segunda-feira, 21 de abril de 2025

Tiradentes, anistia e o Peru - Diogo Schelp

O Estado de S. Paulo

‘Patriotas’ que participaram de atos golpistas são os ‘novos Tiradentes’ para bolsonaristas

A analogia partiu do próprio bolsonarismo: em abril de 2022, o ex-ministro da Cidadania João Roma disse que o então presidente Jair Bolsonaro “salvou da forca o novo Tiradentes”. Roma referia-se à graça que Bolsonaro havia acabado de conceder ao ex-deputado Daniel Silveira para livrá-lo da cadeia por atentar contra a democracia e por ameaças aos ministros do STF. O indulto foi anulado pelo mesmo Supremo. Silveira cumpre pena, meio esquecido pelos colegas.

Há outros para ocupar o seu lugar. No imaginário bolsonarista, o Brasil tem hoje muitos “novos Tiradentes”. Entre eles, centenas de “patriotas” que enfrentam a Justiça por participar dos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. Não se trata apenas de questionar se as sentenças são muito duras, mas de alegar inocência. Eles não teriam feito nada de errado, apenas se manifestado por “liberdade”, palavra usada por Bolsonaro tanto para justificar o seu perdão a Silveira dois anos atrás, quanto, atualmente, para defender a anistia aos condenados do 8 de Janeiro.

O mito de Tiradentes como um mártir da liberdade é uma fabricação do início da República, cem anos depois de sua morte, com contornos religiosos. Esse apelo também perpassa a lógica do sacrifício atribuído aos envolvidos no 8 de janeiro e, principalmente, ao inspirador de todos eles, o mártir supremo Jair Bolsonaro, que sua esposa Michelle disse ter sido enviado por Deus.

A liberdade que eles defendem, porém, é diferente daquela que Tiradentes historicamente representa: ela não valeria para quem não apoiasse o golpe, caso ele desse certo. É para isso que servem golpes, afinal. No vale-tudo para pressionar a liderança da Câmara para votar a anistia em regime de urgência, até o asilo concedido a uma ex-primeira-dama do Peru, na semana passada, tem servido de argumento. O que se alega é que, se uma condenada por corrupção em outro país pode receber a proteção territorial do governo brasileiro para ficar sem punição, o mesmo devia valer para os condenados de 8 de janeiro — afinal, é tudo uma decisão política. Balela. Asilo é uma prerrogativa diplomática que não se equipara a um perdão ou a uma absolvição. Em governos anteriores do PT, um ditador paraguaio elogiado por Bolsonaro teve garantido o seu asilo por aqui até o fim da sua vida e um senador de direita, perseguido pelo então presidente boliviano de esquerda, encontrou guarida na nossa embaixada e depois no Brasil. Asilo não é anistia e Bolsonaro não é Tiradentes. •

 

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