segunda-feira, 5 de maio de 2025

O pensamento ‘decolonial’ - Denis Lerrer Rosenfield

O Estado de S. Paulo

A violência torna-se um princípio da ação, sempre e quando seja justificada pela narrativa anticolonialista e, agora, ‘decolonial’

O pensamento decolonial tem aparecido nos centros universitários, a começar pelos EUA, como uma forma de renovação da esquerda, em sua luta contra os “opressores” e os “brancos”. No Brasil, seus êmulos seguem na mesma toada, expandindo-se pelas universidades, pela intelectualidade, por certos núcleos psicanalistas, inclusive, no que não deixa de ser uma perversão.

Sua âncora teórica reside na obra de Franz Fanon, cujo livro, Os Condenados da Terra, teve ampla repercussão na intelectualidade francesa, vindo a contar, inclusive, com prefácio de Jean-Paul Sartre, conferindo-lhe prestígio ainda maior.

Note-se que o movimento woke procura se apresentar, em sua faceta ocidental, como um projeto de radicalização da democracia, sendo, na verdade, um rompimento com ela ao expressar, em identidades pessoais e coletivas, a afirmação de particularidades. Da qualificação de decolonial, procura vender a mensagem de que representa os colonizados, os oprimidos, os que se opõem ao capitalismo e ao imperialismo. Pretendem ser a expressão de uma “força moral”, que seria de natureza ocidental, quando é a concretização de rompimento com o ocidente. Suas alianças são com o Hamas, o Irã, o Hezbollah e o terror islâmico em geral. Eis sua verdadeira natureza.

Sartre, posteriormente, em declarações suas, distancia-se desse prefácio, na medida em que a esquerda francesa, hoje podendo ser denominada de islamo-gauchiste ( islamo-esquerdista), o utilizou em sua cruzada para a destruição do Estado de Israel na guerra de 1967. Sartre afastou-se dessa sua deriva perversa, defendendo o novo Estado e sustentando igualmente a criação de outro Estado, o palestino. Tel Aviv em chamas seria, para ele, uma monstruosidade. Foi fortemente rechaçado por essa esquerda, diríamos cancelado, chegando a viúva de Fanon a proibir a reprodução desse prefácio em edições posteriores. O filósofo teria ficado aliviado, preferindo relegar esse posicionamento seu ao esquecimento.

Sartre foi, paradoxalmente, tomado por um novo absoluto, o da morte do homem branco, isto é, como se a putrefação de cadáveres de homens brancos pudesse semear um mundo novo. Que mundo novo seria esse? O da glorificação da violência ilimitada, doravante, um fim em si mesma com vestimentas esquerdistas? A violência torna-se um princípio da ação, sempre e quando seja justificada pela narrativa anticolonialista e, agora, decolonial.

Note-se que a violência, de instrumento colonialista, sendo o racismo uma de suas expressões, torna-se um princípio ao ser erigida à posição de uma “parteira da história”. Chama a atenção em Fanon e

Sartre o apreço pelo uso da força, pela aniquilação do outro colonialista, do branco, do estrangeiro, daquele que se opõe aos “nativos”. Não há nenhum refinamento conceitual, mas o culto da morte, podendo o seu alvo ser os mais distintos indivíduos e grupos sociais, sempre e quando sejam rotulados como brancos e colonialistas. Os assassinos, em contraposição, são glorificados como os parteiros de um novo mundo.

Haveria aqui a desconsideração, historicamente comprovada, de um fato maior, a saber, o de que esses artífices da violência serão os posteriores ditadores, empregando essa mesma violência, porém agora voltada para os próprios árabes e negros, por eles dominados. Nenhuma palavra de crítica foi suscitada naquele então. O silêncio da esquerda em relação à própria violência será a sua marca distintiva, atualmente presente em seu mutismo a respeito do feminicídio, da posição das mulheres nos países islâmicos e, em particular, no Irã. Em nome da luta decolonial, tudo vale, inclusive opressão e violência contra minorias e diferentes grupos étnicos e religiosos, para além das questões de gênero, paradoxalmente centrais para a doutrina identitária.

O esquema de pensamento decolonial segue uma lógica esquerdista.

Para Fanon, o “proletariado” foi substituído pelo “Terceiro Mundo”, pelos colonizados e pelos camponeses que pegam em armas, portadores de valores próprios contra os colonizadores. O destino do homem ocidental, a partir desta formulação, estará selado: a morte. De posse de tal justificativa ideológica, quaisquer meios são adequados, não importando a sua moralidade. Nada diferente conceitualmente do que ocorre com o apoio dos wokes e dos identitários ao Hamas e às atrocidades por eles cometidas.

O prefácio de Sartre e o livro de Fanon constituem um momento relevante da história e da cultura francesa, naquele então de dimensão internacional, universal, por exporem precisamente um esgotamento intelectual do Ocidente. Seria a Europa agonizando. É como se o ocidente estivesse sem mensagem, suas ideias de universalidade, de moralidade e de razão tendo perdido o seu significado, em seu lugar entrando a violência enquanto fim em si mesma e os novos valores que nela se encarnam. 

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