Entrevista Fabiano Santos
Raphael Bruno
DEU NO JORNAL DO BRASIL
Presidente da Associação Brasileira de Ciência Política critica falta de capacidade do Legislativo e dispara: discussão sobre reforma política é ultrapassada e não resolve problemas
Nesta entrevista ao JB, o cientista político Fabiano Santos, presidente da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), revela temer que o ano de 2009 seja marcado por uma antecipação da sucessão presidencial em plena crise econômica. O professor do Iuperj critica a proposta de reforma política que o governo promete tentar aprovar nos primeiros meses do ano e avalia que apenas mudar o rito de tramitação das Medidas Provisórias não será suficiente para equilibrar a relação entre Executivo e Legislativo. Para Santos, o Legislativo tem que ser mais "pró-ativo" na elaboração da agenda nacional, principalmente no que diz respeito à execução do orçamento.
Que avaliação o senhor faz da crise institucional entre Executivo e Legislativo no final do ano, a partir da questão da devolução da MP das entidades filantrópicas no Senado?
Esse desequilíbrio de forças entre os dois poderes já ocorre há alguns anos e reflete a necessidade de se alterar a forma pela qual as Medidas Provisórias tramitam no Congresso, algo que os próprios parlamentares sentiram necessidade de rever.
E adianta apenas mudar a tramitação das MPs? O Executivo não exerce poder sobre o Legislativo por meio de outros mecanismos que continuam intactos, como o controle sobre a execução do orçamento?
As MPs são apenas parte de um problema muito mais profundo. O orçamento e o contingenciamento de recursos são outra. O Executivo manobra o legislativo de diversas formas, como com o controle sobre a nomeação de cargos e liberação de emendas parlamentares. Particularmente não sou favorável ao orçamento impositivo. Os recursos da União já são muito engessados pelas transferências constitucionais obrigatórias. O Executivo não tem tanta margem de manobra assim. Uma forma de aperfeiçoar o sistema seria tornar o processo de contigenciamento mais transparente e aberto. Poderia se criar para isso algo parecido com um conselho, que envolvesse os parlamentares, inclusive os da oposição, nas decisões sobre o contingenciamento de verbas.
Este fenômeno de proeminência do Executivo sobre o Legislativo não é só brasileiro, ocorre em maior ou menor medida em todo o mundo. O que há de particularidade no caso brasileiro?
Não há uma grande discrepância do caso brasileiro. Há diferenças: onde e em que circunstâncias o Executivo pode intervir, quais os instrumentos etc. No Brasil, há muitos instrumentos constitucionais e regimentais. O Legislativo brasileiro é muito forte, muito atuante. A negociação tem que fazer parte do processo político. O Executivo no Brasil não pode agir unilateralmente. O que não existe no caso brasileiro é a capacidade do Legislativo de se tornar pró-ativo, iniciador de matérias e agendas. Isso não é tão comum assim em democracias como a americana, onde percebemos, mesmo quando há um partido no Executivo e outro de oposição, controlando o Congresso, um Legislativo capaz de definir agendas, prioridades orçamentárias, política externa. A questão é saber até que ponto o caso americano é exceção. Temos uma expectativa de como o Legislativo deve ser, mas a realidade é que o caso brasileiro está bem mais na média mundial do que podemos imaginar, aproximando-se de algumas experiências parlamentaristas européias, onde há compartilhamento de poder entre os diversos partidos que compõem os ministérios. Os partidos representados no Legislativo têm a iniciativa e são donos do jogo político, mas por meio do Executivo.
E que tipo de implicação essa relação pode ter na qualidade de nossa democracia?
Podemos aperfeiçoar os mecanismos que tornem o Congresso mais pró-ativo no processo político. Afinal, pode ser que um presidente decida governar com minoria. Ao presidente eleito cabe a decisão de como compor seu ministério. Ele pode querer compor apenas com seu partido, ou apenas com os partidos que fizeram parte de sua coalizão eleitoral, o que provavelmente o deixaria sem maioria no Legislativo. O ideal, neste caso, é que o Congresso, mesmo sendo oposição, tivesse a capacidade de definir sua própria agenda.
E como o senhor avalia o processo que muitos chamam de "judicialização" da política?
Percebo que há um grande aprendizado nessa questão. Se, por um lado, já temos toda uma experiência no jogo entre Executivo e Legislativo, a entrada mais forte do Judiciário é algo mais recente, advindo da Constituição de 1988, que definiu esse papel para o Supremo Tribunal Federal. Uma das funções deste aprendizado institucional é aperfeiçoar o sistema. Há algumas controvérsias importantes em relação a qual seria o papel do Judiciário nessa história. De fato, o Judiciário é um ator político. Os juízes nomeados o são pelo Executivo e têm suas inclinações; e, de fato, o Judiciário acaba decidindo sobre questões políticas importantes, com impactos políticos e econômicos importantes. O que precisa ser estabelecido, e isso ocorre entre Executivo e Legislativo, são os limites entre o que pode e o que não pode, em quais circunstâncias o Judiciário pode agir dessa forma.
Isso hoje não está claro?
Não. Hoje os ministros do Supremo entendem que podem estabelecer que uma consulta sobre algum tema seja importante, por meio de um estímulo a um partido ou ator político. Isso é lançado na imprensa, o partido faz o jogo, mas a posição do ministro já estava tomada. Neste ponto há confusão, sobreposição e extrapolação razoável no jogo entre os poderes. Temos que decidir se isso é aperfeiçoar a democracia ou não. Em alguns casos recentes, isso foi claro. A iniciativa de se regulamentar uma eleição, algo com impacto político relevante, foi de ministros do Supremo e não acho que isso seja o papel do tribunal.
Um dos instrumentos apontados como necessários para aperfeiçoar a institucionalidade brasileira é a reforma política, que o governo promete retomar nos primeiros meses de 2009. Como o senhor avalia as possibilidades da reforma vingar desta vez?
A ênfase da reforma é problemática. Por exemplo, discutimos questões de redistribuição de poderes, mas elas não estão contempladas na reforma, que é herdeira de uma discussão lá da década de 1990, como se os problemas do Brasil fossem problemas de governabilidade, de sistema eleitoral. Não há uma alteração possível no sistema eleitoral capaz de produzir os efeitos desejados. A ênfase deve ser o processo decisório e a distribuição de poder e não o sistema eleitoral, que, segundo minha avaliação, vai muito bem, obrigado. Outro problema é a expectativa de aprovação. Não houve mudança no cenário que me leve a pensar que a probabilidade de aprovar a reforma agora vai ser maior do que em outras tentativas.
Essa mudança não poderia ser um envolvimento maior do Executivo em sua aprovação?
O presidente tem dificuldade de se envolver diretamente porque a reforma contraria aliados importantes. Em tese, ele pode ser a favor. Mas intervir e forçar uma aprovação não seria prudente, para não afetar a relação com parceiros. Não é uma agenda decisiva para o governo, não é algo que o caracterize, com conteúdo econômico forte, que aloque recursos, regulamente setores econômicos. É uma matéria mais doutrinária, baseada em análises sobre desempenho de sistema político.
Um dos problemas parece ser a forma como o calendário eleitoral toma conta da agenda política. O senhor teme que, em 2009, haja antecipação da sucessão presidencial, o ano se transforme em pré-campanha e não seja dada devida atenção aos problemas do país?
Temo até que já esteja havendo isso. Uma politização da crise econômica, uma torcida para que ela seja administrada de outra maneira, uns exagerando seus efeitos negativos, outros os subestimando. E isso não só com a crise, mas com questões como a relação do país e nossas riquezas com países vizinhos. Estamos diante de desafios muito importantes e 2009 será um ano crucial. Antecipação e radicalização do processo político não vai ajudar. O presidente Lula não pode se reeleger, o que promete uma disputa mais acirrada e faz com que o jogo seja antecipado. Mas isso depende da forma pela qual o governo vai lidar com a crise.
Raphael Bruno
DEU NO JORNAL DO BRASIL
Presidente da Associação Brasileira de Ciência Política critica falta de capacidade do Legislativo e dispara: discussão sobre reforma política é ultrapassada e não resolve problemas
Nesta entrevista ao JB, o cientista político Fabiano Santos, presidente da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), revela temer que o ano de 2009 seja marcado por uma antecipação da sucessão presidencial em plena crise econômica. O professor do Iuperj critica a proposta de reforma política que o governo promete tentar aprovar nos primeiros meses do ano e avalia que apenas mudar o rito de tramitação das Medidas Provisórias não será suficiente para equilibrar a relação entre Executivo e Legislativo. Para Santos, o Legislativo tem que ser mais "pró-ativo" na elaboração da agenda nacional, principalmente no que diz respeito à execução do orçamento.
Que avaliação o senhor faz da crise institucional entre Executivo e Legislativo no final do ano, a partir da questão da devolução da MP das entidades filantrópicas no Senado?
Esse desequilíbrio de forças entre os dois poderes já ocorre há alguns anos e reflete a necessidade de se alterar a forma pela qual as Medidas Provisórias tramitam no Congresso, algo que os próprios parlamentares sentiram necessidade de rever.
E adianta apenas mudar a tramitação das MPs? O Executivo não exerce poder sobre o Legislativo por meio de outros mecanismos que continuam intactos, como o controle sobre a execução do orçamento?
As MPs são apenas parte de um problema muito mais profundo. O orçamento e o contingenciamento de recursos são outra. O Executivo manobra o legislativo de diversas formas, como com o controle sobre a nomeação de cargos e liberação de emendas parlamentares. Particularmente não sou favorável ao orçamento impositivo. Os recursos da União já são muito engessados pelas transferências constitucionais obrigatórias. O Executivo não tem tanta margem de manobra assim. Uma forma de aperfeiçoar o sistema seria tornar o processo de contigenciamento mais transparente e aberto. Poderia se criar para isso algo parecido com um conselho, que envolvesse os parlamentares, inclusive os da oposição, nas decisões sobre o contingenciamento de verbas.
Este fenômeno de proeminência do Executivo sobre o Legislativo não é só brasileiro, ocorre em maior ou menor medida em todo o mundo. O que há de particularidade no caso brasileiro?
Não há uma grande discrepância do caso brasileiro. Há diferenças: onde e em que circunstâncias o Executivo pode intervir, quais os instrumentos etc. No Brasil, há muitos instrumentos constitucionais e regimentais. O Legislativo brasileiro é muito forte, muito atuante. A negociação tem que fazer parte do processo político. O Executivo no Brasil não pode agir unilateralmente. O que não existe no caso brasileiro é a capacidade do Legislativo de se tornar pró-ativo, iniciador de matérias e agendas. Isso não é tão comum assim em democracias como a americana, onde percebemos, mesmo quando há um partido no Executivo e outro de oposição, controlando o Congresso, um Legislativo capaz de definir agendas, prioridades orçamentárias, política externa. A questão é saber até que ponto o caso americano é exceção. Temos uma expectativa de como o Legislativo deve ser, mas a realidade é que o caso brasileiro está bem mais na média mundial do que podemos imaginar, aproximando-se de algumas experiências parlamentaristas européias, onde há compartilhamento de poder entre os diversos partidos que compõem os ministérios. Os partidos representados no Legislativo têm a iniciativa e são donos do jogo político, mas por meio do Executivo.
E que tipo de implicação essa relação pode ter na qualidade de nossa democracia?
Podemos aperfeiçoar os mecanismos que tornem o Congresso mais pró-ativo no processo político. Afinal, pode ser que um presidente decida governar com minoria. Ao presidente eleito cabe a decisão de como compor seu ministério. Ele pode querer compor apenas com seu partido, ou apenas com os partidos que fizeram parte de sua coalizão eleitoral, o que provavelmente o deixaria sem maioria no Legislativo. O ideal, neste caso, é que o Congresso, mesmo sendo oposição, tivesse a capacidade de definir sua própria agenda.
E como o senhor avalia o processo que muitos chamam de "judicialização" da política?
Percebo que há um grande aprendizado nessa questão. Se, por um lado, já temos toda uma experiência no jogo entre Executivo e Legislativo, a entrada mais forte do Judiciário é algo mais recente, advindo da Constituição de 1988, que definiu esse papel para o Supremo Tribunal Federal. Uma das funções deste aprendizado institucional é aperfeiçoar o sistema. Há algumas controvérsias importantes em relação a qual seria o papel do Judiciário nessa história. De fato, o Judiciário é um ator político. Os juízes nomeados o são pelo Executivo e têm suas inclinações; e, de fato, o Judiciário acaba decidindo sobre questões políticas importantes, com impactos políticos e econômicos importantes. O que precisa ser estabelecido, e isso ocorre entre Executivo e Legislativo, são os limites entre o que pode e o que não pode, em quais circunstâncias o Judiciário pode agir dessa forma.
Isso hoje não está claro?
Não. Hoje os ministros do Supremo entendem que podem estabelecer que uma consulta sobre algum tema seja importante, por meio de um estímulo a um partido ou ator político. Isso é lançado na imprensa, o partido faz o jogo, mas a posição do ministro já estava tomada. Neste ponto há confusão, sobreposição e extrapolação razoável no jogo entre os poderes. Temos que decidir se isso é aperfeiçoar a democracia ou não. Em alguns casos recentes, isso foi claro. A iniciativa de se regulamentar uma eleição, algo com impacto político relevante, foi de ministros do Supremo e não acho que isso seja o papel do tribunal.
Um dos instrumentos apontados como necessários para aperfeiçoar a institucionalidade brasileira é a reforma política, que o governo promete retomar nos primeiros meses de 2009. Como o senhor avalia as possibilidades da reforma vingar desta vez?
A ênfase da reforma é problemática. Por exemplo, discutimos questões de redistribuição de poderes, mas elas não estão contempladas na reforma, que é herdeira de uma discussão lá da década de 1990, como se os problemas do Brasil fossem problemas de governabilidade, de sistema eleitoral. Não há uma alteração possível no sistema eleitoral capaz de produzir os efeitos desejados. A ênfase deve ser o processo decisório e a distribuição de poder e não o sistema eleitoral, que, segundo minha avaliação, vai muito bem, obrigado. Outro problema é a expectativa de aprovação. Não houve mudança no cenário que me leve a pensar que a probabilidade de aprovar a reforma agora vai ser maior do que em outras tentativas.
Essa mudança não poderia ser um envolvimento maior do Executivo em sua aprovação?
O presidente tem dificuldade de se envolver diretamente porque a reforma contraria aliados importantes. Em tese, ele pode ser a favor. Mas intervir e forçar uma aprovação não seria prudente, para não afetar a relação com parceiros. Não é uma agenda decisiva para o governo, não é algo que o caracterize, com conteúdo econômico forte, que aloque recursos, regulamente setores econômicos. É uma matéria mais doutrinária, baseada em análises sobre desempenho de sistema político.
Um dos problemas parece ser a forma como o calendário eleitoral toma conta da agenda política. O senhor teme que, em 2009, haja antecipação da sucessão presidencial, o ano se transforme em pré-campanha e não seja dada devida atenção aos problemas do país?
Temo até que já esteja havendo isso. Uma politização da crise econômica, uma torcida para que ela seja administrada de outra maneira, uns exagerando seus efeitos negativos, outros os subestimando. E isso não só com a crise, mas com questões como a relação do país e nossas riquezas com países vizinhos. Estamos diante de desafios muito importantes e 2009 será um ano crucial. Antecipação e radicalização do processo político não vai ajudar. O presidente Lula não pode se reeleger, o que promete uma disputa mais acirrada e faz com que o jogo seja antecipado. Mas isso depende da forma pela qual o governo vai lidar com a crise.
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