Ataque de Israel ao Irã amplia risco no Oriente Médio
O Globo
Houve alívio com atraso no programa nuclear,
mas é impossível prever consequências do confronto
O vigoroso ataque de Israel contra o Irã, com o objetivo de destruir instalações militares e nucleares, contou com 200 caças, uma base de drones plantados em território iraniano pelo serviço secreto israelense, veículos infiltrados e armas teleguiadas para atingir o alvo. Como resultado, os mais altos comandantes militares, líderes da Guarda Revolucionária e cientistas do programa nuclear foram mortos. Bombardeios atingiram centros de pesquisa, fornecedores de equipamentos, lançadores de mísseis e instalações armadas. A usina de Natanz, uma das sedes do programa nuclear iraniano, foi severamente danificada.
Foi o maior ataque ao Irã desde a invasão
pelo Iraque há mais de quatro décadas. A primeira resposta iraniana veio na
forma de drones, contidos por Israel com a ajuda da Jordânia. O revide iraniano
continuou ontem com dezenas de mísseis disparados contra Israel. E os
israelenses atingiram as usinas de Isfahan e Fordo. A esta altura, é impossível
prever as consequências da escalada no conflito entre as duas maiores potências
militares do Oriente Médio. Mas também é impossível negar a sensação de alívio
entre potências ocidentais, em razão dos danos a um programa nuclear que
repetidas vezes desafiou a Agência Internacional de Energia Atômica — a última
reprimenda veio nesta semana — e que, apesar das declarações de compromisso
pacífico, ninguém duvida ter fins militares.
Para Estados Unidos e Europa, um Irã com
armas nucleares é um cenário inaceitável por desestabilizar o Oriente Médio e
fortalecer a aliança antiocidental encabeçada por China e Rússia. Os iranianos
firmaram pacto com os russos e lhes fornecem armas na guerra da Ucrânia, além
de fazerem parte do arco de influência chinesa no planeta. Reino Unido,
Alemanha e França, embora tenham pedido contrição, apoiaram o direito
israelense à autodefesa.
A perspectiva de o Irã ter a bomba sempre foi
uma ameaça existencial para Israel. Na avaliação do governo Benjamin
Netanyahu, o risco era iminente, questão de semanas. Se é verdade que o
ataque israelense não eliminou esse risco — para isso, teria sido necessário
atingir instalações subterrâneas com armas que só os Estados Unidos têm —, ao
menos atrasou o cronograma por tempo considerável.
Antes da opção militar, o histórico de
dissuasão e sabotagem foi longo. Contou com vírus em computador para destruir
centrífugas, cientistas mortos em atentados e um frágil acordo fechado em 2015
e descartado por Donald Trump em 2018. Como a iniciativa de Trump para um novo
acordo estava emperrada, Netanyahu decidiu que era hora de atacar. As
circunstâncias eram favoráveis. Depois do 7 de Outubro, grupos terroristas
ligados ao Irã, como Hamas e Hezbollah, ficaram enfraquecidos. Netanyahu também
tenta desviar a atenção interna da crise em sua coalizão parlamentar e a
externa da situação crítica em Gaza — objetivo que não passa de ilusão.
Além dos israelenses, os países árabes — com
destaque para Arábia Saudita — também apoiam a desnuclearização iraniana. Com
exceção dos houthis no Iêmen e de grupos xiitas no Iraque, o Irã não deverá
receber grandes manifestações de apoio. Não quer dizer que o risco de confronto
maior seja pequeno. O Oriente Médio entrou de prontidão — e o preço do barril
de petróleo já subiu. Trump ainda afirma querer fechar outro acordo nuclear,
mas o mais provável agora é outra guerra.
Acúmulo de aposentadoria e salário de
parlamentares não tem cabimento
O Globo
Qual o sentido em presidente da Câmara cobrar
cortes do governo e aumentar gastos com congressistas?
Num momento em que o país atravessa uma crise
fiscal ainda sem perspectiva de solução, é totalmente descabido o Projeto de
Lei assinado pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB),
e por uma ecumênica coalizão política, com representantes de PT, PL, PP, União
Brasil e PSD, permitindo a parlamentares acumular um salário já no teto
constitucional (R$ 46.366,19) com a aposentadoria especial assegurada aos congressistas,
proporcional ao tempo de contribuição. Essa prática é vedada desde 1997, quando
foi criado o regime de previdência de deputados e senadores. Quem está apto a
se aposentar precisa escolher um dos vencimentos. Não bastasse a regalia, o
projeto ainda cria uma gratificação natalina, paga com base nos valores
recebidos em dezembro aos participantes do Plano de Seguridade Social dos
Congressistas.
A contradição da medida é evidente. Na
terça-feira, quando o projeto foi protocolado pela Mesa Diretora da Câmara,
Motta cobrava o governo a fazer o “dever de casa” para controlar as contas
públicas. Nos últimos dias, tem subido o tom com o Planalto. Afirmou que
não estava à frente da presidência da Câmara “para servir a projeto eleitoral
de ninguém” e que o Congresso não tem compromisso de aprovar a Medida
Provisória baixada pelo governo para aumentar a arrecadação. Tem razão em
cobrar as medidas de caráter estrutural prometidas pelo ministro da Fazenda,
Fernando Haddad. Mas qual o sentido em defender cortes governo afora e aumentar
os gastos do Parlamento? Zelar pelas contas públicas não é responsabilidade
apenas do Executivo. É também do Congresso.
Seria fundamental que entrasse no debate o
descalabro das emendas parlamentares, que neste ano somam R$ 50,4 bilhões,
perto de 20% dos gastos livres do governo. No mínimo, espera-se que os
parlamentares evitem aumento de despesas em momento tão crítico. O projeto que
permite acúmulo de aposentadoria e salário também transmite um recado de
desconexão da realidade. Uma das justificativas de seus defensores é que a
proibição “é incompatível com os critérios de isonomia e legalidade, que
perpetua uma discriminação indevida”. Não é possível que tenham chegado a essa
conclusão quase três décadas depois da lei que instituiu a norma. Não se trata
de classe pouco privilegiada, mas de representantes da elite do funcionalismo.
Uma despesa a mais aqui, outra ali, parece
não fazer diferença. Mas faz. No mês passado, a Câmara já aprovara aumento do
número de deputados, de 513 para 531. Se for chancelado pelo Senado, gerará um
custo de R$ 64 milhões por ano só em despesas, ou perto de R$ 750 milhões
levando em conta as emendas a que cada novo parlamentar terá direito. Está
certa a Câmara em exigir do governo que corte gastos em vez de querer tapar os
rombos do Orçamento com aumento de impostos, sobrecarregando os contribuintes.
Mas toda autoridade pública deveria começar dando exemplo de austeridade, e não
de gastança.
Mundo em alerta com ataque de Israel ao Irã
Folha de S. Paulo
Ofensiva, que carece de respaldo legal, era
previsível; conjuntura global já conturbada exige que guerra seja contida
Israel e Irã protagonizaram
por quatro décadas um conflito latente, com momentos de maior tensão abafados
pelos Estados
Unidos a fim de evitar uma guerra com consequências imprevistas
no Oriente
Médio. Mas, com o
vigoroso ataque de Tel Aviv em solo persa, as camadas de contenção se
esfacelaram.
A decisão do primeiro-ministro Binyamin
Netanyahu de deflagrar "ataques preventivos" contra o Irã
configura, pela legislação internacional, crime de agressão. Ao Conselho de
Segurança da ONU,
Teerã os classificou como "declaração de guerra" —exatamente o que o
restante do mundo e até mesmo ambos os inimigos cáusticos tratavam de evitar.
Os dois dias seguidos de ofensiva destruíram
alvos precisos e reduziram a capacidade de contra-ataque persa. A instalação
nuclear de Natanz foi temerariamente bombardeada, bases de lançamento de
mísseis terra-terra foram atingidas e parte considerável da cadeia de comando
militar iraniana foi morta.
A resposta do Irã com drones —a maioria deles
abatida antes de atingir os alvos— e cerca de cem mísseis provavelmente não
encerra a retaliação. À soberania maculada, somam-se ao menos 78 civis mortos e
329 feridos, segundo a mídia do país, como argumentos para Teerã não recuar.
O Irã inevitavelmente sofreria consequências
pelo brutal ataque do Hamas a
Israel em outubro de 2023, agravado por sua retórica de destruição do Estado
judeu e seu insistente avanço no programa nuclear com fins militares, sem
contar os cerca
de 200 mísseis lançados contra o inimigo em outubro do ano passado.
Antes, porém, Tel Aviv concentrou-se na
destruição do Hamas, na Faixa de Gaza,
do Hezbollah,
no Líbano,
e dos houthis, no Iêmen —grupos
terroristas financiados pela teocracia persa.
Ao que tudo indica, a queda do regime
de Bashar
al-Assad na Síria, aliado do
Irã, a volta de Donald Trump à
Casa Branca e o fracasso das negociações nucleares entre EUA e Irã, em maio,
além de protestos que têm enfraquecido o regime autoritário dos aiatolás,
abriram caminho para a execução da etapa final da estratégia militar
israelense.
O presidente americano respaldou o investida
contra o Irã —algo que seria impensável no caso de um governo democrata ou
republicano tradicional. Sem filtros, declarou ter sido informado previamente
sobre a ofensiva, que
qualificou como "excelente".
Ao reposicionar suas forças navais e tropas
no Oriente Médio em apoio a Israel, os EUA emitem sinal incerto, que tanto pode
resultar em contenção como em maior agressividade de Teerã. Os efeitos para a
economia mundial começam a ser notados na escalada da cotação do petróleo.
Numa conjuntura já fragilizada com o conflito
na Ucrânia após
a invasão russa, pelo protecionismo comercial americano e pela truculência de
Tel-Aviv em Gaza, nada poderia ser mais adverso do que uma guerra entre Israel
e Irã. Contê-la é um imperativo global.
Lula perdeu aprovação e margem de manobra
Folha de S. Paulo
No Datafolha, popularidade do petista oscila
em torno de baixo patamar desde o início do ano, período de alta da inflação
Neste 2025, a popularidade de Luiz
Inácio Lula da
Silva (PT) flutua
em torno de um novo e baixo patamar. Na recente pesquisa do Datafolha,
40% dos brasileiros aptos a votar consideram
que ele faz um governo ruim ou péssimo, enquanto 28% o qualificam como
ótimo ou bom. A diferença entre os índices resulta em saldo negativo de 12
pontos percentuais.
Desde o primeiro bimestre, o saldo médio é de
12,7 pontos negativos, ante contagens positivas de 3 pontos em 2024 e 9 em
2023.
O prestígio do mandatário piorou de modo
expressivo nos dois primeiros meses deste ano. Nesse período, a inflação reassumira
uma trajetória de alta, com impulso da gastança federal e da carestia de
alimentos.
A grande cartada de Lula em busca de
popularidade foi o projeto que isenta do Imposto de
Renda rendimentos até R$ 5.000 mensais. A administração petista se
desgastou, porém, com campanhas de notícias falsas sobre tributação do Pix, em janeiro, e
com o escândalo real de descontos
fraudulentos nos benefícios do INSS, mais recentemente.
De todo modo, não se pode afirmar com certeza
que tais foram os aspectos a pesar na piora dos índices do presidente. Há
fatores difusos e persistentes que podem contribuir para a maior repercussão de
notícias negativas.
A aprovação de Lula 3 jamais foi elevada, em
parte devido à polarização política. O PT, além disso, é minoritário no
Congresso, no comando de estados e municípios e nas redes sociais.
O efeito da ampliação dos programas de renda
é agora mais marginal, tanto em termos de melhoria social quanto de impacto
político. O preço relativo dos alimentos ficou em patamar mais alto desde a
pandemia —e não fizeram efeito discursos e promessas demagógicas nessa seara.
Para 50% do eleitorado, o desempenho de Lula
é pior do que o de seu antecessor, Jair
Bolsonaro (PL),
no controle da inflação (é melhor para apenas 29%). O petista também
é mais mal avaliado em segurança pública e, notável, empata com
Bolsonaro nos quesitos ambiente e saúde —nos
quais o ex-presidente teve atuação objetivamente deplorável.
O governo do PT tem melhor avaliação em
geração de empregos, moradia e, por pequena margem, educação.
Parece pouco diante de um brutal aumento do gasto público que começou desde
antes da posse.
Com rombo nas contas do Tesouro, juros altos e Congresso Nacional pouco amistoso, a margem para novas cartadas eleitoreiras se estreitou. Em tais condições, não há propaganda que resolva.
Supremo instaura terra sem lei na internet
O Estado de S. Paulo
Ao fabricar regras arbitrárias para redes,
STF institucionaliza o caos que pretendia regular e atropela o Legislativo, o
único Poder com legitimidade para criar limites na internet
Formou-se, no Supremo Tribunal Federal, a
maioria de votos para derrubar o artigo 19 do Marco Civil da Internet – e, com
ele, o delicado equilíbrio jurídico que sustenta há uma década a liberdade de
expressão no ambiente digital. Como sempre, os ministros discursaram em nome da
democracia. Mas, ao substituir a lei pela vontade de togados e ao instituir um
sistema de censura privatizada baseado em critérios nebulosos e voluntaristas,
é exatamente essa democracia que estão dilapidando – e com zelo quase missionário.
A regra consagrada no artigo 19 é simples e
civilizada: plataformas digitais só podem ser responsabilizadas por conteúdo de
terceiros se, após ordem judicial, se recusarem a removê-lo. Essa exigência
serve a um propósito elementar do Estado de Direito: impedir que empresas
privadas se transformem em tribunal de exceção, garantindo que as liberdades de
se manifestar não se submetam ao arbítrio corporativo nem ao linchamento
militante. Protegem-se, com ela, a palavra, o processo legal e a
previsibilidade jurídica.
A nova jurisprudência mina esses pilares até
a raiz. Cada ministro agora propõe um modelo próprio de “responsabilização
proativa” das plataformas. Isso significa que elas terão de julgar e excluir
conteúdos sob pena de sanção – às cegas, às pressas e por instinto de
autopreservação. Em certos casos, nem sequer será necessária notificação. Em
outros, bastará o impulso do ofendido, mesmo que movido por má-fé ou cálculo
político. Criou-se, em nome do “dever de cuidado”, um ambiente ideal para a
censura terceirizada.
O que se descreve como “precaução” é, na
verdade, coerção. Diante do risco de responsabilização, as plataformas não
hesitarão em remover preventivamente qualquer conteúdo remotamente polêmico. E,
como os ministros empregam critérios vaporosos como “desinformação”, “discursos
de ódio” ou “ataques à democracia”, o resultado é um sistema opaco, arbitrário
e coator – um regime em que calar é mais seguro que arriscar. O que era para
ser exceção torna-se regra. A consequência não será outra senão paranoia e asfixia
do debate público.
Ao contrário do que alguns ministros sugerem,
nem mesmo os regulamentos europeus – usados como biombo de credibilidade –
impõem tanto. A Lei de Serviços Digitais da União Europeia tem parâmetros
objetivos, foi votada pelo Parlamento e aprovada com transparência. Aqui, o
Supremo legisla e decide por decreto não só o conteúdo das regras, mas quem
deve fiscalizá-las: Procuradoria-Geral da República, Conselho Nacional de
Justiça, uma autarquia a ser criada, alguma entidade privada ou qualquer outro
arremedo de “Grande Irmão” a ser parido nas entranhas da Corte. Obviamente,
tamanha interferência na vida de todos os cidadãos brasileiros não poderia ser
decidida por um colegiado de 11 ministros não eleitos, somente pelos
representantes do povo no Congresso.
Nada disso impede os arautos da toga de se
apresentarem como redentores da República. Um ministro se declara regularmente
parte de uma “vanguarda iluminista”. Outro afirmou que os ministros são
“editores de um país inteiro”. Há, ainda, quem fale em “recivilização do País”
– como se o povo fosse uma turba bárbara e o Supremo, sua instância
catequizadora. E, para coroar, houve um ministro que comentou, em tom cândido,
que todos ali no plenário eram “admiradores do regime chinês”. A julgar pela
decisão do Supremo, nem precisava.
O Brasil torna-se, assim, uma aberração
normativa: o único país democrático onde as normas para a internet, e até o
órgão de fiscalização, nascem de sentenças judiciais. A internet nunca foi
“terra sem lei”. Agora, será uma anarquia sem legislador, perpetuamente
ameaçada pelas intuições draconianas de um tipo bastardo de soberano: o juiz
legislador e censor. A liberdade, nesse arranjo, é pervertida em licença
condicional, sempre à mercê do algoritmo nervoso ou do ministro zeloso.
A democracia que os ministros dizem proteger
não precisa de intérpretes com delírios fundacionais. Precisa de instituições
que se respeitem e de liberdades que não se ajoelhem. Precisa que os juízes se
recordem de um princípio elementar: que quem interpreta a lei não a escreve. E
precisa de um Congresso que faça valer o mandato que lhe foi dado pelo povo.
Um adulto na sala
O Estado de S. Paulo
Em posicionamento lúcido e com uma dose de
autocrítica que falta aos Três Poderes e aos setores produtivo e financeiro,
presidente da Fiesp prega diálogo para tirar o País do impasse fiscal
Em meio à disputa entre o governo Lula da
Silva e o Congresso Nacional sobre quem gasta mais e pior, o presidente da
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Josué Gomes da Silva,
tenta resgatar o bom senso sem o qual um debate tão relevante para o País não
terá qualquer chance de evoluir. “Ou nos entendemos ou afundaremos todos”,
disse o empresário, por meio de nota.
As indústrias representadas pela Fiesp podem
ser afetadas pelas medidas a serem adotadas para salvar a meta fiscal,
sobretudo se a proposta da equipe econômica de cortar benefícios fiscais de
forma linear avançar no Legislativo. Mas, ao contrário do que se poderia
esperar do presidente de uma entidade como a Fiesp, Gomes da Silva não defendeu
a manutenção permanente dos subsídios. Ao contrário: reconheceu que o setor não
é vítima, mas parte do problema fiscal.
“Os setores produtivos buscam sobreviver
através de desonerações e subsídios setoriais. Esses benefícios, que muitas
vezes são dados em momentos justificáveis, acabam se perpetuando
indefinidamente, o que afeta não só as contas públicas, mas também a eficiência
econômica”, afirmou o presidente da Fiesp.
A lucidez que Gomes da Silva demonstrou é
mercadoria em falta no debate sobre as contas públicas. De um lado, Lula da
Silva diz não ter sido eleito para “fazer benefício para rico”, sem jamais
admitir que foi justamente nos governos petistas que o gasto tributário da
União mais cresceu na proporção do Produto Interno Bruto (PIB).
De outro, o presidente da Câmara, Hugo Motta
(Republicanos-PB), afirma que o País “não aguenta mais” aumento de impostos,
como se a elevação da carga tributária não fosse consequência da recalcitrância
do Legislativo em rever o gasto público, a começar pelas emendas parlamentares,
que tiveram crescimento exponencial nos últimos cinco anos.
No meio desse embate, Gomes da Silva é uma
exceção que confirma a regra. A maioria do setor privado defende o ajuste
fiscal, desde que não seja ele mesmo a pagar uma parte da conta. Prova disso é
o documento entregue por associações dos setores produtivo e financeiro a Lula
da Silva em Paris.
Assinado pelas Confederações Nacionais das
Seguradoras (CNseg), da Indústria (CNI), das Instituições Financeiras (Fin,
ex-CNF), dos Transportes (CNT) e do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC),
o documento, segundo o Broadcast/Estadão, lista uma série de medidas
essencialmente corretas, mas peca pela ausência de autocrítica que Gomes da
Silva soube expressar.
Para que não sejam afetados pelo aumento do
Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e pela tributação de lucros e
dividendos, prevista no projeto de lei que garante a isenção do Imposto de
Renda dos que ganham até R$ 5 mil mensais, os setores propõem reduzir as
despesas públicas com alternativas que preservem seu status – tais
como a desvinculação entre os benefícios previdenciários e assistenciais e o
salário mínimo, a retomada da correção dos pisos constitucionais da Saúde e da
Educação pela inflação e a imposição de um teto de R$ 24 mil anuais para a
dedução de despesas com saúde no Imposto de Renda da Pessoa Física.
Todas essas medidas, por óbvio, são
razoáveis. O desafio do País não está no lado das receitas, mas no das
despesas, e há muito a ser feito para trazer mais racionalidade e eficiência ao
gasto público. O fato é que o tom do comunicado reforça a conveniente narrativa
lulopetista segundo a qual o governo tenta heroicamente arrancar dinheiro dos
ricos para dar aos mais pobres.
Em sua nota, Gomes da Silva relembra ainda o
papel do Judiciário, que tenta manter-se alheio a essa discussão, mas não perde
a oportunidade de criar penduricalhos para driblar o teto remuneratório, e do
setor financeiro, que lucra com ou sem ajuste fiscal. Afinal, o esforço, de
fato, cabe a todos.
“Ou seja, ou sentamos como adultos numa mesa
– Executivo, Legislativo, Judiciário, empresários dos setores produtivo e
financeiro, trabalhadores e representantes da sociedade civil –, em busca de
entendimento para construção de um projeto para a Nação, ou afundaremos todos
juntos”, adverte o empresário. Este jornal concorda em gênero, número e grau.
Molecagem como método
O Estado de S. Paulo
Audiência de Haddad na Câmara mostrou como
bolsonaristas fazem mal ao debate público
A Câmara perdeu uma ótima oportunidade de
contribuir para o aprimoramento do pacote de medidas apresentado pelo governo
com vistas ao cumprimento da meta fiscal de 2025. A audiência conjunta do
ministro da Fazenda, Fernando Haddad, nas Comissões de Finanças e Tributação e
de Fiscalização Financeira e Controle, realizada no dia 11 passado, terminou de
forma abrupta em razão do descompromisso da oposição bolsonarista com o Brasil,
em particular dos deputados arruaceiros Nikolas Ferreira (PL-MG) e Carlos Jordy
(PL-RJ).
Como é notório, não é de hoje que a bancada
do PL prova que nada de bom tem a oferecer ao País, restando-lhe encenar no
Congresso um espetáculo da pior qualidade para sua audiência nas redes sociais.
A direção do partido decerto se orgulha de tê-lo transformado, em troca de
votos – leia-se Fundo Partidário –, numa ermida para criminosos, como Carla
Zambelli, e deputados e senadores escravos das telas, incapazes de raciocinar
fora da lógica algorítmica. Portanto, foi exatamente para bagunçar, e não para discutir
as propostas de Haddad, que os srs. Nikolas Ferreira e Carlos Jordy tomaram
assento na audiência.
Prova maior disso é que, para fustigar o
ministro, ambos usaram palavras claramente planejadas para produzir os chamados
“cortes” para as redes sociais, viraram as costas e deixaram a sessão. Haddad,
com razão, afirmou que não é assim que se trava um debate político republicano,
qualificando a atitude dos deputados como “molecagem”. Foi o que bastou para
que Nikolas e Jordy voltassem à sala e protagonizassem o banzé a que o País
assistiu, levando ao encerramento da audiência sem que uma só das mal-ajambradas
medidas do governo fosse escrutinada de forma séria – e razões para isso não
faltavam.
O debate entre parlamentares e membros do
governo de turno no Congresso é uma das expressões mais vivas do sistema de
freios e contrapesos. Não é por outra razão que, quando convocados, ministros
de Estado são obrigados a comparecer às audiências, sob pena de cometer crime
de responsabilidade. Há razão para tanto rigor. É nesse locus que a
sociedade, por meio de seus representantes eleitos, escrutina as ações e
omissões do Executivo para, idealmente, aprimorá-las tendo em vista o melhor
interesse público. O Congresso, porém, tem mostrado cabal despreparo – para
dizer o mínimo – para exercer essa nobilíssima missão, haja vista as tocaias
armadas contra a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, no Senado e, agora,
contra Haddad na Câmara, entre outras.
É lamentável que parte expressiva do Legislativo, ao invés de assumir com seriedade as incumbências que lhe foram conferidas pelas urnas, prefira converter o espaço do debate democrático em palco para encenações grotescas voltadas exclusivamente à manutenção de relevância digital. A molecagem com Haddad foi só mais uma amostra de como a oposição bolsonarista, ao renunciar à política como instrumento de diálogo e construção, transformou o Congresso em terreno estéril para qualquer discussão racional sobre as questões mais prementes do País. Resta aos eleitores genuinamente preocupados com o Brasil escolher melhor seus representantes.
Questão fiscal exige saída negociada entre
Poderes
Correio Braziliense
Um projeto para derrubar o decreto
presidencial que reduziu os efeitos da elevação do Imposto sobre Operações
Financeiras (IOF) sobre crédito, câmbio e seguros será posto em pauta na
próxima semana
"Casa onde falta pão, todo mundo briga e
ninguém tem razão." Esse velho ditado popular resume bem a situação do
estresse entre os Poderes sobre a questão fiscal. Executivo e Legislativo
precisam chegar a um acordo sobre como enfrentar o problema do deficit público,
no qual cada um tem uma dose de responsabilidade. O primeiro deveria gastar
menos do que arrecada; o segundo, renunciar a parte dos recursos das emendas
parlamentares.
No momento, assistimos a uma queda de braços
entre o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), e o
da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Um projeto para derrubar o decreto
presidencial que reduziu os efeitos da elevação do Imposto sobre Operações
Financeiras (IOF) sobre crédito, câmbio e seguros será posto em pauta na
próxima semana. Entretanto, o decreto havia sido pactuado entre a cúpula do
Congresso e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no fim de semana passado.
As novas propostas atingem o agronegócio, a construção civil e o setor de
infraestrutura, que têm acesso fácil a lideranças da Câmara e do Senado.
A MP estabelece uma alíquota de Imposto de
Renda de 5% para títulos que hoje gozam de isenção, como as Letras de Crédito
Imobiliário (LCI) e do Agronegócio (LCA) e as debêntures incentivadas. Mesmo
com a mudança, esses papéis permanecerão mais atraentes que outros produtos
financeiros semelhantes. Mas, segundo os setores afetados, o custo do
financiamento imobiliário, do Plano Safra e dos investimentos em infraestrutura
aumentará.
As fintechs terão a alíquota de 9% no
recolhimento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) aumentadas
para 15% ou 20%, a mesma aplicada aos bancos tradicionais, com os quais elas
concorrem. Esse setor do mercado financeiro alega que a medida vai comprometer
a inclusão financeira e dificultar a oferta de serviços gratuitos aos mais
pobres. As bets passarão a pagar de 12% para 18%.
Esses setores têm lobbies poderosos no
Congresso, que assumiu um discurso segundo o qual a sociedade não aceita mais
medidas que aumentem impostos. Entretanto, não oferecem alternativas para
equilibrar receitas e despesas. Os partidos do Centrão participam do governo,
ou seja, são sócios dos gastos, mas têm rejeição a novos aumentos da carga
tributária. Nesta semana, a Mesa Diretora da Câmara propôs um PL que permitiria
aos parlamentares acumularem salários e aposentadorias.
Por outro lado, o presidente Lula se recusa a
debater a necessidade de redimensionar o Estado e melhorar a qualidade do
gasto, mesmo sabendo que não tem maioria no Congresso para resolver o problema
do deficit público com aumento de impostos. É um diálogo de surdos.
O governo mudou o regime fiscal por ele
próprio criado para não ter de obter qualquer superavit nas contas públicas
durante quatro anos. Como terá de zerar o deficit em 2026, ano de eleições,
saiu em busca de mais arrecadação para não ter de cortar despesas, que seguem
crescendo. Deu errado. O regime fiscal não foi feito para reduzir despesas,
mas, sim, para disciplinar e garantir seu crescimento. Isso não aconteceu.
A economia cresce e não precisa de mais
estímulos. Trata-se de conter a expansão das despesas obrigatórias acima das
receitas e construir superavits fiscais. Como evitar sacrifícios apenas à
população mais vulnerável e reduzir privilégios corporativos? A lógica da
negociação responsável deve prevalecer. A crise atual não se restringe ao
orçamento: ela é também uma crise de credibilidade da democracia. Por isso
mesmo, o Executivo e o Legislativo devem buscar saídas negociadas e
responsáveis.
O difícil equilíbrio
O Povo (CE)
É de se lamentar que Executivo e Legislativo
não consigam chegar a um acordo para resolver um problema que afeta a todos os
brasileiros
Em uma conjuntura de aumento de tensão entre
o Executivo e o Legislativo, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta,
disse que vai pôr em votação, na segunda-feira, a urgência do projeto
legislativo que derruba o decreto do governo sobre o Imposto de Operações
Financeiras (IOF). O mal-estar entre Executivo e Legislativo pode ser
medido com a urgência proposta por Motta em derrubar um decreto presidencial,
medida rara no Congresso Nacional.
A iniciativa do governo e a reação de Motta
aconteceram após o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ter-se reunido
com os líderes partidários do Congresso Nacional. Ao fim do encontro, Haddad
afirmou que o aumento do IOF seria revisto, mas haveria elevação de impostos.
Seriam mais tributadas as casas de apostas online (bets), bancos digitais
(fintechs), além do corte de benefícios tributários para empresas. Medida
provisória (MP) foi emitida para esse fim. Desse modo, haveria receitas no
Orçamento para garantir o equilíbrio fiscal deste ano.
Tudo parecia apontar para um acordo sobre o
assunto. Mas algum ruído aconteceu neste espaço de tempo, pois as medidas
anunciadas pelo governo desagradaram ao presidente da Câmara, de setores da
base governista no Congresso, além das esperadas críticas da oposição. A
principal rejeição às medidas anunciadas refere-se ao aumento de impostos.
Quanto às proposições contidas na MP, Motta
alertou não haver compromisso de aprovação das medidas. Ele afirma que algumas
poderão ser "apoiadas" e outras não. Para ele, "o clima não é
favorável ao aumento de impostos".
No entanto, por trás desses motivos
explicitados publicamente podem se esconder outros interesses. O ministro do
Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, voltou a cobrar esclarecimentos
sobre as emendas parlamentares, desagradando congressistas que se
beneficiam politicamente do instrumento — e imaginam que o governo tenha o
poder de barrar uma decisão do STF. Líderes governistas, por sua vez, ameaçam
com o congelamento das emendas, caso o Congresso derrube o decreto do IOF.
É de se lamentar que Executivo e Legislativo
não consigam chegar a um acordo para resolver um problema que afeta a todos os
brasileiros e, pior, quando as emendas entram na equação como moeda
de troca ou de intimidação.
Não é possível imaginar que, entre as medidas apresentadas pelo governo e as proposta que defendem o presidente da Câmara, Hugo Motta, e outros segmentos do Parlamento, não exista um meio-termo que possa agradar as partes em confronto e, ao mesmo tempo, alcance o montante de recursos necessários para chegar ao equilíbrio das contas públicas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário