O Estado de S. Paulo
Assim como quem tomou vacina não virou jacaré, o golpe mesmo não aconteceu
Livros registram catástrofes que nos
assombraram ao longo dos tempos. Diques romperam em Brumadinho, mataram
centenas de pessoas, famílias perderam tudo o que tinham, e ficou por isso.
Caso nunca resolvido.
Nero incendiou Roma e ficou a tocar harpa
(fake news?) enquanto o fogo comia a cidade. Uns dizem que foi capricho de uma
alma atormentada. Outros, que ele tinha a intenção de culpar os cristãos (estes
deviam ser a esquerda na época) e acabar com eles. Depois de uma vida
conturbada, marcada por assassinatos, orgias, corrupção e desmandos, Nero foi
condenado a suicidar-se.
Abiblioteca de Alexandria foi incendiada no ano de 640 a.C. por ordem do califa Omar. Os livros foram destinados às fornalhas que aqueciam as águas dos balneários da cidade. Foram 700 mil volumes queimados para deleite da elite nas saunas.
O terremoto de São Francisco de 1906 matou
3 mil pessoas. Incêndios irrompiam por toda parte e não havia água para os
bombeiros. Segundo Sam Wolfe, um sobrevivente, “a rua parecia estar se movendo
em ondas, como o mar. Quem conhece cinema sabe que é a esse terremoto que Gilda
(Rita Hayworth) se refere no filme quando canta PuttheBl ame on Mame.
Em dois períodos, em 1921 e 1922 e em 1932
e 1933,15 milhões de pessoas morreram de fome na Ucrânia, por culpado plano
de“coletivização” dos produtos agrários imposto aos produtores. Diante dos
confiscos, os agricultores passaram a esconder sua produção. Mas havia
denúncias e prisões. Lembram-se dos “fiscais de Sarney” em 1986, que percorriam
os campos em busca de bois escondidos e multavam?
No domingo, dia 8 de janeiro, uma semana
depois de Lula assumir a Presidência, quem estava vendo séries, o programa da
Eliana, um filme bíblico na tevê Record ou algum jogo da liga europeia (com
jogadores milionários e fracassados na nossa seleção) deu com cenas insólitas
na televisão. Um bando de desatinados, escoltados pela polícia em Brasília,
invadiu o Palácio do Planalto, o Supremo Tribunal Federal e a Câmara dos
Deputados. Era o que Bolsonaro prometera, o golpe. Os vândalos destruíram o que
puderam, de obras de arte valiosas a computadores, brasões, retratos de
ex-presidentes. Assim como quem tomou vacina não virou jacaré, como o mundo não
acabou com o cometa Biela, 1845, nem com o Halley, 1910, nem com o Bug do
Milênio, o golpe mesmo não aconteceu. E a turma está presa e processada.
Bolsonaro estava na Flórida em um hospital, com dores abdominais. Na verdade
está com os pés crivados de balas. O golpe não passou de um tiro nos pés. Aliás,
uma rajada. Bolsonaristas dizem que a prisão – a princípio um ginásio, sem
chuva e vento como nos acampamentos – é campo de concentração. Sacrilégio com o
tragédia judaica.
*É jornalista e escritor, autor de 'Zero' e
'Não verás país nenhum'
2 comentários:
Dá-lhe, Ignácio
''Não Verás País Nenhum'' eu li.
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