Cristian Klein – Valor Econômico
SÃO PAULO- A derrota humilhante de 7 a 1 da Seleção brasileira para a Alemanha deve ter impacto na eleição deste ano, com aumento de votos em branco e nulos, mas provavelmente não beneficiará nenhum dos candidatos à Presidência. É o que prevê o filósofo político Marcos Nobre, do Cebrap e da Unicamp, autor do livro "Choque de democracia - Razões da revolta", sobre a eclosão das manifestações de rua no ano passado.
Para Nobre, a Seleção "sem meio de campo" é a metáfora perfeita para o governo Dilma Rousseff - "que não consegue se comunicar com os empresários, com os sindicatos, que se isola". Mas a presidente não deverá ser responsabilizada pelo fracasso do futebol brasileiro, na segunda Copa do Mundo sediada pelo país.
Em sua opinião, os dois principais candidatos da oposição, Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB), não terão condições de culpar Dilma, já que se aproveitar do mau resultado do futebol pode ser um risco. "A oposição não pode capitalizar. É como comemorar a morte do inimigo no velório dele", afirma Nobre, para quem o Brasil passa a viver um luto, que deve ser reconhecido por Dilma Rousseff.
A vantagem da presidente, ressalta o filósofo político, é que Dilma procurou se identificar com o craque Neymar Jr. - que ficou fora da semifinal - mas não com o técnico Luiz Felipe Scolari, sobre quem deve recair a maioria das críticas. Na segunda-feira, Dilma imitou o gesto de Neymar com os braços em forma de T para reproduzir nas redes sociais o bordão "É Toiss!", pelo qual o jogador costuma cumprimentar os companheiros. Foi uma homenagem ao atleta depois que uma pancada na região lombar o tirou da Copa, durante a partida contra a Colômbia, nas semifinais.
Para Marcos Nobre, o marketing da campanha à reeleição de Dilma pode até se beneficiar ou pelo menos neutralizar possíveis efeitos da derrota com a estratégia de "salvar a imagem do país", "sair do luto", ao argumentar que o Brasil conseguiu fazer a "Copa das Copas", sem os transtornos de organização previstos. Seria a "parte boa" para se guardar do Mundial. E nisso Dilma poderia reivindicar os créditos pela realização do evento.
"Mas essa estratégia tem que ser muito sutil, pois o luto vai ser muito pesado", diz. Para Nobre, a única saída de Dilma é dizer: "Nós fomos bons anfitriões. Estamos de luto. Mas somos bons perdedores". O filósofo político crê que a presidente possivelmente será vaiada na entrega da taça, no domingo, no Maracanã, mas não xingada, como na abertura da Copa, pois o comportamento destes torcedores "pegou muito mal".
Para Marcos Nobre, a realização de protestos de rua por causa do vexame da Seleção é improvável, ao menos na proporção dos já observados neste e, principalmente, no ano passado. É preciso separar, destaca o professor, a existência de três instâncias: o futebol (a Seleção), a Fifa e os governos (nos diversos níveis: federal, estadual e municipal).
"O movimento #Não vai ter Copa não tinha a ver com futebol. Os manifestantes não podem dizer: 'A gente avisou'. Pois as críticas eram dirigidas à Fifa e aos governos, não ao futebol. Foi o futebol que fracassou. E ele é a imagem da sociedade. A sociedade fracassou. Não adianta buscar um culpado. Foi o Felipão? Foi o zagueiro da Colômbia que tirou o Neymar da Copa? O Thiago Silva? O Dante, que estava mal posicionado no primeiro gol? É um luto absoluto e não tem a quem culpar", diz.
O desânimo da sociedade, no entanto, pode reforçar uma tendência já detectada em pesquisas eleitorais desde os protestos de junho de 2013: o aumento dos votos em branco e nulo. "O grande risco dessa eleição, que vem do terremoto de junho, é o de os eleitores não encontrarem nenhuma esperança institucional, o de haver um aumento da descrença. A Seleção ser humilhada contribui para esse sentimento", afirma.
A falta de correlação entre resultados da Copa e o das eleições à Presidência, lembra Marcos Nobre, já está estabelecido no debate político brasileiro.
Por outro lado, o que é "muito frustrante", qualifica, é o grau de humilhação da derrota depois de um momento de alívio, em que o país e o mundo faziam o balanço de que a organização da Copa no Brasil deu certo. "Não só tudo deu certo, como fizemos o que nenhum país fez, que foi combater o comércio ilegal de ingressos. Não deu vexame e quando nos concentramos no futebol, aí acontece esse desastre", afirma. Na segunda-feira, Raymond Whelan, CEO da Match, empresa que detém direitos exclusivos de venda de pacotes e camarotes da Fifa, foi preso pela polícia, no hotel Copacabana Palace, no Rio.
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