Folha de S. Paulo
Com vitória do republicano, cenário
internacional vai consagrando mundo antiliberal e autocrático
Quando entrou em cena para anunciar sua
genuflexão ao governo de Donald Trump, Mark
Zuckerberg sabia bem em que alvos deveria mirar. Como
comentou-se aqui ainda
antes da posse do republicano, o dono da Meta, ao decidir levantar
as checagens factuais de suas redes, dirigiu as baterias ao mundo
ocidental.
Mais precisamente, Zuckerberg atacou a Europa reguladora, que tolheria a liberdade de expressão de seus negócios, e a América Latina, periferia do Ocidente onde funcionariam tribunais secretos, igualmente inimigos do free speech. O bilionário do Facebook sintomaticamente poupou a China de suas queixas, bem como a Índia.
Agora, mais de um mês desde que Trump assumiu
a lojinha, as inclinações antieuropeias e antiliberais do presidente americano
tornaram-se patentes. O candidato
a autocrata dos EUA parece respeitar muito mais as lideranças fortes
da Rússia e
da China do que os aliados europeus, vistos como fracos e dependentes.
Além das ameaças diretas a Canadá, México,
Dinamarca, ONU e Otan, Trump comprou a versão de Putin para a invasão da
Ucrânia e acabou com a terceirização da guerra que vinha sendo alimentada por
Joe Biden e os governos da UE. Zelenski foi reduzido a um comediante que
usurpou o poder, desviou recursos e tornou
impossível negociar algum tipo de paz. Agora vai ter que ceder.
Não é preciso apoiar a visão de Trump para
dizer que a situação anterior se mostrava insustentável, em que pese a retórica
de defesa das "leis internacionais" e a brutalidade do ato invasor.
Estava claro que não haveria alternativa a uma guerra prolongada sem alguma
concessão territorial por parte da Ucrânia. Há quem aposte que a paz articulada
pelo republicano será um convite a novas aventuras de Putin rumo à Europa. A
ver.
O fato é que Trump, Putin e Xi Jinping são
a nova base decisória da geopolítica global. Neste mundo iliberal autocrático,
são esses os senhores que apitam e preenchem o papel de instituições
multilaterais. Esqueça Nações Unidas, Otan e quejandos. A nova partilha está em
curso.
Cada um deles quer dirigir seu respectivo
país e áreas de influência o mais possível sem empecilhos institucionais. O
russo vai no velho estilo imperial, e o chinês tem tudo controlado e planejado.
Nenhuma das duas nações acumula experiência democrática.
São diferentes dos EUA, onde um sistema de
regras e balanços subsiste, mas não se sabe como se comportará e até quando.
Para Trump e seus rapazes, o que vale é o ultracapitalismo triunfante que
transforma a administração do país em administração de uma empresa. Quem manda
é o CEO, e o povo é acionista.
É chover no molhado dizer que a denúncia
oferecida pela Procuradoria Geral da República ao Supremo Tribunal Federal é
histórica. As evidências de uma trama golpista articulada em torno do
ex-presidente Jair Bolsonaro são de extrema gravidade. A democracia brasileira
vai se deparando com uma nova etapa de sua consolidação, rompendo tabus e
hesitações que poderiam antes enfraquecê-la. Em que pesem as vozes sinistras da
extrema direita, o caso jurídico é sólido.
Um reparo: embora o assunto já pareça
superado, estou entre os que consideraram um erro do ministro Alexandre
de Moraes evitar o julgamento pelo plenário do STF.
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