DEU NA ZERO HORA
Faz algum tempo, importante jornal paulista divulgou a ocorrência da violação do sigilo fiscal de pessoas próximas a um dos candidatos à Presidência da República e de ex-presidente da República e, como se isso não bastasse, a Receita Federal haver calado em todas as línguas, como se o silêncio não fosse pior do que o esclarecimento integral do caso. Como a Constituição, no inciso XII, do seu artigo 5º, assegura entre os direitos e garantias fundamentais, a brasileiros e estrangeiros residentes no país, a inviolabilidade de dados pessoais, ampliando desse modo direitos e garantias historicamente consagrados entre nós, dei-me pressa a comentar o fato, tanto mais quando ele estava no centro de um dos serviços de maior responsabilidade da administração, com acesso praticamente ilimitado sobre os dados de todo mundo e mais alguém.
Ora, jornais da semana passada, em sua primeira página, com o relevo ajustado à relevância do noticiado, acrescentavam que a Receita vinha blindando funcionários que, comprovadamente, haviam tido acesso ao violado sigilo fiscal. Tudo que se disser a respeito da gravidade do caso será pouco, não só porque pessoas tiveram seus direitos constitucionais violados, como o fato de a Constituição da República para a mais alta administração parecer valer menos que uma portaria. Se a cúpula administrativa do país não tem nenhum respeito por pessoas de presumida idoneidade, que se poderá imaginar em relação ao comum dos mortais. Aliás, diz a sabedoria popular que cesteiro que faz cesto faz um cento, de modo que o mal do fato difundido recaia sobre o próprio serviço e seja ilimitado. E a cobertura dispensada, segundo a própria notícia, aos até agora identificados como envolvidos, fere em cheio o próprio serviço. Desnecessário lembrar que o Código Penal, entre os crimes que elenca, não se esqueceu de arrolar o de violação de sigilo funcional. Diante dos fatos narrados com tamanha publicidade, parece sobrarem motivos para a ação saneadora do Ministério Público.
Viro a página para ocupar-me de outro assunto, que também me parece expressivo, ainda que, como o anterior, revelador do que pode parecer uma deformação do que se supõe seja ou deva ser a administração pública. Segundo notícias correntes, o sindicato dos professores públicos do Estado teria convidado candidatos ao governo do Rio Grande para uma entrevista ou apreciação acerca do ensino público esquecendo a governadora do Estado, que, é notório, é candidata à reeleição. Ora, há pessoas que aplaudem a governadora gaúcha, há pessoas que lhe são indiferentes, como há as que lhe são antipáticas e até hostis. E isto se pode dizer que se aplica a qualquer autoridade, por melhor que seja, ou por pior que pareça ser. E suponho essa variedade de opiniões a respeito de governantes não começou agora, nem vai terminar tão cedo, se é que possa esgotar-se em algum dia. Mas o que me parece pouco civil, ou pouco educado, uma vez que se trata do mundo do ensino e da educação que é mais ampla que aquele, é excluir a pessoa de uma candidata exatamente a que hoje é a governadora e que pretende voltar a ser. Será que existe tamanha inimizade entre o magistério estadual e a governadora, a ponto de caracterizar aquilo que as leis denominam de inimizade capital a contrastar com a amizade íntima? Se isto ocorrer, o que admito tão só para argumentar, seria o caso de dizer que mal vai o setor, que é dos mais relevantes no presente e no futuro de mais de uma geração.
Outrossim, não me parece que um sindicato ou que outro nome tenha possa posicionar-se com tamanho simplismo ou radicalismo ou personalismo. E se esses sentimentos medram a ponto de dominar e impor uma fisionomia a um setor da administração, exatamente o voltado à educação, não será temerário supor que ele mais se aproxime ou identifique com a antieducação do que com a educação que liberta, redime, eleva heróis e modelos, na postura cívica e pessoal, na família e na sociedade, no presente e no futuro. Ou teremos chegado a tamanho desconserto mental, sentimental ou humano que o veto oposto seja natural e apropriado?
*Jurista, ministro aposentado do STF
Faz algum tempo, importante jornal paulista divulgou a ocorrência da violação do sigilo fiscal de pessoas próximas a um dos candidatos à Presidência da República e de ex-presidente da República e, como se isso não bastasse, a Receita Federal haver calado em todas as línguas, como se o silêncio não fosse pior do que o esclarecimento integral do caso. Como a Constituição, no inciso XII, do seu artigo 5º, assegura entre os direitos e garantias fundamentais, a brasileiros e estrangeiros residentes no país, a inviolabilidade de dados pessoais, ampliando desse modo direitos e garantias historicamente consagrados entre nós, dei-me pressa a comentar o fato, tanto mais quando ele estava no centro de um dos serviços de maior responsabilidade da administração, com acesso praticamente ilimitado sobre os dados de todo mundo e mais alguém.
Ora, jornais da semana passada, em sua primeira página, com o relevo ajustado à relevância do noticiado, acrescentavam que a Receita vinha blindando funcionários que, comprovadamente, haviam tido acesso ao violado sigilo fiscal. Tudo que se disser a respeito da gravidade do caso será pouco, não só porque pessoas tiveram seus direitos constitucionais violados, como o fato de a Constituição da República para a mais alta administração parecer valer menos que uma portaria. Se a cúpula administrativa do país não tem nenhum respeito por pessoas de presumida idoneidade, que se poderá imaginar em relação ao comum dos mortais. Aliás, diz a sabedoria popular que cesteiro que faz cesto faz um cento, de modo que o mal do fato difundido recaia sobre o próprio serviço e seja ilimitado. E a cobertura dispensada, segundo a própria notícia, aos até agora identificados como envolvidos, fere em cheio o próprio serviço. Desnecessário lembrar que o Código Penal, entre os crimes que elenca, não se esqueceu de arrolar o de violação de sigilo funcional. Diante dos fatos narrados com tamanha publicidade, parece sobrarem motivos para a ação saneadora do Ministério Público.
Viro a página para ocupar-me de outro assunto, que também me parece expressivo, ainda que, como o anterior, revelador do que pode parecer uma deformação do que se supõe seja ou deva ser a administração pública. Segundo notícias correntes, o sindicato dos professores públicos do Estado teria convidado candidatos ao governo do Rio Grande para uma entrevista ou apreciação acerca do ensino público esquecendo a governadora do Estado, que, é notório, é candidata à reeleição. Ora, há pessoas que aplaudem a governadora gaúcha, há pessoas que lhe são indiferentes, como há as que lhe são antipáticas e até hostis. E isto se pode dizer que se aplica a qualquer autoridade, por melhor que seja, ou por pior que pareça ser. E suponho essa variedade de opiniões a respeito de governantes não começou agora, nem vai terminar tão cedo, se é que possa esgotar-se em algum dia. Mas o que me parece pouco civil, ou pouco educado, uma vez que se trata do mundo do ensino e da educação que é mais ampla que aquele, é excluir a pessoa de uma candidata exatamente a que hoje é a governadora e que pretende voltar a ser. Será que existe tamanha inimizade entre o magistério estadual e a governadora, a ponto de caracterizar aquilo que as leis denominam de inimizade capital a contrastar com a amizade íntima? Se isto ocorrer, o que admito tão só para argumentar, seria o caso de dizer que mal vai o setor, que é dos mais relevantes no presente e no futuro de mais de uma geração.
Outrossim, não me parece que um sindicato ou que outro nome tenha possa posicionar-se com tamanho simplismo ou radicalismo ou personalismo. E se esses sentimentos medram a ponto de dominar e impor uma fisionomia a um setor da administração, exatamente o voltado à educação, não será temerário supor que ele mais se aproxime ou identifique com a antieducação do que com a educação que liberta, redime, eleva heróis e modelos, na postura cívica e pessoal, na família e na sociedade, no presente e no futuro. Ou teremos chegado a tamanho desconserto mental, sentimental ou humano que o veto oposto seja natural e apropriado?
*Jurista, ministro aposentado do STF
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