sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

É a economia, estúpido! Será mesmo? - Orlando Thomé Cordeiro

Correio Braziliense

A frase "É a economia, estúpido" não consegue explicar plenamente o processo contemporâneo que comanda a escolha do eleitor

"É a economia, estúpido" é uma frase cunhada por James Carville, estrategista na campanha bem-sucedida de Bill Clinton na eleição presidencial dos EUA de 1992. Pode-se afirmar que, por décadas, se tornou um mantra utilizado em diversas campanhas eleitorais nos quatro cantos do mundo.

Porém, em 2016 foi possível observar uma mudança radical em dois momentos. O primeiro, quando da disputa em torno do plebiscito realizado em 23 de junho sobre a continuidade do Reino Unido na União Europeia; e o segundo, a campanha presidencial de Donald Trump. Nas duas ocasiões, analistas e assessores políticos experimentados foram surpreendidos pela utilização de maneira extremamente agressiva das redes sociais.

Ainda que em 2008 Barack Obama tenha inovado nessa área, nada se compara à forma disruptiva com que estrategistas como Dominic Cummings e Steve Bannon manipularam as redes a partir do conhecimento sobre o funcionamento dos algoritmos. Esse fenômeno foi tratado, pela primeira vez, por Giuliano Da Empoli em seu livro Os engenheiros do caos, lançado em 2019.

Em sua obra, ele nos conta a trajetória de outras figuras menos badaladas por aqui, como os italianos Gianroberto Casaleggio e Davide Casaleggio (pai e filho), que atuaram na criação e ascensão do Movimento 5 Estrelas de Beppe Grillo; o norte-americano Andrew Breitbart e o inglês Milo Yiannopoulos, que compuseram a equipe de Trump; e o norte-americano Arthur Finkelstein, que atuou, desde 1996, na primeira eleição de Netanyahu em Israel e, a partir de 2009, assessorou Viktor Orban na Hungria.

Passada a surpresa inicial, uma parte de profissionais que trabalham com assessoramento político começou a buscar maneiras de enfrentar o modelo, enquanto outra parte foi aprender a como reproduzi-lo. Essa luta de titãs serviu para consolidar um clima de forte polarização nos países ocidentais, nos hemisférios Norte e Sul.

Para nos ajudar a compreender esse cenário, Felipe Nunes e Thomas Traumann lançaram, em dezembro de 2023, o livro Biografia do abismo. Nele, os autores avançam na análise apontando a seguinte premissa: "A eleição de 2018 é o ponto de inflexão na transformação da polarização partidária em um fenômeno novo, mais extremado, no qual o radicalismo político começou a transbordar para o cotidiano. A posição política passou a ser parte da identidade de cada um e o seu diferencial em relação ao outro". A partir daí, somos apresentados a uma análise original, baseada em dados e informações que levam a uma dramática conclusão: a polarização transformou-se em calcificação.

Posto isso, passemos às últimas pesquisas divulgadas nos meses de janeiro e fevereiro pelos institutos Datafolha, Quaest, MDA, Paraná Pesquisas e Atlas Intel. Todas elas têm resultados bastante similares: os níveis de aprovação do governo federal em queda vertiginosa, mesmo em regiões e classes sociais historicamente mais simpáticas ao atual presidente. 

Ao analisar essa informação, a mídia e os especialistas apontam o dedo para uma causa principal: a inflação dos alimentos. O próprio governo parece concordar. E, no primeiro momento, avaliou adotar medidas de cunho intervencionista, mas logo percebeu que o tiro tinha grande chance de sair pela culatra. Para piorar o cenário, a expectativa de que os preços continuarão sua trajetória de alta, com a maioria das pessoas demonstrando uma crescente insatisfação.

Assim, algumas lideranças políticas começam a apostar no fim do governo e na impossibilidade de recuperação de apoio popular. E, como consequência, concluem que, nas eleições de 2026, o governo já está com sua derrota decretada, qualquer que seja a candidatura que o represente nas urnas.

Ocorre que essas mesmas pesquisas mostram que os índices de intenção de voto numa possível candidatura à reeleição do atual presidente são muito superiores aos índices de reprovação de seu governo. Como isso é possível?

A explicação está na supracitada calcificação. Há muitos apoiadores do atual presidente que, mesmo descontentes com o governo, na hora do voto, já têm seu lado e não pretendem mudar. O mesmo se aplica aos apoiadores do principal líder da oposição que, mesmo sendo condenado e até preso, não perderá seu elevado nível de apoio daquela parcela da sociedade.

Por tudo isso, a frase "É a economia, estúpido" não consegue explicar plenamente o processo contemporâneo que comanda a escolha do eleitor. Analogamente, podemos recorrer ao ditado "ruim com ele, pior sem ele" para sintetizar o sentimento das pessoas que se identificam com qualquer um dos dois polos.

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