Folha de S. Paulo
Se aprovado, projeto deveria ser vetado pelo
presidente
Na contramão dos esforços para conter e
mitigar a crise climática, o Congresso Nacional está prestes a aprovar o PL
2159/21, que implodirá importantes mecanismos de proteção socioambiental
estabelecidos pela Constituição de 1988 que vêm sendo implementados ao longo
das últimas décadas.
Para atender aos interesses imediatos e à ganância de alguns setores da economia, o Parlamento comprometerá os interesses gerais de toda a comunidade, assim como o próprio desenvolvimento sustentável da economia brasileira, que tem na preservação ambiental e na biodiversidade a sua maior vantagem competitiva.
Como há muito alertou David Hume, os homens
comumente se deixam seduzir por tentações presentes, ainda que irrelevantes, em
detrimento daqueles interesses que lhe são verdadeiramente importantes, mas
mais longínquos, sendo essa uma fraqueza "incurável na natureza
humana".
Com a aproximação da 30ª Conferência das
Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que se
realizará em Belém, setores predatórios da economia brasileira têm mobilizado
suas bancadas no Congresso Nacional para promover um verdadeiro atentado contra
o bem-estar das futuras gerações. O festival de agressões ao meio ambiente,
à biodiversidade e aos direitos fundamentais dos povos tradicionais tem como
peça central o chamado PL da Devastação.
Conforme nota técnica emitida pelo
Observatório do Clima, o objetivo central do projeto, em vias de aprovação na
Câmara dos Deputados, é ampliar as hipóteses de isenção de licenças ambientais,
priorizando o autolicenciamento, inclusive para projetos com potencial
poluidor. Isso reduzirá a capacidade de prevenir desastres ambientais,
devastação florestal e degradação ambiental, além de fragilizar os mecanismos
de fiscalização e punição daqueles que agridem o meio ambiente.
O projeto, se aprovado, também violará os
direitos indígenas, quilombolas e das populações tradicionais, na medida em que
restringiu a participação de diversas agências e autoridades responsáveis pela
proteção dessas populações no processo de licenciamento, além de deixar
desprotegidas as áreas ainda não demarcadas. Preocupação esta que foi expressa
pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos em mensagem
endereçada ao Congresso.
Mesmo aqueles que defendem reformas no
processo de licenciamento ambiental, como o presidente do Instituto Brasileiro
de Mineração (Ibram), Raul Jungmann, alertam para os riscos de "arrebentar
os mecanismos de controle e fiscalização do meio ambiente".
Além dos impactos sobre o meio ambiente e as
populações que protegem nossas florestas, o PL 2159 também ameaça o regime de
chuvas e a segurança hídrica, indispensáveis para o sucesso do agronegócio e da
própria estabilidade da vida em grandes conglomerados urbanos. Se aprovado,
promoverá ainda uma enorme insegurança jurídica, provocando uma explosão de
litigiosidade. Pior, esse litígio ocorrerá depois que o estrago já tiver
ocorrido.
Trata-se de um projeto de lei eivado de
inconstitucionalidades e que não trará nenhum benefício à sociedade brasileira.
Como as pérfidas agressões à ministra Marina Silva por parte de alguns
senadores, esse projeto é uma expressão da irresponsabilidade e do descaso de
muitos parlamentares com as futuras gerações.
Por todos esses motivos, o PL 2159 não
deveria ser aprovado. Se for aprovado, deveria ser vetado pelo presidente. Se
sancionado, deveria ser declarado, em seu cerne, inconstitucional.
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