quantos foragidos da Justiça foram capturados com o auxílio das câmeras do programa Smart Sampa. Na manhã do dia 25 passado, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) inaugurou o chamado “Prisômetro”, um painel eletrônico que, como o nome sugere, opera sob a mesma lógica quantitativa do “Impostômetro”, instalado a poucos passos de distância, na Rua Boa Vista.

O objetivo do “Prisômetro”, claro, é transmitir a ideia de que a Prefeitura estaria engajada num esforço conjunto com o governo de São Paulo para dar mais segurança aos paulistanos. Ademais, o painel serve como uma espécie de prestação de contas do Smart Sampa, programa que de fato é uma ótima tecnologia a serviço de uma metrópole de quase 12 milhões de habitantes.

Além de ajudar a colocar na cadeia criminosos que devem mesmo estar segregados da sociedade, o Smart Sampa, por estar integrado à Guarda Civil Metropolitana (GCM), à Secretaria de Segurança Pública do Estado, ao Samu e ao Corpo de Bombeiros, tem promovido até o resgate de pessoas desaparecidas.

Contudo, feito esse justo registro da pertinência do programa municipal, é forçoso dizer que, sozinho, o “Prisômetro” diz quase nada para uma população aterrorizada pela sensação de insegurança, causada em particular pelo aumento do crime de latrocínio na cidade de São Paulo, como tem mostrado o Radar da Criminalidade do Estadão.

No mesmo dia e por volta do mesmo horário em que o prefeito Ricardo Nunes inaugurava o “Prisômetro” – ocasião em que voltou a empilhar estatísticas para dizer que São Paulo nunca foi uma cidade tão segura como agora –, a cerca de 18 km dali um cidadão morreu ao levar um tiro no peito, vítima de mais um latrocínio. O haitiano Ariol Elvariste, de 46 anos, estava num ponto de ônibus no Jardim Boa Vista, na região do Butantã, quando foi assaltado por dois homens em uma moto.

Como este jornal registrou recentemente, na região do Parque Ibirapuera os assaltos também têm sido rotineiros, a ponto de comerciantes e moradores espalharem placas de alerta aos transeuntes sobre o alto índice de roubo de celulares no local. Resta claro que, se a Prefeitura pretende fazer do “Prisômetro” um totem do sucesso de sua vigilância, estas placas espalhadas por paulistanos desamparados cidade afora mostram que não haverá propaganda que baste para aplacar o medo de muitos de seus habitantes de sair às ruas da maior cidade do País.

Uma política de segurança pública séria requer muito mais do que luminosos e números frios. Ela decorre de planejamento estratégico, baseado em inteligência, de patrulhamento ostensivo e coordenação entre as diferentes forças policiais. É sabido que só isso tem o condão de reduzir a criminalidade, mas é justamente o que parece não haver em São Paulo.

O sucesso de uma política de segurança não é medido apenas em número de prisões, mas sim numa diminuição perceptível dos índices de criminalidade, capaz de restabelecer a confiança dos cidadãos em seu direito de ir e vir sem medo.

Mais cuidados com a geração ansiosa

Correio Braziliense

Crianças e adolescentes vivem hoje uma dicotomia e talvez aí esteja a fonte da ansiedade: a superproteção por parte dos pais e a subproteção virtual

Trânsito enlouquecedor, corre-corre para chegar à escola a tempo, professores com conteúdos a serem dados, crianças e adolescentes tentando aprendê-lo até o dia da prova, sem o uso do celular….Encerrando o primeiro mês escolar do ano, professores, pais e filhos tiveram ocasiões de sobra para entrarem em contato com uma reação que, de forma exagerada, tem comprometido cada vez mais a saúde dos brasileiros: a ansiedade.

O levantamento intitulado Calendário da Saúde, publicado pela Ipsos, mostra que cerca de 45% dos brasileiros sofrem do problema e 19% têm depressão. No caso das crianças e jovens em idade escolar, a tecnologia contribui, e muito, para o aumento da incidência desses transtornos. No livro A geração ansiosa: como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais, o autor — o psicólogo americano Jonathan Haidt — fala sobre o declínio das brincadeiras que se contrapõe ao aumento exponencial do consumo de equipamentos eletrônicos. 

Haidt aponta quatro fenômenos que acabam por contribuir para a permanência dessa geração ansiosa: a privação social, a privação do sono, a atenção fragmentada e o vício. Outro risco alertado pelos especialistas é a possibilidade de sintomas associados ao excesso de eletrônicos, como dificuldade de concentração, impulsividade e esquecimento, serem confundidos com o transtorno do deficit de atenção e hiperatividade (TDAH).

Com a recente sanção da Lei nº 15.100, de janeiro de 2025, restringindo o uso de celulares nas escolas — o que, aparentemente, está sendo respeitado na maioria das instituições de ensino do país —, cabe aos pais a função de controlar a utilização dos equipamentos eletrônicos dentro de casa. Mas há quem diga que crianças e adolescentes vivem hoje uma dicotomia e que talvez aí esteja a fonte da ansiedade: a superproteção por parte dos pais, preocupados com a violência e com a falta de oportunidades, e a subproteção virtual, por falta de conhecimento ou devido a falhas na área de cibersegurança. 

A geração ansiosa é avessa ao contato físico, teme a não aceitação e descansa nas redes sociais como meio de refúgio, evitando, assim, ficar exposta. O mundo virtual lhes parece mais seguro, menos adverso. Só que, não. As telas, muitas vezes, escondem os sentimentos, dizimam a interação real em troca de um mundo fantasioso e viciante. 

Como desafio, especialistas que lidam com a chamada disciplina positiva recomendam que pais e educadores cumpram algumas missões: sejam mais presentes na vida dos educandos/filhos, façam uma espécie de curadoria das redes sociais, deem pequenas responsabilidades a crianças e adolescentes e enfatizem a importância das boas horas de sono, proporcionando a eles um ambiente saudável e interativo. 

Sem dúvida, um desafio enorme. O apoio do poder público com campanhas de conscientização e criação de ferramentas de suporte pode tornar a tarefa menos difícil. Assim como um movimento que não deposite a  solução do problema apenas por meio de punições, como castigos por desrespeitar limites de uso dos dispositivos eletrônicos, ou de medicações psicotrópicas, quando os possíveis transtornos são diagnosticados. As novas gerações precisam de melhores cuidados.

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