O Rio de Janeiro, esse território onde a beleza convive com a miséria, o esplendor urbano contrasta com a violência estrutural e a cultura vibrante se choca com os fantasmas do autoritarismo, segue sendo um dos principais laboratórios sociopolíticos do Brasil. Terra de contradições históricas, o estado fluminense abriga, em sua paisagem física e simbólica, a síntese das dinâmicas nacionais. E mais uma vez, às vésperas das eleições gerais de 2026, sua elite política se reorganiza, revelando os contornos de uma disputa que transcende partidos, ideologias e classes, assumindo contornos de luta civilizatória.
A elite política fluminense, como ensinam Wright Mills, Florestan Fernandes e Pierre Bourdieu, não se constrói apenas na esfera formal do jogo institucional. Ela é tecido vivo, bordado na intersecção de territórios, redes econômicas, grupos religiosos, oligarquias locais, movimentos sociais, estruturas empresariais, máquinas administrativas e, por vezes, zonas cinzentas onde o lícito e o ilícito se entrelaçam.
No centro dessa engrenagem, Eduardo Paes
desponta como o mais hábil e pragmático articulador da política fluminense
contemporânea. Prefeito do Rio de Janeiro, seu perfil é o de um gestor
metropolitano, herdeiro da tradição desenvolvimentista carioca, que mescla
centro-direita, tecnocracia e sensibilidade social. Paes articula-se com
setores do mercado, da classe política moderada e com parcelas do eleitorado
popular, pavimentando, de forma ostensiva, sua candidatura ao governo do estado
em 2026.
Na outra ponta do tabuleiro, o governador
Cláudio Castro personifica a face conservadora do estado. Católico praticante,
homem de fé pública, Castro transita com naturalidade entre os bastidores do
poder e os altares das igrejas evangélicas, que compõem boa parte de sua base
de sustentação. Sua gestão, marcada por forte ocupação dos espaços do estado,
alianças robustas com prefeitos, controle da máquina pública e relações íntimas
com o empresariado conservador, sinaliza claramente sua movimentação em direção
a uma candidatura ao Senado, buscando ampliar sua influência no cenário
nacional.
Ao lado de Castro, Flávio Bolsonaro, senador
e principal herdeiro político do bolsonarismo, continua a ser uma das peças
centrais da articulação da extrema-direita no Rio de Janeiro. Com base sólida
nas corporações policiais, nos setores empresariais ultraconservadores, no
campo evangélico e nas redes digitais bolsonaristas, Flávio exerce influência
direta sobre o desenho das candidaturas proporcionais e majoritárias da direita
fluminense.
Na Assembleia Legislativa, Rodrigo Bacellar é
soberano. Oriundo do norte fluminense, presidente da ALERJ, Bacellar é hoje o
epicentro da política legislativa e uma das figuras mais poderosas do estado.
Sua capacidade de articulação é rara: controla emendas, apoia prefeitos, opera
nomeações e mantém uma rede de lealdades que transcende ideologias,
consolidando-se como um dos favoritos na disputa pelo governo do estado em
2026.
Figura de peso nesse jogo é Washington Reis,
ex-prefeito de Duque de Caxias e atual secretário estadual de Transportes. Reis
não é apenas uma liderança da Baixada Fluminense. Sua influência política se
estende por todo o estado, alcançando as estruturas do governo estadual, a
ALERJ e parte expressiva da base municipalista do Rio. Com habilidade singular,
constrói alianças, gerencia lealdades e exerce um poder que é, ao mesmo tempo,
formal e informal, tangível e subterrâneo.
Na Região dos Lagos, Dr. Serginho, prefeito
de Cabo Frio, ex-deputado estadual e ex-líder do governo Cláudio Castro na
ALERJ, é hoje uma das principais lideranças do interior fluminense. Seu domínio
sobre a política da região é robusto, articulando os interesses locais com as
pautas do governo estadual, funcionando como elo entre a Região dos Lagos e o
núcleo duro do Palácio Guanabara.
No campo da extrema-direita, surge Carlos
Jordy, deputado federal pelo PL, consolidado como um dos maiores porta-vozes do
bolsonarismo no estado. Com base em Niterói, Jordy personifica a retórica
antipolítica, ultraconservadora e securitária que caracteriza o bolsonarismo
raiz. Suas posições ecoam não apenas na política fluminense, mas também no
Congresso e nas redes digitais bolsonaristas de todo o país.
Ao seu lado, Chris Tonietto, também deputada
federal pelo PL, representa a vertente mais radicalizada do conservadorismo
religioso. Ligada a setores ultracatólicos, é defensora aguerrida de pautas de
costumes reacionários, anticomunistas e anti-direitos, sendo uma das figuras
mais ruidosas da extrema-direita fluminense.
Clarissa Garotinho, ex-deputada federal e
herdeira do legado político de Garotinho e Rosinha, mantém-se como uma
operadora de peso na política fluminense. Sua capacidade de articulação é
notória, especialmente na Região Norte e em parte da Baixada. Embora não
detenha mandato, sua presença política permanece relevante, sendo
frequentemente citada nas projeções para as eleições de 2026, seja para retorno
à Câmara ou para composições executivas.
No campo dos bastidores e das estruturas de
controle externo, uma figura que se torna cada vez mais central é Márcio
Pacheco. Ex-deputado estadual, atual conselheiro e presidente do Tribunal de
Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ), católico praticante e
profundamente ligado aos setores conservadores, Pacheco exerce hoje um poder
silencioso, mas absolutamente decisivo. Sua influência atravessa os corredores
do Palácio Guanabara, a ALERJ e as principais prefeituras do estado,
funcionando como articulador estratégico, operador de redes e fiador de pactos
políticos.
Outro operador estratégico desse campo é
Thiago Pamplona, ex-vice-governador, hoje também conselheiro do TCE-RJ.
Pamplona é uma das figuras mais discretas e, ao mesmo tempo, mais eficientes da
elite política fluminense. Sua capacidade de articulação interinstitucional,
que envolve Executivo, Legislativo e os órgãos de controle, o coloca no centro
das engrenagens do poder.
Se o conservadorismo, a direita e a
extrema-direita estão organizados, a esquerda fluminense também apresenta um
campo robusto, sofisticado e em expansão. Washington Quaquá, prefeito de Maricá
e vice-presidente nacional do PT, mantém-se como uma das principais expressões
do municipalismo progressista no Brasil. Sua gestão é referência internacional
em renda básica, desenvolvimento local, moeda social e fortalecimento dos
serviços públicos.
Marcelo Freixo, presidente da Embratur, segue
como uma das vozes mais qualificadas da esquerda democrática. Articulador
nacional e internacional, planeja retornar à Câmara dos Deputados, de onde
poderá impulsionar projetos de desenvolvimento sustentável, democracia e
combate às organizações criminosas que sequestram territórios urbanos.
No mesmo campo, Alessandro Molon, ex-deputado
federal pelo PSB, é uma liderança sofisticada, capaz de transitar entre o
progressismo moderado, o campo democrático liberal e as forças de
centro-esquerda. Seu nome figura com força para a disputa do Senado em 2026.
O PSOL mantém duas figuras centrais na
política fluminense. O professor Tarcísio Motta, deputado federal, é uma das
maiores referências da esquerda brasileira, articulando defesa da educação, dos
direitos humanos, das cidades e da radicalização democrática. Ao seu lado, Yuri
Moura, deputado estadual oriundo da Região Serrana, representa a nova geração
da esquerda, defendendo justiça social, moradia, meio ambiente e participação
popular.
Na arena das lutas feministas, raciais e
populares, Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial, projeta-se como uma
liderança de alcance nacional e internacional, conectando as pautas do
antirracismo e dos direitos humanos diretamente às políticas públicas. Com ela
estão Rejane de Almeida, a Enfermeira Rejane, deputada federal pelo PCdoB,
defensora do SUS, das mulheres e das classes populares, e Jandira Feghali,
deputada federal desde 1986, histórica liderança do PCdoB, médica, feminista e
referência incontornável da esquerda fluminense e brasileira.
Lindberg Farias, deputado federal, ex-senador
e ex-prefeito de Nova Iguaçu, também segue como uma das maiores expressões do
campo progressista, com forte atuação na Baixada Fluminense, nos movimentos
sociais e nas articulações institucionais.
Na esfera municipal, Carlo Caiado, presidente
da Câmara Municipal do Rio, representa a direita urbana articulada, enquanto
Eduardo Cavaliere, vice-prefeito da capital, encarna uma tecnocracia
liberal-progressista, com forte discurso de sustentabilidade, gestão pública
moderna e inovação.
No interior, além dos já mencionados
Washington Reis, Rodrigo Bacellar e Dr. Serginho, destacam-se prefeitos como
Wladimir Garotinho, em Campos dos Goytacazes, que herda tanto a força quanto as
contradições da dinastia Garotinho, mantendo influência significativa na região
Norte e em parte da Baixada.
E, discretamente, Bandeira de Mello, deputado
federal pelo PSB, segue sendo um dos mais operantes articuladores do campo
progressista. Seu papel nos bastidores é fundamental para composições,
mediações e construção de pontes entre diferentes campos da política
fluminense.
A elite política do Rio de Janeiro, em 2025,
é portanto uma constelação complexa, onde convivem oligarquias tradicionais,
tecnocratas urbanos, operadores dos bastidores, líderes religiosos, dinastias
regionais e militantes populares. Um mosaico em que a modernização conservadora
coexiste com experiências de vanguarda em gestão pública, enquanto projetos de
exclusão e inclusão disputam, palmo a palmo, os destinos do estado.
As eleições de 2026 não serão apenas mais um
episódio da história política do Rio de Janeiro. Serão, na verdade, um grande
embate civilizatório, onde estarão em jogo modelos de sociedade, projetos de
futuro, concepções de estado e, sobretudo, a disputa pela alma da democracia
fluminense — e, por extensão, brasileira.
* Sociólogo, cientista político e
professor da UFRJ.
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