segunda-feira, 5 de maio de 2025

Trump 2.0: ídolo ou espantalho? - Oliver Stuenkel

O Estado de S. Paulo

A volta de Trump não significa uma nova onda de adesão automática ao trumpismo

Até recentemente, muitos analistas previam que a volta de Donald Trump ao poder facilitaria a ascensão de líderes semelhantes mundo afora – políticos que buscam se promover com base em discursos antissistema, “anti-globalistas” e com ataques às instituições democráticas. Não faltam precedentes: desde 2016, Trump influenciou líderes como Jair Bolsonaro no Brasil, Viktor Orbán na Hungria e Matteo Salvini na Itália. No entanto, a realidade do segundo mandato de Trump está mostrando nuances inesperadas – e até contraditórias.

Dois dos aliados históricos mais próximos dos EUA – Canadá e Austrália – responderam de forma a desafiar essa narrativa dominante. No Canadá, a postura hostil de Trump, com tarifas unilaterais e a insinuações de anexação, provocou uma reação nacionalista que enfraqueceu a oposição conservadora, vista como alinhada demais ao trumpismo. O resultado foi uma virada eleitoral histórica:

Mark Carney, um tecnocrata moderado e ex-presidente do Banco da Inglaterra, foi eleito primeiro-ministro com um mandato robusto em 28 de abril. Sua imagem de estabilidade e preparo contrastou com o radicalismo associado à direita pró-Trump, revertendo uma tendência que parecia consolidada meses antes da eleição.

A Austrália viveu um fenômeno semelhante. O primeiro-ministro Anthony Albanese, de centro-esquerda, surfou uma onda de sentimento antiTrump para triunfar nas eleições neste 3 de maio, poucos meses depois de as pesquisas indicarem que ele enfrentaria uma derrota humilhante. O líder conservador Peter Dutton, que apostava em uma retórica nacionalista e em ataques culturais semelhantes aos de Trump, sofreu o mesmo destino que o líder conservador canadense – uma consequência direta do efeito Trump.

REFERÊNCIA. O cenário britânico, porém, revela que a influência de Trump se manifesta de formas diferentes. Nigel Farage, veterano do Brexit e líder do Reform UK, está importando abertamente o estilo MAGA: ataques contra as elites e o “estado profundo”, discursos inflamados sobre imigração e promessas de “recuperar o país”. Seu partido avançou de forma contundente nas recentes eleições locais em 1º de maio. Tudo indica que não se trata apenas de protesto momentâneo: Farage está construindo, passo a passo, uma base nacional que desafia o duopólio partidário britânico.

Seu êxito revela que o trumpismo, longe de ser universalmente tóxico, encontra terreno fértil em sociedades que atravessam desafios econômicos, desilusão política e insegurança cultural. Se em alguns países Trump serve de espantalho, capaz de unir eleitores moderados contra o radicalismo; em outros, ele segue como referência para lideranças populistas.

A volta de Trump não significa, portanto, uma nova onda global de adesão automática ao trumpismo. Em muitos países, o republicano pode acelerar a rejeição a seu estilo de governar e até consolidar lideranças moderadas. Mas em outros ele continua sendo um símbolo poderoso para populistas “anti-globalistas” com tendências antidemocráticas que se apresentam como salvadores em tempos de incerteza.

BRASIL. Ainda é cedo para saber se o impacto de Trump no Brasil será semelhante ao observado no Canadá e na Austrália ou similar ao modelo britânico. No caso brasileiro, os sinais são ambíguos. Por um lado, Trump continua sendo uma figura de enorme visibilidade no debate público, e sua reemergência vem encorajando atores como Jair Bolsonaro e seus aliados. Desde 2018, o Brasil tem espelhado diversos aspectos da política norteamericana: da retórica antissistema à recusa em aceitar resultados eleitorais e à invasão de prédios públicos por apoiadores radicais. Eduardo Bolsonaro mudou-se para os EUA recentemente para reforçar vínculos com grupos trumpistas no país. Caso Trump ou figuras de alto perfil como Elon Musk tentem influenciar o processo eleitoral brasileiro no ano que vem, como o dono da Tesla fez recentemente na Alemanha, o impacto político pode ser profundo, seja fortalecendo, seja enfraquecendo seu candidato preferido.

A pergunta central para os próximos anos será: em quais países Trump funcionará como exemplo do que não se fazer e em quais continuará sendo visto como receita de sucesso político?

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