O Estado de S. Paulo
A volta de Trump não significa uma nova onda
de adesão automática ao trumpismo
Até recentemente, muitos analistas previam
que a volta de Donald Trump ao poder facilitaria a ascensão de líderes
semelhantes mundo afora – políticos que buscam se promover com base em
discursos antissistema, “anti-globalistas” e com ataques às instituições
democráticas. Não faltam precedentes: desde 2016, Trump influenciou líderes
como Jair Bolsonaro no Brasil, Viktor Orbán na Hungria e Matteo Salvini na
Itália. No entanto, a realidade do segundo mandato de Trump está mostrando
nuances inesperadas – e até contraditórias.
Dois dos aliados históricos mais próximos dos EUA – Canadá e Austrália – responderam de forma a desafiar essa narrativa dominante. No Canadá, a postura hostil de Trump, com tarifas unilaterais e a insinuações de anexação, provocou uma reação nacionalista que enfraqueceu a oposição conservadora, vista como alinhada demais ao trumpismo. O resultado foi uma virada eleitoral histórica:
Mark Carney, um tecnocrata moderado e
ex-presidente do Banco da Inglaterra, foi eleito primeiro-ministro com um
mandato robusto em 28 de abril. Sua imagem de estabilidade e preparo contrastou
com o radicalismo associado à direita pró-Trump, revertendo uma tendência que
parecia consolidada meses antes da eleição.
A Austrália viveu um fenômeno semelhante. O
primeiro-ministro Anthony Albanese, de centro-esquerda, surfou uma onda de
sentimento antiTrump para triunfar nas eleições neste 3 de maio, poucos meses
depois de as pesquisas indicarem que ele enfrentaria uma derrota humilhante. O
líder conservador Peter Dutton, que apostava em uma retórica nacionalista e em
ataques culturais semelhantes aos de Trump, sofreu o mesmo destino que o líder
conservador canadense – uma consequência direta do efeito Trump.
REFERÊNCIA. O cenário britânico, porém,
revela que a influência de Trump se manifesta de formas diferentes. Nigel
Farage, veterano do Brexit e líder do Reform UK, está importando abertamente o
estilo MAGA: ataques contra as elites e o “estado profundo”, discursos
inflamados sobre imigração e promessas de “recuperar o país”. Seu partido
avançou de forma contundente nas recentes eleições locais em 1º de maio. Tudo
indica que não se trata apenas de protesto momentâneo: Farage está construindo,
passo a passo, uma base nacional que desafia o duopólio partidário britânico.
Seu êxito revela que o trumpismo, longe de
ser universalmente tóxico, encontra terreno fértil em sociedades que atravessam
desafios econômicos, desilusão política e insegurança cultural. Se em alguns
países Trump serve de espantalho, capaz de unir eleitores moderados contra o
radicalismo; em outros, ele segue como referência para lideranças populistas.
A volta de Trump não significa, portanto, uma
nova onda global de adesão automática ao trumpismo. Em muitos países, o
republicano pode acelerar a rejeição a seu estilo de governar e até consolidar
lideranças moderadas. Mas em outros ele continua sendo um símbolo poderoso para
populistas “anti-globalistas” com tendências antidemocráticas que se apresentam
como salvadores em tempos de incerteza.
BRASIL. Ainda é cedo para saber se o impacto
de Trump no Brasil será semelhante ao observado no Canadá e na Austrália ou
similar ao modelo britânico. No caso brasileiro, os sinais são ambíguos. Por um
lado, Trump continua sendo uma figura de enorme visibilidade no debate público,
e sua reemergência vem encorajando atores como Jair Bolsonaro e seus aliados.
Desde 2018, o Brasil tem espelhado diversos aspectos da política
norteamericana: da retórica antissistema à recusa em aceitar resultados
eleitorais e à invasão de prédios públicos por apoiadores radicais. Eduardo
Bolsonaro mudou-se para os EUA recentemente para reforçar vínculos com grupos
trumpistas no país. Caso Trump ou figuras de alto perfil como Elon Musk tentem
influenciar o processo eleitoral brasileiro no ano que vem, como o dono da
Tesla fez recentemente na Alemanha, o impacto político pode ser profundo, seja
fortalecendo, seja enfraquecendo seu candidato preferido.
A pergunta central para os próximos anos será: em quais países Trump funcionará como exemplo do que não se fazer e em quais continuará sendo visto como receita de sucesso político?
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