sábado, 14 de junho de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Ataque de Israel ao Irã amplia risco no Oriente Médio

O Globo

Houve alívio com atraso no programa nuclear, mas é impossível prever consequências do confronto

O vigoroso ataque de Israel contra o Irã, com o objetivo de destruir instalações militares e nucleares, contou com 200 caças, uma base de drones plantados em território iraniano pelo serviço secreto israelense, veículos infiltrados e armas teleguiadas para atingir o alvo. Como resultado, os mais altos comandantes militares, líderes da Guarda Revolucionária e cientistas do programa nuclear foram mortos. Bombardeios atingiram centros de pesquisa, fornecedores de equipamentos, lançadores de mísseis e instalações armadas. A usina de Natanz, uma das sedes do programa nuclear iraniano, foi severamente danificada.

Foi o maior ataque ao Irã desde a invasão pelo Iraque há mais de quatro décadas. A primeira resposta iraniana veio na forma de drones, contidos por Israel com a ajuda da Jordânia. O revide iraniano continuou ontem com dezenas de mísseis disparados contra Israel. E os israelenses atingiram as usinas de Isfahan e Fordo. A esta altura, é impossível prever as consequências da escalada no conflito entre as duas maiores potências militares do Oriente Médio. Mas também é impossível negar a sensação de alívio entre potências ocidentais, em razão dos danos a um programa nuclear que repetidas vezes desafiou a Agência Internacional de Energia Atômica — a última reprimenda veio nesta semana — e que, apesar das declarações de compromisso pacífico, ninguém duvida ter fins militares.

Para Estados Unidos e Europa, um Irã com armas nucleares é um cenário inaceitável por desestabilizar o Oriente Médio e fortalecer a aliança antiocidental encabeçada por China e Rússia. Os iranianos firmaram pacto com os russos e lhes fornecem armas na guerra da Ucrânia, além de fazerem parte do arco de influência chinesa no planeta. Reino Unido, Alemanha e França, embora tenham pedido contrição, apoiaram o direito israelense à autodefesa.

A perspectiva de o Irã ter a bomba sempre foi uma ameaça existencial para Israel. Na avaliação do governo Benjamin Netanyahu, o risco era iminente, questão de semanas. Se é verdade que o ataque israelense não eliminou esse risco — para isso, teria sido necessário atingir instalações subterrâneas com armas que só os Estados Unidos têm —, ao menos atrasou o cronograma por tempo considerável.

Antes da opção militar, o histórico de dissuasão e sabotagem foi longo. Contou com vírus em computador para destruir centrífugas, cientistas mortos em atentados e um frágil acordo fechado em 2015 e descartado por Donald Trump em 2018. Como a iniciativa de Trump para um novo acordo estava emperrada, Netanyahu decidiu que era hora de atacar. As circunstâncias eram favoráveis. Depois do 7 de Outubro, grupos terroristas ligados ao Irã, como Hamas e Hezbollah, ficaram enfraquecidos. Netanyahu também tenta desviar a atenção interna da crise em sua coalizão parlamentar e a externa da situação crítica em Gaza — objetivo que não passa de ilusão.

Além dos israelenses, os países árabes — com destaque para Arábia Saudita — também apoiam a desnuclearização iraniana. Com exceção dos houthis no Iêmen e de grupos xiitas no Iraque, o Irã não deverá receber grandes manifestações de apoio. Não quer dizer que o risco de confronto maior seja pequeno. O Oriente Médio entrou de prontidão — e o preço do barril de petróleo já subiu. Trump ainda afirma querer fechar outro acordo nuclear, mas o mais provável agora é outra guerra.

Acúmulo de aposentadoria e salário de parlamentares não tem cabimento

O Globo

Qual o sentido em presidente da Câmara cobrar cortes do governo e aumentar gastos com congressistas?

Num momento em que o país atravessa uma crise fiscal ainda sem perspectiva de solução, é totalmente descabido o Projeto de Lei assinado pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e por uma ecumênica coalizão política, com representantes de PT, PL, PP, União Brasil e PSD, permitindo a parlamentares acumular um salário já no teto constitucional (R$ 46.366,19) com a aposentadoria especial assegurada aos congressistas, proporcional ao tempo de contribuição. Essa prática é vedada desde 1997, quando foi criado o regime de previdência de deputados e senadores. Quem está apto a se aposentar precisa escolher um dos vencimentos. Não bastasse a regalia, o projeto ainda cria uma gratificação natalina, paga com base nos valores recebidos em dezembro aos participantes do Plano de Seguridade Social dos Congressistas.

A contradição da medida é evidente. Na terça-feira, quando o projeto foi protocolado pela Mesa Diretora da Câmara, Motta cobrava o governo a fazer o “dever de casa” para controlar as contas públicas. Nos últimos dias, tem subido o tom com o Planalto. Afirmou que não estava à frente da presidência da Câmara “para servir a projeto eleitoral de ninguém” e que o Congresso não tem compromisso de aprovar a Medida Provisória baixada pelo governo para aumentar a arrecadação. Tem razão em cobrar as medidas de caráter estrutural prometidas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Mas qual o sentido em defender cortes governo afora e aumentar os gastos do Parlamento? Zelar pelas contas públicas não é responsabilidade apenas do Executivo. É também do Congresso.

Seria fundamental que entrasse no debate o descalabro das emendas parlamentares, que neste ano somam R$ 50,4 bilhões, perto de 20% dos gastos livres do governo. No mínimo, espera-se que os parlamentares evitem aumento de despesas em momento tão crítico. O projeto que permite acúmulo de aposentadoria e salário também transmite um recado de desconexão da realidade. Uma das justificativas de seus defensores é que a proibição “é incompatível com os critérios de isonomia e legalidade, que perpetua uma discriminação indevida”. Não é possível que tenham chegado a essa conclusão quase três décadas depois da lei que instituiu a norma. Não se trata de classe pouco privilegiada, mas de representantes da elite do funcionalismo.

Uma despesa a mais aqui, outra ali, parece não fazer diferença. Mas faz. No mês passado, a Câmara já aprovara aumento do número de deputados, de 513 para 531. Se for chancelado pelo Senado, gerará um custo de R$ 64 milhões por ano só em despesas, ou perto de R$ 750 milhões levando em conta as emendas a que cada novo parlamentar terá direito. Está certa a Câmara em exigir do governo que corte gastos em vez de querer tapar os rombos do Orçamento com aumento de impostos, sobrecarregando os contribuintes. Mas toda autoridade pública deveria começar dando exemplo de austeridade, e não de gastança.

Mundo em alerta com ataque de Israel ao Irã

Folha de S. Paulo

Ofensiva, que carece de respaldo legal, era previsível; conjuntura global já conturbada exige que guerra seja contida

Israel e Irã protagonizaram por quatro décadas um conflito latente, com momentos de maior tensão abafados pelos Estados Unidos a fim de evitar uma guerra com consequências imprevistas no Oriente Médio. Mas, com o vigoroso ataque de Tel Aviv em solo persa, as camadas de contenção se esfacelaram.

A decisão do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu de deflagrar "ataques preventivos" contra o Irã configura, pela legislação internacional, crime de agressão. Ao Conselho de Segurança da ONU, Teerã os classificou como "declaração de guerra" —exatamente o que o restante do mundo e até mesmo ambos os inimigos cáusticos tratavam de evitar.

Os dois dias seguidos de ofensiva destruíram alvos precisos e reduziram a capacidade de contra-ataque persa. A instalação nuclear de Natanz foi temerariamente bombardeada, bases de lançamento de mísseis terra-terra foram atingidas e parte considerável da cadeia de comando militar iraniana foi morta.

A resposta do Irã com drones —a maioria deles abatida antes de atingir os alvos— e cerca de cem mísseis provavelmente não encerra a retaliação. À soberania maculada, somam-se ao menos 78 civis mortos e 329 feridos, segundo a mídia do país, como argumentos para Teerã não recuar.

O Irã inevitavelmente sofreria consequências pelo brutal ataque do Hamas a Israel em outubro de 2023, agravado por sua retórica de destruição do Estado judeu e seu insistente avanço no programa nuclear com fins militares, sem contar os cerca de 200 mísseis lançados contra o inimigo em outubro do ano passado.

Antes, porém, Tel Aviv concentrou-se na destruição do Hamas, na Faixa de Gaza, do Hezbollah, no Líbano, e dos houthis, no Iêmen —grupos terroristas financiados pela teocracia persa.

Ao que tudo indica, a queda do regime de Bashar al-Assad na Síria, aliado do Irã, a volta de Donald Trump à Casa Branca e o fracasso das negociações nucleares entre EUA e Irã, em maio, além de protestos que têm enfraquecido o regime autoritário dos aiatolás, abriram caminho para a execução da etapa final da estratégia militar israelense.

O presidente americano respaldou o investida contra o Irã —algo que seria impensável no caso de um governo democrata ou republicano tradicional. Sem filtros, declarou ter sido informado previamente sobre a ofensiva, que qualificou como "excelente".

Ao reposicionar suas forças navais e tropas no Oriente Médio em apoio a Israel, os EUA emitem sinal incerto, que tanto pode resultar em contenção como em maior agressividade de Teerã. Os efeitos para a economia mundial começam a ser notados na escalada da cotação do petróleo.

Numa conjuntura já fragilizada com o conflito na Ucrânia após a invasão russa, pelo protecionismo comercial americano e pela truculência de Tel-Aviv em Gaza, nada poderia ser mais adverso do que uma guerra entre Israel e Irã. Contê-la é um imperativo global.

Lula perdeu aprovação e margem de manobra

Folha de S. Paulo

No Datafolha, popularidade do petista oscila em torno de baixo patamar desde o início do ano, período de alta da inflação

Neste 2025, a popularidade de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) flutua em torno de um novo e baixo patamar. Na recente pesquisa do Datafolha, 40% dos brasileiros aptos a votar consideram que ele faz um governo ruim ou péssimo, enquanto 28% o qualificam como ótimo ou bom. A diferença entre os índices resulta em saldo negativo de 12 pontos percentuais.

Desde o primeiro bimestre, o saldo médio é de 12,7 pontos negativos, ante contagens positivas de 3 pontos em 2024 e 9 em 2023.

O prestígio do mandatário piorou de modo expressivo nos dois primeiros meses deste ano. Nesse período, a inflação reassumira uma trajetória de alta, com impulso da gastança federal e da carestia de alimentos.

A grande cartada de Lula em busca de popularidade foi o projeto que isenta do Imposto de Renda rendimentos até R$ 5.000 mensais. A administração petista se desgastou, porém, com campanhas de notícias falsas sobre tributação do Pix, em janeiro, e com o escândalo real de descontos fraudulentos nos benefícios do INSS, mais recentemente.

De todo modo, não se pode afirmar com certeza que tais foram os aspectos a pesar na piora dos índices do presidente. Há fatores difusos e persistentes que podem contribuir para a maior repercussão de notícias negativas.

A aprovação de Lula 3 jamais foi elevada, em parte devido à polarização política. O PT, além disso, é minoritário no Congresso, no comando de estados e municípios e nas redes sociais.

O efeito da ampliação dos programas de renda é agora mais marginal, tanto em termos de melhoria social quanto de impacto político. O preço relativo dos alimentos ficou em patamar mais alto desde a pandemia —e não fizeram efeito discursos e promessas demagógicas nessa seara.

Para 50% do eleitorado, o desempenho de Lula é pior do que o de seu antecessor, Jair Bolsonaro (PL), no controle da inflação (é melhor para apenas 29%). O petista também é mais mal avaliado em segurança pública e, notável, empata com Bolsonaro nos quesitos ambiente e saúde —nos quais o ex-presidente teve atuação objetivamente deplorável.

O governo do PT tem melhor avaliação em geração de empregos, moradia e, por pequena margem, educação. Parece pouco diante de um brutal aumento do gasto público que começou desde antes da posse.

Com rombo nas contas do Tesouro, juros altos e Congresso Nacional pouco amistoso, a margem para novas cartadas eleitoreiras se estreitou. Em tais condições, não há propaganda que resolva.

Supremo instaura terra sem lei na internet

O Estado de S. Paulo

Ao fabricar regras arbitrárias para redes, STF institucionaliza o caos que pretendia regular e atropela o Legislativo, o único Poder com legitimidade para criar limites na internet

Formou-se, no Supremo Tribunal Federal, a maioria de votos para derrubar o artigo 19 do Marco Civil da Internet – e, com ele, o delicado equilíbrio jurídico que sustenta há uma década a liberdade de expressão no ambiente digital. Como sempre, os ministros discursaram em nome da democracia. Mas, ao substituir a lei pela vontade de togados e ao instituir um sistema de censura privatizada baseado em critérios nebulosos e voluntaristas, é exatamente essa democracia que estão dilapidando – e com zelo quase missionário.

A regra consagrada no artigo 19 é simples e civilizada: plataformas digitais só podem ser responsabilizadas por conteúdo de terceiros se, após ordem judicial, se recusarem a removê-lo. Essa exigência serve a um propósito elementar do Estado de Direito: impedir que empresas privadas se transformem em tribunal de exceção, garantindo que as liberdades de se manifestar não se submetam ao arbítrio corporativo nem ao linchamento militante. Protegem-se, com ela, a palavra, o processo legal e a previsibilidade jurídica.

A nova jurisprudência mina esses pilares até a raiz. Cada ministro agora propõe um modelo próprio de “responsabilização proativa” das plataformas. Isso significa que elas terão de julgar e excluir conteúdos sob pena de sanção – às cegas, às pressas e por instinto de autopreservação. Em certos casos, nem sequer será necessária notificação. Em outros, bastará o impulso do ofendido, mesmo que movido por má-fé ou cálculo político. Criou-se, em nome do “dever de cuidado”, um ambiente ideal para a censura terceirizada.

O que se descreve como “precaução” é, na verdade, coerção. Diante do risco de responsabilização, as plataformas não hesitarão em remover preventivamente qualquer conteúdo remotamente polêmico. E, como os ministros empregam critérios vaporosos como “desinformação”, “discursos de ódio” ou “ataques à democracia”, o resultado é um sistema opaco, arbitrário e coator – um regime em que calar é mais seguro que arriscar. O que era para ser exceção torna-se regra. A consequência não será outra senão paranoia e asfixia do debate público.

Ao contrário do que alguns ministros sugerem, nem mesmo os regulamentos europeus – usados como biombo de credibilidade – impõem tanto. A Lei de Serviços Digitais da União Europeia tem parâmetros objetivos, foi votada pelo Parlamento e aprovada com transparência. Aqui, o Supremo legisla e decide por decreto não só o conteúdo das regras, mas quem deve fiscalizá-las: Procuradoria-Geral da República, Conselho Nacional de Justiça, uma autarquia a ser criada, alguma entidade privada ou qualquer outro arremedo de “Grande Irmão” a ser parido nas entranhas da Corte. Obviamente, tamanha interferência na vida de todos os cidadãos brasileiros não poderia ser decidida por um colegiado de 11 ministros não eleitos, somente pelos representantes do povo no Congresso.

Nada disso impede os arautos da toga de se apresentarem como redentores da República. Um ministro se declara regularmente parte de uma “vanguarda iluminista”. Outro afirmou que os ministros são “editores de um país inteiro”. Há, ainda, quem fale em “recivilização do País” – como se o povo fosse uma turba bárbara e o Supremo, sua instância catequizadora. E, para coroar, houve um ministro que comentou, em tom cândido, que todos ali no plenário eram “admiradores do regime chinês”. A julgar pela decisão do Supremo, nem precisava.

O Brasil torna-se, assim, uma aberração normativa: o único país democrático onde as normas para a internet, e até o órgão de fiscalização, nascem de sentenças judiciais. A internet nunca foi “terra sem lei”. Agora, será uma anarquia sem legislador, perpetuamente ameaçada pelas intuições draconianas de um tipo bastardo de soberano: o juiz legislador e censor. A liberdade, nesse arranjo, é pervertida em licença condicional, sempre à mercê do algoritmo nervoso ou do ministro zeloso.

A democracia que os ministros dizem proteger não precisa de intérpretes com delírios fundacionais. Precisa de instituições que se respeitem e de liberdades que não se ajoelhem. Precisa que os juízes se recordem de um princípio elementar: que quem interpreta a lei não a escreve. E precisa de um Congresso que faça valer o mandato que lhe foi dado pelo povo.

Um adulto na sala

O Estado de S. Paulo

Em posicionamento lúcido e com uma dose de autocrítica que falta aos Três Poderes e aos setores produtivo e financeiro, presidente da Fiesp prega diálogo para tirar o País do impasse fiscal

Em meio à disputa entre o governo Lula da Silva e o Congresso Nacional sobre quem gasta mais e pior, o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Josué Gomes da Silva, tenta resgatar o bom senso sem o qual um debate tão relevante para o País não terá qualquer chance de evoluir. “Ou nos entendemos ou afundaremos todos”, disse o empresário, por meio de nota.

As indústrias representadas pela Fiesp podem ser afetadas pelas medidas a serem adotadas para salvar a meta fiscal, sobretudo se a proposta da equipe econômica de cortar benefícios fiscais de forma linear avançar no Legislativo. Mas, ao contrário do que se poderia esperar do presidente de uma entidade como a Fiesp, Gomes da Silva não defendeu a manutenção permanente dos subsídios. Ao contrário: reconheceu que o setor não é vítima, mas parte do problema fiscal.

“Os setores produtivos buscam sobreviver através de desonerações e subsídios setoriais. Esses benefícios, que muitas vezes são dados em momentos justificáveis, acabam se perpetuando indefinidamente, o que afeta não só as contas públicas, mas também a eficiência econômica”, afirmou o presidente da Fiesp.

A lucidez que Gomes da Silva demonstrou é mercadoria em falta no debate sobre as contas públicas. De um lado, Lula da Silva diz não ter sido eleito para “fazer benefício para rico”, sem jamais admitir que foi justamente nos governos petistas que o gasto tributário da União mais cresceu na proporção do Produto Interno Bruto (PIB).

De outro, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), afirma que o País “não aguenta mais” aumento de impostos, como se a elevação da carga tributária não fosse consequência da recalcitrância do Legislativo em rever o gasto público, a começar pelas emendas parlamentares, que tiveram crescimento exponencial nos últimos cinco anos.

No meio desse embate, Gomes da Silva é uma exceção que confirma a regra. A maioria do setor privado defende o ajuste fiscal, desde que não seja ele mesmo a pagar uma parte da conta. Prova disso é o documento entregue por associações dos setores produtivo e financeiro a Lula da Silva em Paris.

Assinado pelas Confederações Nacionais das Seguradoras (CNseg), da Indústria (CNI), das Instituições Financeiras (Fin, ex-CNF), dos Transportes (CNT) e do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o documento, segundo o Broadcast/Estadão, lista uma série de medidas essencialmente corretas, mas peca pela ausência de autocrítica que Gomes da Silva soube expressar.

Para que não sejam afetados pelo aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e pela tributação de lucros e dividendos, prevista no projeto de lei que garante a isenção do Imposto de Renda dos que ganham até R$ 5 mil mensais, os setores propõem reduzir as despesas públicas com alternativas que preservem seu status – tais como a desvinculação entre os benefícios previdenciários e assistenciais e o salário mínimo, a retomada da correção dos pisos constitucionais da Saúde e da Educação pela inflação e a imposição de um teto de R$ 24 mil anuais para a dedução de despesas com saúde no Imposto de Renda da Pessoa Física.

Todas essas medidas, por óbvio, são razoáveis. O desafio do País não está no lado das receitas, mas no das despesas, e há muito a ser feito para trazer mais racionalidade e eficiência ao gasto público. O fato é que o tom do comunicado reforça a conveniente narrativa lulopetista segundo a qual o governo tenta heroicamente arrancar dinheiro dos ricos para dar aos mais pobres.

Em sua nota, Gomes da Silva relembra ainda o papel do Judiciário, que tenta manter-se alheio a essa discussão, mas não perde a oportunidade de criar penduricalhos para driblar o teto remuneratório, e do setor financeiro, que lucra com ou sem ajuste fiscal. Afinal, o esforço, de fato, cabe a todos.

“Ou seja, ou sentamos como adultos numa mesa – Executivo, Legislativo, Judiciário, empresários dos setores produtivo e financeiro, trabalhadores e representantes da sociedade civil –, em busca de entendimento para construção de um projeto para a Nação, ou afundaremos todos juntos”, adverte o empresário. Este jornal concorda em gênero, número e grau.

Molecagem como método

O Estado de S. Paulo

Audiência de Haddad na Câmara mostrou como bolsonaristas fazem mal ao debate público

A Câmara perdeu uma ótima oportunidade de contribuir para o aprimoramento do pacote de medidas apresentado pelo governo com vistas ao cumprimento da meta fiscal de 2025. A audiência conjunta do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, nas Comissões de Finanças e Tributação e de Fiscalização Financeira e Controle, realizada no dia 11 passado, terminou de forma abrupta em razão do descompromisso da oposição bolsonarista com o Brasil, em particular dos deputados arruaceiros Nikolas Ferreira (PL-MG) e Carlos Jordy (PL-RJ).

Como é notório, não é de hoje que a bancada do PL prova que nada de bom tem a oferecer ao País, restando-lhe encenar no Congresso um espetáculo da pior qualidade para sua audiência nas redes sociais. A direção do partido decerto se orgulha de tê-lo transformado, em troca de votos – leia-se Fundo Partidário –, numa ermida para criminosos, como Carla Zambelli, e deputados e senadores escravos das telas, incapazes de raciocinar fora da lógica algorítmica. Portanto, foi exatamente para bagunçar, e não para discutir as propostas de Haddad, que os srs. Nikolas Ferreira e Carlos Jordy tomaram assento na audiência.

Prova maior disso é que, para fustigar o ministro, ambos usaram palavras claramente planejadas para produzir os chamados “cortes” para as redes sociais, viraram as costas e deixaram a sessão. Haddad, com razão, afirmou que não é assim que se trava um debate político republicano, qualificando a atitude dos deputados como “molecagem”. Foi o que bastou para que Nikolas e Jordy voltassem à sala e protagonizassem o banzé a que o País assistiu, levando ao encerramento da audiência sem que uma só das mal-ajambradas medidas do governo fosse escrutinada de forma séria – e razões para isso não faltavam.

O debate entre parlamentares e membros do governo de turno no Congresso é uma das expressões mais vivas do sistema de freios e contrapesos. Não é por outra razão que, quando convocados, ministros de Estado são obrigados a comparecer às audiências, sob pena de cometer crime de responsabilidade. Há razão para tanto rigor. É nesse locus que a sociedade, por meio de seus representantes eleitos, escrutina as ações e omissões do Executivo para, idealmente, aprimorá-las tendo em vista o melhor interesse público. O Congresso, porém, tem mostrado cabal despreparo – para dizer o mínimo – para exercer essa nobilíssima missão, haja vista as tocaias armadas contra a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, no Senado e, agora, contra Haddad na Câmara, entre outras.

É lamentável que parte expressiva do Legislativo, ao invés de assumir com seriedade as incumbências que lhe foram conferidas pelas urnas, prefira converter o espaço do debate democrático em palco para encenações grotescas voltadas exclusivamente à manutenção de relevância digital. A molecagem com Haddad foi só mais uma amostra de como a oposição bolsonarista, ao renunciar à política como instrumento de diálogo e construção, transformou o Congresso em terreno estéril para qualquer discussão racional sobre as questões mais prementes do País. Resta aos eleitores genuinamente preocupados com o Brasil escolher melhor seus representantes.

Questão fiscal exige saída negociada entre Poderes

Correio Braziliense

Um projeto para derrubar o decreto presidencial que reduziu os efeitos da elevação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre crédito, câmbio e seguros será posto em pauta na próxima semana

"Casa onde falta pão, todo mundo briga e ninguém tem razão." Esse velho ditado popular resume bem a situação do estresse entre os Poderes sobre a questão fiscal. Executivo e Legislativo precisam chegar a um acordo sobre como enfrentar o problema do deficit público, no qual cada um tem uma dose de responsabilidade. O primeiro deveria gastar menos do que arrecada; o segundo, renunciar a parte dos recursos das emendas parlamentares.

No momento, assistimos a uma queda de braços entre o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), e o da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Um projeto para derrubar o decreto presidencial que reduziu os efeitos da elevação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre crédito, câmbio e seguros será posto em pauta na próxima semana. Entretanto, o decreto havia sido pactuado entre a cúpula do Congresso e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no fim de semana passado. As novas propostas atingem o agronegócio, a construção civil e o setor de infraestrutura, que têm acesso fácil a lideranças da Câmara e do Senado.

A MP estabelece uma alíquota de Imposto de Renda de 5% para títulos que hoje gozam de isenção, como as Letras de Crédito Imobiliário (LCI) e do Agronegócio (LCA) e as debêntures incentivadas. Mesmo com a mudança, esses papéis permanecerão mais atraentes que outros produtos financeiros semelhantes. Mas, segundo os setores afetados, o custo do financiamento imobiliário, do Plano Safra e dos investimentos em infraestrutura aumentará.

As fintechs terão a alíquota de 9% no recolhimento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) aumentadas para 15% ou 20%, a mesma aplicada aos bancos tradicionais, com os quais elas concorrem. Esse setor do mercado financeiro alega que a medida vai comprometer a inclusão financeira e dificultar a oferta de serviços gratuitos aos mais pobres. As bets passarão a pagar de 12% para 18%.

Esses setores têm lobbies poderosos no Congresso, que assumiu um discurso segundo o qual a sociedade não aceita mais medidas que aumentem impostos. Entretanto, não oferecem alternativas para equilibrar receitas e despesas. Os partidos do Centrão participam do governo, ou seja, são sócios dos gastos, mas têm rejeição a novos aumentos da carga tributária. Nesta semana, a Mesa Diretora da Câmara propôs um PL que permitiria aos parlamentares acumularem salários e aposentadorias.

Por outro lado, o presidente Lula se recusa a debater a necessidade de redimensionar o Estado e melhorar a qualidade do gasto, mesmo sabendo que não tem maioria no Congresso para resolver o problema do deficit público com aumento de impostos. É um diálogo de surdos.

O governo mudou o regime fiscal por ele próprio criado para não ter de obter qualquer superavit nas contas públicas durante quatro anos. Como terá de zerar o deficit em 2026, ano de eleições, saiu em busca de mais arrecadação para não ter de cortar despesas, que seguem crescendo. Deu errado. O regime fiscal não foi feito para reduzir despesas, mas, sim, para disciplinar e garantir seu crescimento. Isso não aconteceu.

A economia cresce e não precisa de mais estímulos. Trata-se de conter a expansão das despesas obrigatórias acima das receitas e construir superavits fiscais. Como evitar sacrifícios apenas à população mais vulnerável e reduzir privilégios corporativos? A lógica da negociação responsável deve prevalecer. A crise atual não se restringe ao orçamento: ela é também uma crise de credibilidade da democracia. Por isso mesmo, o Executivo e o Legislativo devem buscar saídas negociadas e responsáveis.

O difícil equilíbrio

O Povo (CE)

É de se lamentar que Executivo e Legislativo não consigam chegar a um acordo para resolver um problema que afeta a todos os brasileiros

Em uma conjuntura de aumento de tensão entre o Executivo e o Legislativo, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, disse que vai pôr em votação, na segunda-feira, a urgência do projeto legislativo que derruba o decreto do governo sobre o Imposto de Operações Financeiras (IOF). O mal-estar entre Executivo e Legislativo pode ser medido com a urgência proposta por Motta em derrubar um decreto presidencial, medida rara no Congresso Nacional.

A iniciativa do governo e a reação de Motta aconteceram após o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ter-se reunido com os líderes partidários do Congresso Nacional. Ao fim do encontro, Haddad afirmou que o aumento do IOF seria revisto, mas haveria elevação de impostos. Seriam mais tributadas as casas de apostas online (bets), bancos digitais (fintechs), além do corte de benefícios tributários para empresas. Medida provisória (MP) foi emitida para esse fim. Desse modo, haveria receitas no Orçamento para garantir o equilíbrio fiscal deste ano.

Tudo parecia apontar para um acordo sobre o assunto. Mas algum ruído aconteceu neste espaço de tempo, pois as medidas anunciadas pelo governo desagradaram ao presidente da Câmara, de setores da base governista no Congresso, além das esperadas críticas da oposição. A principal rejeição às medidas anunciadas refere-se ao aumento de impostos.

Quanto às proposições contidas na MP, Motta alertou não haver compromisso de aprovação das medidas. Ele afirma que algumas poderão ser "apoiadas" e outras não. Para ele, "o clima não é favorável ao aumento de impostos".

No entanto, por trás desses motivos explicitados publicamente podem se esconder outros interesses. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, voltou a cobrar esclarecimentos sobre as emendas parlamentares, desagradando congressistas que se beneficiam politicamente do instrumento — e imaginam que o governo tenha o poder de barrar uma decisão do STF. Líderes governistas, por sua vez, ameaçam com o congelamento das emendas, caso o Congresso derrube o decreto do IOF.

É de se lamentar que Executivo e Legislativo não consigam chegar a um acordo para resolver um problema que afeta a todos os brasileiros e, pior, quando as emendas entram na equação como moeda de troca ou de intimidação.

Não é possível imaginar que, entre as medidas apresentadas pelo governo e as proposta que defendem o presidente da Câmara, Hugo Motta, e outros segmentos do Parlamento, não exista um meio-termo que possa agradar as partes em confronto e, ao mesmo tempo, alcance o montante de recursos necessários para chegar ao equilíbrio das contas públicas.

 

 

Nenhum comentário: