sexta-feira, 7 de março de 2025

Trump enfim acorda a Europa? - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Com PIB estagnado e sob ameaça de Putin, novo governo alemão pensa em guinada econômica e militar

A inflação nos Estados Unidos vai aumentar por causa dos aumentos de impostos de importação de Donald Trump? A economia americana vai crescer menos por causa da balbúrdia de Trump?

São perguntas importantes. Mas são questões ainda quase apenas americanas, que dominam o noticiário e o debate mais corriqueiro, se por mais não fosse porque vemos o mundo com olhos e ouvidos americanos.

O que já se passa em países como, por exemplo, a Alemanha, a terceira maior economia do mundo?

Os alemães estão prestes a dar uma guinada na política econômica, a maior em mais de 30 anos, e de defesa, talvez a maior desde a Segunda Guerra. O novo comando do país pretende endividar o governo a fim de estimular a economia, refazer a infraestrutura e aparelhar suas forças armadas.

Como não estamos muito acostumados a tratar da Alemanha, talvez não pareça grande coisa. Mas é. É mudança que vai acabar acontecendo por causa de um empurrão final de Trump e das guerras de Vladimir Putin.

União Europeia discute como montar uma força armada coordenada, uma política de defesa comum (para valer, na prática) e o que fazer com a Ucrânia. Talvez não pareça grande coisa. Mas é. Kaja Kallas, espécie de ministra das Relações Exteriores da União Europeia, disse na semana passada: "o mundo livre precisa de um novo líder"; "cabe a nós, europeus, assumir esse desafio".

O governo do Partido Social Democrata de Olaf Scholz desmoronou de vez, no final do ano passado, porque não conseguiu acertar com sua coalizão um aumento de gastos e dívida, estímulo necessário antes de mais nada porque entrou areia na máquina da economia, que não cresce faz dois anos e talvez não crescesse por mais dois, outro espanto, em se tratando de Alemanha.

Até a Páscoa, deve estar formada a coalizão do novo governo, de Friedrich Merz, da União Democrata-Cristã (CDU). Antes disso, Merz, os social-democratas e os verdes devem fechar acordo a fim de mudar a Constituição, que tem um "teto de gastos", por assim dizer, férreo.

Gastar é anátema na Alemanha, assim como qualquer fumaça de inflação. O país é a polícia monetária e fiscal da UE _vide o arrocho que impôs à Grécia falida de vez na crise de dívida que explodiu em 2012.

Não se sabe ainda o tamanho do pacote alemão, talvez 1% do PIB para gasto em defesa, outro 1% para infraestrutura, por ano, e fora do Orçamento ou das contas fiscais habituais (tem gente por aqui que vai gostar). A Alemanha pode gastar.

A dívida do governo, como proporção do PIB, é de 62,7% (pelas contas do FMI). Na média dos países avançados, de 88% do PIB. Nos EUA, 121%. Na França, 112,3%. No Reino Unido, 101,8%.

Como resultado do possível pacotão alemão, as taxas de juros de longo prazo da dívida alemã subiram (deram o maior salto relativo em 28 anos). Há o risco de que juros mais altos na Alemanha, uma espécie de piso europeu, elevem o custo de financiamento de vizinhos (o que dificulta gastos e dívida extra, em especial em países ora bem deficitários, como a França).

Ações de empresas, em particular ligadas a defesa, transporte e infraestrutura, saltaram. Previsões de crescimento vão sendo alteradas. Algo se move.

Mais importante, a reação alemã pode ser sinal de que UE acordou de um sono intranquilo para a ameaça do mundo novo de isolamentos, sordidez e brutalidade que Trump tenta criar.

 

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