Folha de S. Paulo
Com PIB estagnado e sob ameaça de Putin, novo
governo alemão pensa em guinada econômica e militar
A inflação nos Estados
Unidos vai aumentar por causa dos aumentos
de impostos de importação de Donald Trump?
A economia americana vai crescer menos por causa da balbúrdia de Trump?
São
perguntas importantes. Mas são questões ainda quase apenas americanas,
que dominam o noticiário e o debate mais corriqueiro, se por mais não fosse
porque vemos o mundo com olhos e ouvidos americanos.
O que já se passa em países como, por
exemplo, a Alemanha,
a terceira maior economia do mundo?
Os alemães estão prestes a dar uma guinada na política econômica, a maior em mais de 30 anos, e de defesa, talvez a maior desde a Segunda Guerra. O novo comando do país pretende endividar o governo a fim de estimular a economia, refazer a infraestrutura e aparelhar suas forças armadas.
Como não estamos muito acostumados a tratar
da Alemanha, talvez não pareça grande coisa. Mas é. É mudança que vai acabar
acontecendo por causa de um empurrão final de Trump e das guerras de Vladimir
Putin.
A União
Europeia discute como montar uma força armada coordenada, uma política
de defesa comum (para valer, na prática) e o que fazer com a Ucrânia. Talvez
não pareça grande coisa. Mas é. Kaja Kallas, espécie de ministra das Relações
Exteriores da União Europeia, disse na semana passada: "o mundo livre
precisa de um novo líder"; "cabe a nós, europeus, assumir esse
desafio".
O governo do Partido Social Democrata de Olaf
Scholz desmoronou de vez, no final do ano passado, porque não conseguiu acertar
com sua coalizão um aumento de gastos e dívida, estímulo necessário antes de
mais nada porque entrou areia na máquina da economia, que não cresce faz dois
anos e talvez não crescesse por mais dois, outro espanto, em se tratando de
Alemanha.
Até a Páscoa, deve estar formada a coalizão
do novo governo, de Friedrich Merz, da União Democrata-Cristã (CDU). Antes
disso, Merz, os social-democratas e os verdes devem fechar acordo a fim de
mudar a Constituição, que tem um "teto de gastos", por assim dizer,
férreo.
Gastar é anátema na Alemanha, assim como
qualquer fumaça de inflação. O país é a polícia monetária e fiscal da UE _vide
o arrocho que impôs à Grécia falida de vez na crise de dívida que explodiu em
2012.
Não se sabe ainda o tamanho do pacote alemão,
talvez 1% do PIB para gasto em defesa, outro 1% para infraestrutura, por ano, e
fora do Orçamento ou das contas fiscais habituais (tem gente por aqui que vai
gostar). A Alemanha pode gastar.
A dívida do governo, como proporção do PIB, é
de 62,7% (pelas contas do FMI). Na média dos países avançados, de 88% do PIB.
Nos EUA, 121%. Na França, 112,3%.
No Reino
Unido, 101,8%.
Como resultado do possível pacotão alemão, as
taxas de juros de longo prazo da dívida alemã subiram (deram o maior salto
relativo em 28 anos). Há o risco de que juros mais altos na Alemanha, uma
espécie de piso europeu, elevem o custo de financiamento de vizinhos (o que
dificulta gastos e dívida extra, em especial em países ora bem deficitários,
como a França).
Ações de empresas, em particular ligadas a
defesa, transporte e infraestrutura, saltaram. Previsões de crescimento vão
sendo alteradas. Algo se move.
Mais importante, a reação alemã pode ser
sinal de que UE acordou de um sono intranquilo para a ameaça do mundo novo de
isolamentos, sordidez e brutalidade que Trump tenta criar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário