O Estado de S. Paulo
Para ampliar com segurança o investimento
governamental, as autoridades precisam reordenar seus gastos e economizar no
custeio
Faz tempo, muito tempo, havia no Brasil uma prática muito difundida, há quase um século, entre engenheiros, economistas e até em alguns meios políticos. Construído entre 1965 e 1978, o Complexo de Urubupungá, formado pelas hidrelétricas de Ilha Solteira, Jupiá e Três Irmãos, é um produto dessa prática. A produção de energia elétrica na Bacia do Rio Paraná era uma ideia bem definida mais de dez anos antes, na primeira metade dos anos 50, quando o engenheiro Lucas Nogueira Garcez governava o Estado de São Paulo. Essa história é um exemplo daquela prática, batizada como planejamento.
Construída no mesmo rio, mas no Estado do
Paraná e com recursos federais, a enorme Usina de Itaipu também foi concebida
muito antes de se iniciarem suas obras. Num modesto escritório em São Paulo,
onde funcionava a Comissão Interestadual da Bacia Paraná-Uruguai, trabalhava um
pequeno grupo de economistas, liderado pelo professor Luiz de Freitas Bueno, da
USP. Com a participação do jovem economista Antonio Delfim Netto, esse grupo
estudava a exploração energética da bacia e seus efeitos no Brasil e em países
vizinhos.
Em São Paulo, como em outras partes do País,
a prática do planejamento e, portanto, da exploração de cenários futuros era
comum a grupos de economistas, engenheiros e outros profissionais interessados
em grandes temas da administração. Criado em 1952, o Banco Nacional do
Desenvolvimento Econômico (ainda sem a palavra “Social”) também reuniu, desde
sua fundação, técnicos empenhados em produzir diagnósticos e propostas de
transformação para o País. Dois de seus primeiros diretores foram os
economistas Celso Furtado e Roberto Campos, futuros ministros em governos com
bandeiras ideológicas bem diferentes.
Essas práticas e preocupações parecem hoje
muito distantes. O governo central mantém um Ministério do Planejamento, mas a
definição de projetos, programas e metas de longo prazo é muito mais modesta do
que em outros tempos. Cumprindo uma rotina administrativa, o ministro da
Fazenda, Fernando Haddad, acaba de apresentar ao presidente da República novas
projeções de crescimento econômico e de inflação. A estimativa de crescimento
foi elevada de 2,3% para 2,4%, com expectativa de uma taxa de 2,6% em 2026. A
inflação prevista ficou em 5%, em nível próximo das expectativas mais comuns.
Para facilitar a busca do equilíbrio fiscal,
o documento encaminhado ao presidente incluiu proposta de bloqueio de R$ 31,3
bilhões nos gastos orçamentários, além de uma elevação do Imposto sobre
Operações Financeiras (IOF), mas o mercado protestou e a mudança tributária foi
revista.
Sejam quais forem os detalhes, a proposta de
ajuste imporá ao presidente, se ele se dispuser a seguir o roteiro, uma
austeridade contrária às suas práticas habituais. Além disso, a campanha
eleitoral de 2026 deve tornar especialmente incômoda, para o chefe de governo e
para seu partido, a moderação dos gastos oficiais. O poder de gastar é
normalmente uma importante vantagem para o governo em tempos de eleição. Isso
vale tanto no Brasil quanto em outros países onde governantes e seus aliados
tenham de enfrentar, normalmente, disputas eleitorais. Poderá haver alguma
pressão contra a gastança, mas é difícil, agora, estimar seus efeitos.
O debate, se de fato ocorrer, ficará
provavelmente limitado à dimensão dos gastos e aos seus efeitos imediatos e de
curto prazo. Poderá haver referência aos tipos de gastos e a alguns programas e
projetos, mas nada ou quase nada além disso. O mandato presidencial se encerra
no ano que vem sem deixar ao País um roteiro claro de investimentos e de metas
econômicas e sociais.
Investimentos públicos e privados tiveram
alguma recuperação no ano passado e ficaram, de novo, na vizinhança de 17% a
18% do Produto Interno Bruto (PIB), taxa insuficiente para impulsionar o
crescimento e modernizar de forma significativa a economia brasileira.
Juros menores poderiam dar algum estímulo à
aplicação de capitais em obras, máquinas, equipamentos e outros meios
produtivos, mas o custo do dinheiro, segundo tem sinalizado o Banco Central,
continuará elevado por um longo período. Para ampliar com segurança o
investimento governamental, as autoridades precisam reordenar seus gastos e
economizar no custeio. Sem esse cuidado, a expansão do investimento federal
produzirá maior desarranjo nas contas da União, maior endividamento público e
mais inflação.
Segundo a mal definida e sempre suspeita
“sabedoria convencional”, os atuais ocupantes do poder usarão a gastança como
instrumento eleitoral e depois, se vitoriosos, tratarão de arrumar – com maior
trabalho – as finanças públicas. Contrariando esse padrão, o ministro da
Fazenda propõe cortes de gastos e esforço imediato de arrumação das contas
federais. Não há como garantir, neste momento, se o presidente da República
entrará no jogo da austeridade proposto por seu auxiliar. Se apostas e jogos de
azar proliferam tanto neste país, por que não apostar também no sucesso ou
insucesso desse esforço ministerial?
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