O Estado de S. Paulo
Não há, nesta altura, razões estratégicas ou
diplomáticas para disfarçar o repúdio ao ditador venezuelano
A tolerância de Luiz Inácio Lula da Silva com o companheiro Nicolás Maduro, ditador da Venezuela, é explicada por alguns analistas como diplomacia de boa convivência. Relações amigáveis com o governo de um país vizinho atendem a interesses nacionais, acrescentam esses analistas. Falta mostrar por que interessa ao Brasil a vizinhança de um país comandado por um autocrata violento, responsável por dezenas de mortes e milhares de prisões e apoiado por governos autoritários, como os do Irã, da Rússia e da China.
Que o Brasil mantenha relações pacíficas – e
vínculos econômicos – com países de todo o mundo é certamente desejável. Nada
obriga, no entanto, a atenuar, negar ou normalizar as ações de um ditador
disposto a ameaçar publicamente os seus opositores. O presidente Lula, depois
de ter descrito como normais as condições venezuelanas, buscou entendimento com
governantes do México e da Colômbia para uma ação conjunta. Dificilmente
poderia continuar olhando para outro lado. Forçado a se manifestar, pediu
respeito à soberania do povo da Venezuela, enquanto Maduro mantinha a repressão
brutal a seus críticos.
Lula pode ter feito uma aposta errada, ao
propor a revisão dos votos pelo conselho eleitoral da Venezuela, sujeito à
influência do Executivo. Foi mais cauteloso, no entanto, que os dirigentes do
PT, muito rápidos ao reconhecer a reeleição de Maduro. Outros governos da
região, além da Organização dos Estados Americanos (OEA), já se manifestaram,
criticamente, e apertaram o cerco a Maduro e seus companheiros.
Não há, nesta altura, razões estratégicas ou
diplomáticas para disfarçar o repúdio ao ditador venezuelano. O quadro ficou
mais complicado com a intervenção chinesa, iraniana e russa no debate sobre a
Venezuela. Se esse fato, no entanto, levar os democratas latinoamericanos a
recuar, uma ditadura apoiada por governos autoritários estranhos à região
estará bem mais próxima de consolidar-se.
A intromissão explícita de Rússia, China e
Irã na política da América Latina realça a importância de uma ação coletiva
mais clara e mais eficiente na defesa dos valores democráticos. A Rússia já
estava amplamente envolvida no apoio militar e tecnológico à Venezuela, mas sem
uma clara intromissão na ordem diplomática latino-americana. Diante do novo
cenário, pode ser inevitável uma revisão da pauta política regional. O
autoritarismo de Maduro interessa claramente a governos antidemocráticos de
outros continentes.
A incompetência de Maduro como administrador
pode ser irrelevante, neste momento, para quem pretende usar a Venezuela como
base para maior influência na América Latina. Apesar do amplo investimento
estrangeiro e do grande potencial petrolífero, a atividade produtiva estagnou.
A incompetência é notória.
Detentora de enorme reserva de petróleo, a
Venezuela tem vivido, neste século, um prolongado desastre econômico. Entre
2013 e 2023 o Produto Interno Bruto (PIB) do país encolheu 62,5%, diminuindo de
US$ 258,93 bilhões para US$ 97,12 bilhões. Em sete anos, nesse período, houve
redução do valor produzido no país, segundo levantamento da agência
classificadora Austin Rating, baseado em números do Fundo Monetário
Internacional e do Banco Mundial.
Também esses dados conferem a Nicolás Maduro
uma condição singular. Ele foi incapaz de usar seu enorme poder para mobilizar
recursos – incluído o petróleo – num esforço de crescimento econômico e de
modernização produtiva. Outros governantes autoritários têm sido mais
eficientes em suas políticas econômicas. Mas a estagnação foi apenas um dos
componentes do fracasso econômico venezuelano, nesse período. A inflação
venezuelana foi uma das mais intensas do mundo, na maior parte do século 21. Em
2013, os preços ao consumidor aumentaram 56,2%, uma taxa assustadora em
qualquer país fértil e sem guerra. Em 2018, no entanto, a onda inflacionária
superou 130.000%. Recuou, depois, mas pode superar 150% neste ano.
Com seu enorme potencial econômico, a
Venezuela seria um importante parceiro econômico do Brasil, se o governo
instalado em Caracas tivesse alguma competência e trabalhasse com alguma
seriedade. Mas nenhuma dessas condições é verificada. No primeiro semestre
deste ano as exportações brasileiras para o mercado venezuelano somaram US$ 525
milhões, 0,3% do valor total exportado pelo Brasil nesse período. As
importações brasileiras da Venezuela ficaram em US$ 227 milhões, 0,2% do valor
comprado no exterior.
No mesmo período, as vendas brasileiras para
a Argentina bateram em US$ 5,9 bilhões. Esse resultado, enorme quando
confrontado com o valor vendido à Venezuela, foi, no entanto, 37,6% menor que o
dos primeiros seis meses do ano passado, por causa do ajuste recessivo imposto
à economia argentina pelo recém-eleito presidente Javier Milei.
Maior potência econômica sul-americana, o
Brasil pode contribuir para a expansão da Venezuela, mas a boa vontade do
presidente Lula será desperdiçada, se a incompetência do governo venezuelano
continuar tão grande quanto o autoritarismo de seu chefe.
Nenhum comentário:
Postar um comentário