sábado, 31 de maio de 2025

Cada país tem o Congresso que merece - Nelson Motta

O Globo

Repórteres e cronistas de política deveriam receber um adicional de insalubridade em seus salários. O nível nunca esteve tão baixo entre as bancadas de interesses

“Não reclamem do atual Congresso, o próximo será sempre pior.” É o axioma de Ulysses Guimarães, um dos maiores e melhores congressistas de nossa História, que tem sido robustamente comprovado pelos fatos nas últimas décadas. A prova é que nunca tivemos um Congresso tão ruim como o atual, pior até que a sinistra leva que o antecedeu, quando o Congresso foi invadido por bárbaros a serviço de si mesmos, por personagens bizarros, das mais bizarras crenças e causas e interesses. São eles que mandam, o Congresso tem cada vez mais poder e dinheiro, e paradoxalmente, ou não, nunca foi tão poderoso, e tão ruim. No amplo espectro partidário, com raras exceções. Claro que eles estão lá porque foram escolhidos livremente em eleições democráticas. Teoricamente seriam representantes do povo que os elegeu, mas na prática representam eles mesmos e seus interesses, cada vez mais rasteiros e danosos ao povo, que vota cada vez pior. Um círculo viciado e sem perspectivas de melhoras. Os melhores e mais experientes jornalistas de política são testemunhas de acusação. Cada país tem o Congresso que merece.

Sempre tive paixão por política, desde a juventude, nos libertários e politizados anos 1960, e principalmente como jornalista durante a ditadura, quando não se podia sequer falar sobre política, e depois daqueles 20 anos de terror, silêncio e sufoco, chegou finalmente a sonhada e inebriante liberdade de opinião, e todo mundo tinha voz para expressar tudo que estava entalado, inclusive muita besteira.

Mesmo quando morei nos Estados Unidos, nos anos 1990, e na Itália, nos 1980, sempre acompanhei a política no Brasil com grande interesse, fiel à máxima “Se você não se interessa por política, os que se interessam é que vão mandar”. Em 2022 cheguei a me mudar para Lisboa, porque não suportava o bolsonarismo selvagem no poder, disposto a ficar lá até que ele fosse embora, só voltei ao Brasil para votar e, com a eleição de Lula, decidi voltar, sempre interessado visceralmente na política e movido a esperanças depois das trevas.

Mas agora o ambiente de decadência, grosseria e prepotência está um pouco demais, mesmo para um news junkie político inveterado. Repórteres e cronistas de política deveriam receber um adicional de insalubridade em seus salários. O nível, partidário e pessoal, nunca esteve tão baixo entre as bancadas de interesses, que envergonha bastante quem lê as notícias, embora eles não tenham vergonha alguma das piores escolhas, e seguem em frente em busca de suas reeleições.

Enfim, nada disso é novidade e tenho certeza de que muitos compartilham essa opinião. O mais inquietante é que no ano que vem o Congresso se renova e, pelo que se tem visto e ouvido no Senado e na Câmara, a profecia, ou maldição do “axioma de Ulysses”, vai ser comprovada mais uma vez.

O máximo que posso fazer por minha sanidade é tentar reduzir ao mínimo minha paixão pela política e meu desprezo pelos atuais políticos e gastar meu precioso tempo em assuntos mais interessantes.

 

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