terça-feira, 6 de agosto de 2024

Míriam Leitão - Os sinais do dia do pânico

O Globo

A tensão global veio da hipótese de os EUA entrarem em recessão. No Brasil, o temor é de que as turbulências deixem os juros no patamar atual por mais tempo

O mercado ontem entrou em pânico diante da hipótese de a maior economia do mundo estar entrando em recessão e começou com a queda de 12,4% da bolsa de Tóquio. Há dados que sustentam esse temor, ainda que, em alguns momentos, as quedas tenham parecido desproporcionais. Se for confirmado o encolhimento do PIB dos Estados Unidos, é uma complicação grande para a campanha do Partido Democrata porque os piores dados viriam exatamente no mês da eleição. Donald Trump já aproveitou o dia tenso para atacar seus adversários. No Brasil, o que todos esses tremores fortalecem é a hipótese de não haver queda de juros tão cedo.

O economista Sergio Vale, da MB Associados, disse que a consultoria trabalha com a hipótese de recessão americana há algum tempo, porque estavam acompanhando os dados secundários.

— Consumidores se endividando com muita intensidade no cartão de crédito, inadimplência começando a subir, o mercado imobiliário apontando aumento de estoque similar aos momentos de recessão no passado. A taxa de desemprego estava começando a subir mês a mês e sempre que isso acontece na história americana, desde a década de 1940, houve uma recessão na sequência. A gente estava acumulando sinais de que estava claro que haveria uma desaceleração — diz Vale.

No mercado havia dois sinais ontem, o da queda das bolsas e o das declarações de economistas achando tudo aquilo meio exagerado. Muitos grandes bancos vinham apostando que não haveria recessão, em parte porque instituições financeiras só falam de recessão quando ela está instalada.

A complicação na economia americana é uma taxa de juros só comparável à da última crise financeira global. E, de 2008 para cá, as taxas ficaram muito baixas por muito tempo. Na pandemia, houve uma inflação excessivamente alta e o Fed demorou um pouco a subir os juros. No Brasil, a Selic começou a subir mais cedo. Depois, os juros americanos subiram e estão há tempo demais num patamar alto para o padrão dos Estados Unidos.

O problema é que os dados de atividade têm mostrado muita resiliência mas, como disse Sergio Vale, os indicadores secundários já davam o sinal.

— A recessão nos Estados Unidos, quando a gente olha os dados do PIB, acontece da noite para o dia literalmente. Os dados dos trimestres anteriores às recessões americanas — desde a década de 70 — mostram um PIB crescendo a 2%. Um número normal, sem nenhum sinal de deterioração. Por isso, olhar os dados secundários mostram um pouco a história da recessão que de fato está caminhando para acontecer no segundo semestre — diz o economista.

Aí vem a confusão política. Indicadores ruins no terceiro trimestre vão ser explorados na campanha e serão manchetes negativas para Kamala Harris, a candidata do Partido Democrata. Ontem, Trump disse que a recessão que virá se deve aos “dois dos mais incompetentes líderes da História”.

E se o Fed decidir antecipar o corte dos juros e nem esperar a reunião de setembro? Essa hipótese circulou ontem no mercado global. O economista Austan Goolsbee do Fed de Chicago falou duas vezes sobre o assunto. Primeiro na CNBC. Disse que o Fed poderia “consertar isso se as coisas se deteriorarem”. Depois se explicou melhor no The New York Times: contou que o Fed tem que olhar o lado real da economia e não tem que dar “conforto” ao mercado de capitais. “Nosso trabalho é agir e o do mercado é reagir.” No Financial Times, a administradora de portfólio do J.P. Morgan, Priya Misra, disse que o mercado estava de “birra” e que pode haver outros “momentos de pânico” como esse.

Toda essa turbulência afeta o Brasil. O dólar tocou a máxima de R$ 5,86, mas encerrou o dia em R$ 5,74, uma alta de 0,56%. No ano, a moeda americana acumula alta de 17,38% frente ao real. Isso bate diretamente nas projeções de inflação que, na consulta divulgada ontem, voltaram a subir. Um dos reflexos de toda essa confusão é que as taxas de juros ficarão em 10,5% por um longo tempo, com potencial de produzir mau humor político. Afinal, os juros altos eram atribuídos apenas ao presidente do BC, Roberto Campos Neto. Talvez essas taxas permaneçam após a saída dele do cargo. É o que muita gente está apostando diante dessa instabilidade, das projeções de inflação e da alta do dólar.


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