O Estado de S. Paulo.
Na ascensão de Hitler houve uma extrema complacência em nome de um formalismo jurídico ancorado na defesa das liberdades
Situações de exceção exigem medidas excepcionais. Não se combate a violência, especialmente de cunho autoritário ou totalitário, com instrumentos paliativos, como se se tratasse de um mero acidente de percurso de pessoas inocentes ou supostamente bem-intencionadas. A defesa da democracia requer atitudes firmes, que não compactuem com o crime, a desordem e, enfim, com a sublevação ou insurreição. Houve sim uma tentativa de golpe conduzida pela extrema direita, pelo bolsonarismo e seus apoiadores, que se insurgiram contra o resultado das eleições, o que vale dizer contra a própria Constituição.
O ministro do Supremo Tribunal Federal
(STF) Alexandre de Moraes tomou as medidas acertadas dada a gravidade da crise
institucional que se armou. Não compactuou com a violência e chamou à
responsabilidade os agentes políticos e policiais, assim como apoiadores
financeiros, que sustentaram a tentativa de subversão das instituições. Alguns
o fizeram por convicção, outros por omissão, outros ainda por mero oportunismo.
Não importa. Puseram assim a democracia em risco, sob o manto de uma suposta
tolerância com as “manifestações”.
Na ascensão de Adolf Hitler ao poder, houve
uma extrema complacência com um projeto liberticida que já mostrava toda sua
face aterradora, e o fizeram em nome de um formalismo jurídico ancorado na
defesa das liberdades. Os liberticidas foram sustentados pelos defensores das
liberdades e do Estado Democrático de Direito. A democracia marcha para a sua
extinção quando se curva a formalidades carentes de substância, que assumem,
então, a função de desintegração das instituições republicanas. Projetos
autoritários e totalitários frequentemente se utilizam de instrumentos
democráticos para minar a própria democracia.
O roteiro estava claro, só não viu aquele
que não quis ver. Ato primeiro, a suposta defesa das liberdades e da
Constituição, o jogar dentro daquelas quatro linhas, quando todo o jogo era já
instrumentalizado de fora. A defesa das liberdades se delineava como liberdade
para transgredir. Ato segundo, manifestações ditas democráticas em todo o País
e, em particular, no entorno dos quartéis, como se fosse próprio da democracia
acolher discursos cujo único objetivo consiste em destruir essa mesma
democracia. Um regime que transige com seus fundamentos cessa progressivamente de
existir. Ato terceiro, sentindo-se suficientemente fortes e apoiados, os
“manifestantes” abandonaram a sua máscara democrática e assumiram a sua
verdadeira natureza autoritária e golpista. Vandalizaram e destruíram os
símbolos mesmos da República: o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o
Supremo Tribunal Federal.
Cabiam sim medidas excepcionais, como as
tomadas pelo ministro Alexandre de Moraes e pelo presidente Lula da Silva.
Manifestantes/golpistas devem ser sim presos e julgados, não podendo haver aqui
nenhuma tergiversação. Se isso não for feito, dá-se ainda mais força para que
tais atos se repitam. Ou se para agora, ou o futuro se tornará ainda mais
incerto. Que mais de mil pessoas sejam presas, é da natureza da defesa
democrática, fundada na responsabilização desses supostos “revolucionários”,
boa parte deles já solta uma vez identificados, sobretudo crianças e idosos. A
analogia com campos de concentração é literalmente grotesca. Alguém foi morto?
Alguém foi torturado? Quem são esses pais e mães que levam seus filhos a
manifestações golpistas? Não deveriam ser eles também responsabilizados? Quando
a polícia cumpre o seu dever, procurase denunciá-la.
Os dirigentes do Distrito Federal,
governador, secretário de Segurança Pública e comandantes militares, foram
responsabilizados. É propriamente intolerável que golpistas tenham sido
protegidos, se não apoiados, pela Polícia Militar. Responsabilidades devem ser
apuradas e, em particular, o governador deveria ser reinstituído em suas
funções se nada for provado contra ele. Dito isso, não se deve tomá-los como
bodes expiatórios, pois a responsabilidade é compartilhada, pois, dentre outras
questões, convém destacar: onde estava o Gabinete de Segurança Institucional (GSI),
responsável pelos palácios presidenciais? Por que não reforçou ou chamou o
Batalhão da Guarda Presidencial antes de a violência ganhar aquela proporção?
Onde estava a Agência Brasileira de Inteligência (Abin)? Onde estava a Polícia
Rodoviária Federal (PRF) quando ônibus de todo o País levavam os golpistas para
Brasília?
Como muito bem lembrado por Marcelo Godoy,
em artigo neste jornal, citando Karl Loewenstein, a propósito de seu texto
clássico Democracia militante e direitos fundamentais, publicado em 1937, a
defesa da democracia não pode transigir com a destruição de seus fundamentos
utilizandose de meios democráticos e de mero formalismo jurídico. Judeu alemão,
teve ele de fugir de sua terra natal, refugiando-se nos EUA, onde se tornou
professor universitário e consultor do Departamento de Estado. Sob os auspícios
deste, escreveu dois livros que merecem ser lidos para melhor compreendermos o
Brasil atual: Brasil sob Vargas e A Alemanha de Hitler.
*Professor de filosofia na Ufrgs
5 comentários:
Professor! Não era uma escolha díficil? Parece que o que você escreve hoje como sendo óbvio até outro dia não era. Que coisa ser enrustido e ter de esconder suas verdades predileções para manter espaço como opinião abalizada e não partidária, o que em miúdos sinifica não ser defenestrado pela turba de empresários que compram o Estadão e precisam de um discurso ameno para se distanciar ainda que hipocritamente do ditador que tanto apoiavam com seu periquito de estimação chamado Guedes.
Em quantas colunas este autor foi complacente com o bolsonarismo e se esmerou em criticar Lula, os petistas, a Esquerda e a chapa Lula-Alckmin? Será que voltou a enxergar ou pensar?
A sorte foi não ter ocorrido nenhuma morte, tal qual aquele cinegrafista atingido por uma bomba despedida por militantes . Um absurdo que ficará na memória de todos. O que aconteceu com is assassinos frios e desalmados?
Acredita em holocausto, professor?
No seu ou no deles?
Denis Lerrer...
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