sábado, 31 de maio de 2025

O ‘lenga-lenga’ e a política ambiental – Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Está claro que a atual legislação e seus processos precisam de reforma para se tornar mais ágeis e eficientes

A ministra Marina Silva diz que o Projeto de Lei aprovado no Senado desmonta totalmente o sistema de licenciamento ambiental vigente no Brasil. Para ela, o atual regime é robusto e tem produzido bons resultados. Por isso, pede a ação do governo a que pertence para combater aquele projeto. O problema imediato está na base do governo. Partidos que a integram — e têm ministérios — votaram pelo projeto que, de fato, muda radicalmente as regras ambientais.

Mas há outro obstáculo, maior e mais difícil. Esse sistema que a ministra considera robusto é aquele mesmo que o presidente Lula, em pessoa e há pouco tempo, chamou de “lenga-lenga”. Lembram? O presidente estava reclamando que o Ibama — órgão subordinado ao ministério de Marina — atrasava, talvez até de propósito, a autorização para a Petrobras procurar petróleo na Margem Equatorial.

A contradição é total. Aquilo que a ministra considera fases técnicas de um processo de licenciamento, o presidente chamou de “lenga-lenga”. Logo, cabe a pergunta: qual é a posição efetiva do governo, a de Lula ou a da ministra?

Há um caso concreto que, de tão importante, condiciona as teses: a exploração do petróleo na Margem Equatorial, incluindo a Foz do Amazonas. O governo é contra ou a favor? Encontram-se ali as duas posições. Na base parlamentar do governo, a mesma divisão. É por isso que a questão se arrasta. Nem o Ibama veta a exploração nem a autoriza.

Já parece claro que o Ibama e o Ministério do Meio Ambiente são contra mais essa megaexploração de óleo. Mas a palavra final não é dada, por razões políticas. O próprio presidente da República, chefe de todos, aprova e quer a exploração da riqueza no fundo do oceano.

O impasse foi uma das razões que levaram os senadores a votar num projeto que desmonta o sistema atual de licenciamento e introduz novas regras, consideradas mais ágeis e eficientes por seus defensores. E consideradas um desastre por Marina Silva.

Seria um erro, porém, concluir que toda essa crise em torno de legislação ambiental se deve exclusivamente ao caso da Margem Equatorial. Não é de hoje que se critica o licenciamento ambiental no Brasil. Não estamos falando de grileiros, garimpeiros e desmatadores, mas de investidores sérios, nos mais diversos tipos de negócios, de pequenos a grandes, cuja queixa principal tem a ver com a “lenga-lenga”. Legislação confusa, conflitos entre os níveis municipais, estaduais e federal, excesso de burocracia e a consequente demora nas respostas.

Reparem: não se trata de exigir que os órgãos ambientais liberem tudo e rapidinho. Se fosse isso, nem precisava desses órgãos. Mas não é essa a demanda dos investidores sérios em todo o país. A demanda é por clareza nos critérios, eficiência e respostas mais rápidas, sim ou não. São abundantes os casos de processos de licenciamento que rolam nas burocracias há anos e anos. É prejuízo direto.

Tudo isso para dizer que a polarização que envolve o país bateu também na questão ambiental. De um lado, ambientalistas que não admitem qualquer debate. De outro, o pessoal que quer eliminar as regras de licenciamento. Dessa polarização nasceu aquele projeto aprovado no Senado. Um objetivo imediato — liberar a Margem Equatorial — levou ao outro lado, o desmanche do sistema de defesa ambiental.

Daí a dificuldade de encaminhar o debate. Se nem o governo tem posição firme e única sobre o tema, abrem-se as portas aos mais variados lobbies. E caímos no pior dos mundos: o bate-boca entre ter ou suprimir a defesa ambiental.

Claro que é necessária uma rigorosa legislação ambiental. Mas está claro também que a atual legislação e seus processos precisam de reforma para se tornar mais ágeis e eficientes dos dois lados: proteger o meio ambiente e abrir espaço aos investimentos de que o país tanto precisa. Não é este governo que liderará esse debate. O episódio do IOF mostra que o governo tem dificuldade de administrar até os assuntos que só dependem dele.


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