Da minha geração nordestina dos anos 1960, Dênis Bernardes era seguramente o mais talentoso (Gildo Marçal Brandão).
Escritas no ano de 2006 pelo cientista político e professor da Universidade de São Paulo, Gildo Marçal Brandão, as palavras da epígrafe acima explicitam o reconhecimento da grandeza intelectual do grande mestre que acaba de nos deixar, quando da publicação daquele que seguramente é o seu livro mais brilhante: O patriotismo constitucional: Pernambuco, 1820-1822.
Alagoano como Dênis, a morte do amigo Gildo, em 15 de outubro de 2010, aos 61 anos, causou-lhe uma profunda dor, uma dor proporcional àquela que todos nós — alunos, professores e técnicos — da Universidade Federal de Pernambuco, que tivemos a oportunidade de conhecê-lo mais de perto, sentimos em ocasião do seu falecimento neste 1º de setembro, aos 64 anos.
Historiador de uma erudição ímpar, Dênis foi um intelectual que, como poucos, soube fundir inteligência e generosidade. Todos os relatos feitos durante a sua despedida, no auditório João Alfredo, na Reitoria da UFPE, nesta triste manhã de domingo, procuravam reconhecer tal fusão. Porém, de todos os emocionados testemunhos, é impossível não destacar aquele feito pela filha da trabalhadora doméstica que, incentivada por Dênis, em meio à sua biblioteca olindense, chegou, anos depois, à universidade, tornando-se graduada e pós-graduada.
De fato, tal depoimento revela por inteiro o compromisso ético-político deste historiador que, alinhado ao que de melhor existe no campo do pensamento crítico, optava por dar destaque em suas ricas análises às rupturas e transformações sociopolíticas ao invés de enfatizar a força modorrenta das permanências e continuidades de longa duração, o que o levava a sempre desconfiar das investigações que enfatizavam, em suas conclusões, a potência da inércia histórica, as amarras temporais responsáveis pela reprodução social. Por isso, para Dênis, as lutas políticas travadas por Frei Caneca e Gervásio Pires, no contexto da Revolução Pernambucana de 1817 e da Confederação do Equador de 1824, não poderiam deixar de ser realçadas com vigor pelo discurso historiográfico.
Daí, por outro lado, a sua preocupação crescente com a história dos direitos, em particular com o desenvolvimento histórico da “proteção social nas constituições brasileiras” — título da disciplina por ele criada e ministrada no Departamento de Serviço Social, há alguns anos.
Finalizo a presente nota, neste momento em que a perda do mestre ainda causa uma forte dor, deixando que ele mesmo expresse aquela que foi a sua grande utopia, num dos seus últimos escritos. Então, num prefácio dedicado à memória do amigo Gildo, com o significativo título “O projeto de uma humanidade livre da miséria”, escrito para um livro meu publicado no final de 2011, o historiador que fez da inteligência generosidade afirmava que:
O projeto de uma humanidade livre da miséria, da fome, da exploração, das injustiças, da ignorância esteve presente ao longo da história e, felizmente, ainda não desapareceu do seu horizonte [...]. Pois esta é uma luta na qual o passado é uma referência fundamental, contudo, jamais encerrada e ainda presente.
Pois bem, uma das maneiras de manter viva a memória desse homem que tanto se engajou no resgate e preservação da memória histórica em nosso país talvez seja dar continuidade à luta por esse projeto. Com isso, por muito tempo ainda, poderemos exclamar: Dênis, presente!
Marco Mondaini é professor do Serviço Social da UFPE.
Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil.
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