Correio Braziliense
A frase "É a economia, estúpido"
não consegue explicar plenamente o processo contemporâneo que comanda a escolha
do eleitor
"É a economia, estúpido" é uma
frase cunhada por James Carville, estrategista na campanha bem-sucedida de Bill
Clinton na eleição presidencial dos EUA de 1992. Pode-se afirmar que, por
décadas, se tornou um mantra utilizado em diversas campanhas eleitorais nos
quatro cantos do mundo.
Porém, em 2016 foi possível observar uma mudança radical em dois momentos. O primeiro, quando da disputa em torno do plebiscito realizado em 23 de junho sobre a continuidade do Reino Unido na União Europeia; e o segundo, a campanha presidencial de Donald Trump. Nas duas ocasiões, analistas e assessores políticos experimentados foram surpreendidos pela utilização de maneira extremamente agressiva das redes sociais.
Ainda que em 2008 Barack Obama tenha inovado
nessa área, nada se compara à forma disruptiva com que estrategistas como
Dominic Cummings e Steve Bannon manipularam as redes a partir do conhecimento
sobre o funcionamento dos algoritmos. Esse fenômeno foi tratado, pela primeira
vez, por Giuliano Da Empoli em seu livro Os engenheiros do caos, lançado em
2019.
Em sua obra, ele nos conta a trajetória de
outras figuras menos badaladas por aqui, como os italianos Gianroberto
Casaleggio e Davide Casaleggio (pai e filho), que atuaram na criação e ascensão
do Movimento 5 Estrelas de Beppe Grillo; o norte-americano Andrew Breitbart e o
inglês Milo Yiannopoulos, que compuseram a equipe de Trump; e o norte-americano
Arthur Finkelstein, que atuou, desde 1996, na primeira eleição de Netanyahu em
Israel e, a partir de 2009, assessorou Viktor Orban na Hungria.
Passada a surpresa inicial, uma parte de
profissionais que trabalham com assessoramento político começou a buscar
maneiras de enfrentar o modelo, enquanto outra parte foi aprender a como
reproduzi-lo. Essa luta de titãs serviu para consolidar um clima de forte
polarização nos países ocidentais, nos hemisférios Norte e Sul.
Para nos ajudar a compreender esse cenário,
Felipe Nunes e Thomas Traumann lançaram, em dezembro de 2023, o livro Biografia
do abismo. Nele, os autores avançam na análise apontando a seguinte premissa:
"A eleição de 2018 é o ponto de inflexão na transformação da polarização
partidária em um fenômeno novo, mais extremado, no qual o radicalismo político
começou a transbordar para o cotidiano. A posição política passou a ser parte
da identidade de cada um e o seu diferencial em relação ao outro". A
partir daí, somos apresentados a uma análise original, baseada em dados e
informações que levam a uma dramática conclusão: a polarização transformou-se
em calcificação.
Posto isso, passemos às últimas pesquisas
divulgadas nos meses de janeiro e fevereiro pelos institutos Datafolha, Quaest,
MDA, Paraná Pesquisas e Atlas Intel. Todas elas têm resultados bastante
similares: os níveis de aprovação do governo federal em queda vertiginosa,
mesmo em regiões e classes sociais historicamente mais simpáticas ao atual
presidente.
Ao analisar essa informação, a mídia e os
especialistas apontam o dedo para uma causa principal: a inflação dos
alimentos. O próprio governo parece concordar. E, no primeiro momento, avaliou
adotar medidas de cunho intervencionista, mas logo percebeu que o tiro tinha
grande chance de sair pela culatra. Para piorar o cenário, a expectativa de que
os preços continuarão sua trajetória de alta, com a maioria das pessoas
demonstrando uma crescente insatisfação.
Assim, algumas lideranças políticas começam a
apostar no fim do governo e na impossibilidade de recuperação de apoio popular.
E, como consequência, concluem que, nas eleições de 2026, o governo já está com
sua derrota decretada, qualquer que seja a candidatura que o represente nas
urnas.
Ocorre que essas mesmas pesquisas mostram que
os índices de intenção de voto numa possível candidatura à reeleição do atual
presidente são muito superiores aos índices de reprovação de seu governo. Como
isso é possível?
A explicação está na supracitada
calcificação. Há muitos apoiadores do atual presidente que, mesmo descontentes
com o governo, na hora do voto, já têm seu lado e não pretendem mudar. O mesmo
se aplica aos apoiadores do principal líder da oposição que, mesmo sendo
condenado e até preso, não perderá seu elevado nível de apoio daquela parcela
da sociedade.
Por tudo isso, a frase "É a economia, estúpido" não consegue explicar plenamente o processo contemporâneo que comanda a escolha do eleitor. Analogamente, podemos recorrer ao ditado "ruim com ele, pior sem ele" para sintetizar o sentimento das pessoas que se identificam com qualquer um dos dois polos.
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