Folha de S. Paulo
Hoje, a internet é uma espécie de terceira
natureza, que conduz mentes vulneráveis por veredas sinistras
Em intervenção exemplar, a polícia carioca antecipou-se a um crime, prendendo três jovens maiores de idade que planejavam matar um morador de rua no domingo de Páscoa. A execução seria transmitida online a um público pagante, expectadores habituais de suas exibições de maus tratos a animais e pregações contra mulheres, negros e homossexuais. Apurou-se que é largo o espectro de adolescentes atraídos por essa iniciação à barbárie.
É coisa antiga a atração pública pelo crime.
Richard Speck, conhecido como "o monstro de Chicago" por ter
assassinado em uma noite de verão (1966) oito enfermeiras, recebia, na prisão,
cartas de amor anônimas, algumas com dinheiro, outras com sua foto marcada de
batom. As paixões inflamadas por anomalias alimentam o espetáculo do crime.
Isso que Jean-Paul Sartre atribuía, na França, à "imprensa de direita da
bunda e do sangue" e o levou a participar da fundação do Libération como
um diário que contribuísse para o desenvolvimento real da democracia política
por meio de uma "escrita-falada", próxima ao mundo do trabalho.
O alvo crítico de Sartre era o
"fait-divers", isto é, os relatos jornalísticos sobre a irrupção do
insólito, identificado sempre com alguma violação das normais culturais ou
naturais, como o acidente, o crime, a catástrofe. Só que isso não estava
necessariamente ligado à direita política, e sim à imprensa sensacionalista,
que explorava o fascínio sadomasoquista dos leitores pelo mórbido ou pelo
horror. O que aí conta de fato são os sentimentos mais arcaicos do indivíduo,
em geral apreendidos pelas lentes da psicanálise e da psiquiatria.
Mas a recente notícia, pela imprensa
francesa, da morte
de uma jovem estudante em Nantes, assassinada com 57 facadas, oferece outra
perspectiva. Segundo o relato, o assassino, também adolescente, num manifesto
delirante, "sintetiza todas as loucuras ideológicas que gangrenam hoje as
nossas sociedades". Em treze páginas, fascinado por Hitler, ele denuncia o
"neurocapitalismo", supostamente responsável pela transformação dos
cérebros em instrumentos de dominação econômica e tecnológica, que promoveriam
um "ecocídio globalizado". É a sua justificativa para "vingar a
humanidade", assassinando uma desconhecida.
A cobertura jornalística não configura um
"fait-divers". Embora confinado a um hospital psiquiátrico, esse
jovem não é mero doente, protagonista isolado de um fato. Ao olhar crítico, ele
seria "talvez uma prévia da assustadora racionalidade dos loucos de
amanhã". Mais do que uma prévia, porém, um padrão ideológico já em curso
na realidade paralela e transnacional das redes sociais, onde se multiplicam
grupos organizados com motivações fascistas.
Os três jovens apreendidos pela polícia
carioca (o mais velho, de 24 anos, é militar) demonstravam racionalidade
operativa, comprovada no planejamento de suas lives de horror. As redes
constituem uma espécie de terceira natureza (a segunda é o hábito), que conduz
consciências vulneráveis por veredas sinistras. Não se trata de moldar cabeças,
velha hipótese sobre a influência da mídia, mas de caminhar na escuridão moral
aberta pelo espaço virtual. Se o motor do percurso é o prazer transgressivo
inerente à adolescência, o ponto de chegada é o crime real no fundo das redes.
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