O Globo
Não consigo entender a condescendência com o
golpismo e com os golpistas
Nos últimos dez anos, tenho tentado entender
a polarização política e um de seus polos: os conservadores. Não é curiosidade,
é dever profissional. Entendi algumas coisas — e o que aprendi me ajudou a
respeitá-los. Mas pelo menos uma coisa não consigo entender. Não sei se não
entendo porque olho de fora, porque não sou conservador. O cientista político
Cas Mudde chama a atenção para o fato de a direita ser o único grupo político
que não é estudado por simpatizantes, mas por adversários. Isso certamente deve
criar uma barreira ao entendimento.
Compreendo bem a importância que os conservadores dão ao combate à corrupção. Corrupção é roubo do patrimônio público, é um tipo especialmente abjeto de roubo. Entendo também a indignação desse campo contra a esquerda, porque o PT não fez a autocrítica que deveria sobre seus malfeitos — uma parte dos simpatizantes do partido tergiversa e outra menospreza os roubos na Petrobras. Quando olho para isso, também sinto raiva do PT.
Entendo a centralidade que os conservadores
dão à família. Como dizia Christopher Lasch, a família é o lugar do afeto num
mundo sem coração. É um espaço de carinho e ternura, de apoio entre os esposos
e cuidado com as crianças. Como Juliano Spyer argumentou, também é lugar de
cooperação econômica entre pai e mãe trabalhadores e de proteção contra os
perigos do alcoolismo e das drogas. A esquerda não é nem um pouco antifamília,
mas entendo que certo experimentalismo de setores da esquerda, enfatizando demais
o poliamor ou a legalização das drogas, passe essa impressão.
Compreendo a centralidade que os
conservadores dão à segurança. Este é um mundo duro e competitivo, e os bens
materiais são fruto de muito trabalho e esforço. É revoltante quando somos
roubados e ainda mais revoltante quando um trabalhador é morto por bandidos.
Entendo que a ênfase que a esquerda dá à defesa dos direitos humanos passe a
impressão (equivocada) de que ela é condescendente com o crime. A esquerda
deveria deixar mais claro que, quando um crime ocorre, o primeiro impulso de
solidariedade deve ser com a vítima.
Compreendo a ojeriza dos conservadores ao que
chamam de “politicamente correto”. O progressismo atual é muito julgador e se
empenha mais em condenar moralmente do que em promover a superação da
discriminação. Quem não domina a linguagem, a etiqueta ou a sensibilidade
progressista é duramente julgado e condenado com epítetos pesados, como racista
ou misógino. Isso certamente leva mais à rejeição da esquerda que à melhoria
das condições de negros, mulheres ou gays.
Aprendi a entender e a respeitar os
conservadores nesses pontos. Mas há uma coisa que não entendo.
Não consigo entender a condescendência dos
conservadores com o golpismo e com os golpistas. Compreendo que considerem as
punições do STF contra
as déboras rodrigues excessivas e injustas. Discordo, mas entendo a leitura de
que o TSE prejudicou
a direita nas eleições. Tudo isso consigo entender. Mas não consigo compreender
a defesa de quem acampava em frente a quartéis pedindo intervenção militar; não
consigo entender a tolerância com planos de sequestrar e matar ministros de Estado;
não entendo o silêncio diante de tentativas de derrubar torres de energia,
bloquear estradas e semear instabilidade no país. Não entendo, sobretudo, a
transigência com o plano frustrado de intervir no TSE e colocar tanques nas
ruas — ainda que sob a alegação de que os dispositivos são constitucionais.
Está aí algo que me escapa.
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