Correio Braziliense
Netanyahu aceitou uma proposta de Trump para
interromper o massacre na Faixa de Gaza e libertar os reféns israelenses. O
Hamas analisa os termos do acordo
O falecido historiador britânico-judeu Tony Judt, num artigo intitulado O que fazer?, em 2009, vaticinou que a opção de deixar "mediocridades incompetentes" à frente de Israel e da Autoridade Palestina teria consequências catastróficas. "Graças ao tratamento abusivo dos palestinos pelo 'Estado judeu', o imbróglio israelense-palestino é o motivo mais iminente para o ressurgimento do antissemitismo em todo o mundo. É o fator mais eficiente no recrutamento de agentes para os movimentos islâmicos radicais. E priva de um sentido as políticas externas dos Estados Unidos e da União Europeia para uma das regiões mais delicadas e instáveis do mundo. Algo diferente precisa ser feito."
Nada foi feito, e o resultado é a terrível
situação em Gaza, depois de um ataque covarde e brutal do Hamas contra Israel e
a desproporcional retaliação promovida pelo primeiro-ministro Benjamin
Netanyahu contra os palestinos, não apenas os militantes do Hamas, mas idosos,
mulheres e crianças. A ONU alerta que 2 milhões de pessoas estão em risco de
fome após 11 semanas de bloqueio israelense à entrada de ajuda.
Israel iniciou a ofensiva militar em Gaza
após o ataque dos terroristas do Hamas contra comunidades no sul do país, em 7
de outubro de 2023. Cerca de 1.400 pessoas foram assassinadas e 250 foram
sequestradas em Israel pelo Hamas. A resposta militar israelense, 20 meses
depois, já deixou mais de 54 mil palestinos mortos. Grande parte da
infraestrutura da Faixa de Gaza foi destruída.
A retaliação de Israel era legitimada pela
narrativa da luta contra o terrorismo e a memória do Holocausto. A coisa mais
tenebrosa que já conheci foram os campos de concentração de Auschwitz e
Birkenau, na Polônia, designados pelo regime nazista de Adolph Hitler como o
lugar de "Solução Final" para os judeus. Entre o começo de 1942 e o
fim de 1944, homens, mulheres, crianças e anciãos foram transportados em trens
de toda a Europa para serem eliminados em câmaras de gás e crematórios naquele
complexo macabro.
Cerca de 1,3 milhão e 3 milhões de
prisioneiros foram ali exterminados, sendo 90% judeus. Aproximadamente 150 mil
poloneses, 23 mil ciganos, 15 mil soldados soviéticos e 400 testemunhas de
Jeová também foram executados, morreram de fome, doenças ou em experiências
médicas. Tudo o que já havia visto sobre o Holocausto, em fotos, vídeos e
filmes, nem se compara à experiência da visita ao local, onde a racionalidade
humana banalizou o mal.
As notícias que chegam diariamente de Gaza
são desanimadoras e chocantes. O massacre de crianças, mulheres e idosos está
sendo naturalizado. Nesta quinta-feira, surgiu uma nova esperança de paz:
Israel aceitou uma proposta do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump,
para um cessar-fogo na Faixa de Gaza, segundo informou a Casa Branca. O Hamas
analisa os termos do acordo.
Drama existencial
O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu já
comunicou a iminência do cessar-fogo aos familiares de reféns mantidos em Gaza,
porém, o governo de Israel ainda não se pronunciou oficialmente. Na Casa
Branca, a porta-voz do governo americano, Karoline Leavitt, também não deu
detalhes. Segundo o The New York Times, o mais importante jornal
norte-americano, a proposta inicial prevê uma trégua de 60 dias e a entrada de
mais ajuda humanitária. "Posso confirmar que estas conversas continuam, e
esperamos que haja um cessar-fogo em Gaza para que possamos devolver todos os
reféns para casa", disse Leavitt.
O Hamas confirmou à agência Reuters que
estuda a proposta com "alto senso de responsabilidade" para
contemplar "os interesses do nosso povo e encerrar a agressão". O
último cessar-fogo entre Israel e o Hamas durou pouco mais de um mês, sendo
encerrado em março. Desde então, Israel prossegue a devastação em Gaza.
Prospera a tese de que a região deve ser ocupada definitivamente por Israel e
os palestinos que desejarem abandonar seu torrão natal receberão uma ajuda de
custo para sair. Trump já disse que se dispõe a reconstruir Gaza, para
transformá-la num balneário turístico.
O governo de Israel é criticado pela
comunidade internacional por causa da morte de civis e pelo agravamento da
crise humanitária em Gaza. O objetivo de retaliar a agressão do Hamas já foi
alcançado, inclusive com a morte de seus principais líderes. O de libertar os
reféns e liquidar o Hamas, porém, fracassou política e militarmente. Até agora,
a maioria dos reféns que voltaram para casa foram trocados por prisioneiros
palestinos, durante acordos de cessar-fogo. O problema é que depois a guerra
continuou.
Quando escreveu seu artigo, Judt foi profético. Sem a solução do Estado Palestino, Israel viveria um drama existencial: continuar sendo um Estado judeu, com um regime de apartheid, e deixar de ser uma democracia liberal, como propõe Netanyahu, ou se tornar uma democracia multiétnica e deixar de ser um Estado judeu, com a anexação dos territórios palestinos ocupados. A terceira opção seria empurrar os palestinos de Gaza para o deserto do Sinai e promover uma limpeza étnica nos territórios ocupados da Cisjordânia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário