“Não. Gramsci não é um escritor fragmentário: para quem escreve fragmentos, o fragmento é um fim em si mesmo. Nas notas gramscianas, aquilo que parece ser um fragmento para o leitor de hoje nada mais é do que a peça de um mosaico cujo desenho final o autor jamais perde de vista. O que dá um caráter fragmentário às notas dos Cadernos é pura e simplesmente a incompletude, isto é, o fato de que o mosaico ou melhor os mosaicos (pois as pesquisas empreendidas por Gramsci eram diversas , ainda que coligadas entre si) , permaneceram incompletos. Se Gramsci tivesse sido verdadeiramente um escritor fragmentário, seria ilegítima toda e qualquer extrapolação de teses gerais, ou mesmo teorias, das suas notas. Em vez disso, a importância da obra gramsciana está precisamente no fato de que a recomposição dos assim chamados fragmentos possibilitou a reconstrução de verdadeiras teorias (ainda que às vezes mais esboçadas do que finalizadas) sobre a relação entre filosofia e política, entre teoria e práxis, entre Estado e sociedade civil, entre partido e massa, entre intelectuais e política, etc.: estas teorias ou esboços de teorias constituem a novidade e ao mesmo tempo o interesse de uma leitura global e sistemática das suas notas do cárcere. Excetuando o fato de que Gramsci jamais escreve o fragmento pelo fragmento, algumas notas por si mesmas já contêm teorias in nuce, para as quais faz-se necessário um estilo sintético, em que Gramsci é mestre.”
Norberto Bobbio (18/10/1909-9/01/2004), filósofo italiano. “Ensaios sobre Gramsci”, pág. 136. Paz e Terra, Rio de Janeiro, 2002.
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