sábado, 31 de maio de 2025

O que não entendo nos conservadores – Pablo Ortellado

O Globo

Não consigo entender a condescendência com o golpismo e com os golpistas

Nos últimos dez anos, tenho tentado entender a polarização política e um de seus polos: os conservadores. Não é curiosidade, é dever profissional. Entendi algumas coisas — e o que aprendi me ajudou a respeitá-los. Mas pelo menos uma coisa não consigo entender. Não sei se não entendo porque olho de fora, porque não sou conservador. O cientista político Cas Mudde chama a atenção para o fato de a direita ser o único grupo político que não é estudado por simpatizantes, mas por adversários. Isso certamente deve criar uma barreira ao entendimento.

Compreendo bem a importância que os conservadores dão ao combate à corrupção. Corrupção é roubo do patrimônio público, é um tipo especialmente abjeto de roubo. Entendo também a indignação desse campo contra a esquerda, porque o PT não fez a autocrítica que deveria sobre seus malfeitos — uma parte dos simpatizantes do partido tergiversa e outra menospreza os roubos na Petrobras. Quando olho para isso, também sinto raiva do PT.

Entendo a centralidade que os conservadores dão à família. Como dizia Christopher Lasch, a família é o lugar do afeto num mundo sem coração. É um espaço de carinho e ternura, de apoio entre os esposos e cuidado com as crianças. Como Juliano Spyer argumentou, também é lugar de cooperação econômica entre pai e mãe trabalhadores e de proteção contra os perigos do alcoolismo e das drogas. A esquerda não é nem um pouco antifamília, mas entendo que certo experimentalismo de setores da esquerda, enfatizando demais o poliamor ou a legalização das drogas, passe essa impressão.

Compreendo a centralidade que os conservadores dão à segurança. Este é um mundo duro e competitivo, e os bens materiais são fruto de muito trabalho e esforço. É revoltante quando somos roubados e ainda mais revoltante quando um trabalhador é morto por bandidos. Entendo que a ênfase que a esquerda dá à defesa dos direitos humanos passe a impressão (equivocada) de que ela é condescendente com o crime. A esquerda deveria deixar mais claro que, quando um crime ocorre, o primeiro impulso de solidariedade deve ser com a vítima.

Compreendo a ojeriza dos conservadores ao que chamam de “politicamente correto”. O progressismo atual é muito julgador e se empenha mais em condenar moralmente do que em promover a superação da discriminação. Quem não domina a linguagem, a etiqueta ou a sensibilidade progressista é duramente julgado e condenado com epítetos pesados, como racista ou misógino. Isso certamente leva mais à rejeição da esquerda que à melhoria das condições de negros, mulheres ou gays.

Aprendi a entender e a respeitar os conservadores nesses pontos. Mas há uma coisa que não entendo.

Não consigo entender a condescendência dos conservadores com o golpismo e com os golpistas. Compreendo que considerem as punições do STF contra as déboras rodrigues excessivas e injustas. Discordo, mas entendo a leitura de que o TSE prejudicou a direita nas eleições. Tudo isso consigo entender. Mas não consigo compreender a defesa de quem acampava em frente a quartéis pedindo intervenção militar; não consigo entender a tolerância com planos de sequestrar e matar ministros de Estado; não entendo o silêncio diante de tentativas de derrubar torres de energia, bloquear estradas e semear instabilidade no país. Não entendo, sobretudo, a transigência com o plano frustrado de intervir no TSE e colocar tanques nas ruas — ainda que sob a alegação de que os dispositivos são constitucionais.

Está aí algo que me escapa.


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