O Globo
O telefone tocava sem parar no escritório do
arcebispo de Buenos Aires, mas não havia ninguém para atender. Era 11 de
fevereiro de 2013, e Jorge Mario Bergoglio havia saído cedo para visitar a
emissora de TV da Igreja. De volta ao gabinete, o cardeal foi alcançado por um
jornalista que ligava de Roma. Ao ouvir as primeiras palavras, arregalou os
olhos.
“Fiquei alguns segundos paralisado, quase não
acreditava no que meu interlocutor dizia ao telefone. Era uma notícia que eu
nunca teria imaginado ouvir na minha vida”, lembrou, tempos depois.
Bento XVI havia renunciado, e era preciso marcar um conclave para escolher o novo Papa. Pela primeira vez em 600 anos, a Igreja viveria uma sucessão sem funeral.
“Queria permanecer no Vaticano apenas o tempo
necessário. Meu foco eram as celebrações de Páscoa na Argentina”, disse
Bergoglio, em depoimento ao jornalista Fabio Marchese Regina que deu origem ao
livro “Vida: a minha história através da História”.
Antes de embarcar para Roma, o cardeal voltou
à emissora religiosa, onde costumava pegar DVDs emprestados. Separou a comédia
“Habemus Papam”, do italiano Nanni Moretti, para assistir no retorno a Buenos
Aires. “Mas as coisas acabaram não saindo como o planejado”, gracejou.
Fora das listas de favoritos, Bergoglio
escapou do assédio da imprensa no período agitado que precede os conclaves. Em
9 de março, a três dias do início da eleição, chegou sua vez de falar na
reunião dos cardeais.
“Quando a Igreja não sai de si mesma para
evangelizar, torna-se autorreferencial e adoece”, advertiu. Em meio a uma onda
de escândalos que abalava o catolicismo, ele sustentou que o próximo Papa
precisava fazer “mudanças” e tocar as “reformas possíveis”.
“Aquele discurso foi minha condenação! Menos
de três minutos que mudaram minha vida”, brincaria o argentino, anos depois.
“Houve aplausos, e mais tarde disseram que, a partir daquele momento, meu nome
começou a circular”, contou.
O cardeal disse não ter percebido nada até o
último dia de votação na Capela Sistina. “Meu foco estava nas homilias deixadas
inacabadas em Buenos Aires, e eu não via a hora de voltar para casa”, garantiu.
Na tarde de 13 de março, Bergoglio começou a
notar o perigo. O arcebispo de Havana pediu cópia de seu discurso no
pré-conclave. Ele explicou que só tinha o manuscrito original para dar. “Ah,
que maravilha! Levo para casa uma lembrança do novo Papa!”, festejou o cubano.
Ao pegar o elevador, o argentino foi
interpelado pelo arcebispo emérito de Santiago, que perguntou se o discurso
estava pronto. “Que discurso?”, reagiu. “O de hoje, que você fará quando surgir
do balcão central da basílica”, respondeu o chileno.
A ficha caiu de vez quando um cardeal
espanhol quis saber se era verdade que ele só tinha um pulmão. Surpreso com o
questionamento, Bergoglio explicou que tinha perdido apenas um lobo do pulmão
direito. Ali ele entendeu que havia virado alvo da boataria que ronda os
favoritos a cada conclave. “Foi o momento preciso em que me dei conta de que os
cardeais estavam pensando em mim como sucessor de Bento XVI”, disse o futuro
Papa Francisco.
Notícias do Vaticano
O jornalista Clóvis Rossi dizia que não há eleição mais difícil de cobrir que a de Papa. “Os cardeais-eleitores parecem sinceramente convencidos de que há um só cabo eleitoral que tudo decide. Chama-se Espírito Santo”, resumiu certa vez. Nos próximos dias, dou uma pausa na coluna para trazer notícias do conclave.
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