domingo, 4 de maio de 2025

A hora de Francisco - Bernardo Mello Franco

O Globo

O telefone tocava sem parar no escritório do arcebispo de Buenos Aires, mas não havia ninguém para atender. Era 11 de fevereiro de 2013, e Jorge Mario Bergoglio havia saído cedo para visitar a emissora de TV da Igreja. De volta ao gabinete, o cardeal foi alcançado por um jornalista que ligava de Roma. Ao ouvir as primeiras palavras, arregalou os olhos.

“Fiquei alguns segundos paralisado, quase não acreditava no que meu interlocutor dizia ao telefone. Era uma notícia que eu nunca teria imaginado ouvir na minha vida”, lembrou, tempos depois.

Bento XVI havia renunciado, e era preciso marcar um conclave para escolher o novo Papa. Pela primeira vez em 600 anos, a Igreja viveria uma sucessão sem funeral.

“Queria permanecer no Vaticano apenas o tempo necessário. Meu foco eram as celebrações de Páscoa na Argentina”, disse Bergoglio, em depoimento ao jornalista Fabio Marchese Regina que deu origem ao livro “Vida: a minha história através da História”.

Antes de embarcar para Roma, o cardeal voltou à emissora religiosa, onde costumava pegar DVDs emprestados. Separou a comédia “Habemus Papam”, do italiano Nanni Moretti, para assistir no retorno a Buenos Aires. “Mas as coisas acabaram não saindo como o planejado”, gracejou.

Fora das listas de favoritos, Bergoglio escapou do assédio da imprensa no período agitado que precede os conclaves. Em 9 de março, a três dias do início da eleição, chegou sua vez de falar na reunião dos cardeais.

“Quando a Igreja não sai de si mesma para evangelizar, torna-se autorreferencial e adoece”, advertiu. Em meio a uma onda de escândalos que abalava o catolicismo, ele sustentou que o próximo Papa precisava fazer “mudanças” e tocar as “reformas possíveis”.

“Aquele discurso foi minha condenação! Menos de três minutos que mudaram minha vida”, brincaria o argentino, anos depois. “Houve aplausos, e mais tarde disseram que, a partir daquele momento, meu nome começou a circular”, contou.

O cardeal disse não ter percebido nada até o último dia de votação na Capela Sistina. “Meu foco estava nas homilias deixadas inacabadas em Buenos Aires, e eu não via a hora de voltar para casa”, garantiu.

Na tarde de 13 de março, Bergoglio começou a notar o perigo. O arcebispo de Havana pediu cópia de seu discurso no pré-conclave. Ele explicou que só tinha o manuscrito original para dar. “Ah, que maravilha! Levo para casa uma lembrança do novo Papa!”, festejou o cubano.

Ao pegar o elevador, o argentino foi interpelado pelo arcebispo emérito de Santiago, que perguntou se o discurso estava pronto. “Que discurso?”, reagiu. “O de hoje, que você fará quando surgir do balcão central da basílica”, respondeu o chileno.

A ficha caiu de vez quando um cardeal espanhol quis saber se era verdade que ele só tinha um pulmão. Surpreso com o questionamento, Bergoglio explicou que tinha perdido apenas um lobo do pulmão direito. Ali ele entendeu que havia virado alvo da boataria que ronda os favoritos a cada conclave. “Foi o momento preciso em que me dei conta de que os cardeais estavam pensando em mim como sucessor de Bento XVI”, disse o futuro Papa Francisco.

Notícias do Vaticano

O jornalista Clóvis Rossi dizia que não há eleição mais difícil de cobrir que a de Papa. “Os cardeais-eleitores parecem sinceramente convencidos de que há um só cabo eleitoral que tudo decide. Chama-se Espírito Santo”, resumiu certa vez. Nos próximos dias, dou uma pausa na coluna para trazer notícias do conclave.

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