Correio Braziliense
O grande problema da expansão do comércio com
a China não está nas rotas marítimas. É o sistema ferroviário, sobretudo o
engate da Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico) com a de Integração
Leste-Oeste (Fiol)
Deveria ter escrito esta coluna no último dia 22 de abril, o dia que os portugueses chegaram aqui, no ano de 1500. Organizada pela Coroa Portuguesa com o objetivo de consolidar o comércio com as Índias Orientais, a esquadra de Cabral tinha 13 navios e 1,2 mil homens, entre marinheiros, soldados, religiosos e comerciantes. Partiu de Lisboa em 9 de março de 1500, com destino oficial à cidade de Calicute, na Índia. Desviando-se da costa africana, intencionalmente ou por força dos ventos, Cabral navegou rumo ao sul e oeste, atingindo o litoral da Bahia, que chamou de Terra de Vera Cruz.
Após deixar o Brasil, a frota enfrentou uma
grande tempestade no Atlântico Sul e perdeu quatro navios. Em setembro de 1500,
os restantes chegaram a Calicute. Houve conflitos com muçulmanos locais e
ataques ao entreposto português, instalado por Vasco da Gama. Cabral bombardeou
a cidade, mas conseguiu fazer acordos comerciais em Cochim e Cananor,
estabelecendo bases portuguesas na região. O comércio regular com as Índias
consolidou a chamada Carreira das Índias e o império ultramarino português.
Os portugueses foram os primeiros europeus a
estabelecer contato direto e duradouro com a China Imperial. Em 1513, o
navegador português Jorge Álvares desembarcou em Tamão (perto de Hong Kong). Em
1517, Fernão Pires de Andrade liderou uma missão diplomática a Cantão, mas
fracassou devido às desconfianças. Somente em 1557, os portugueses obtiveram
autorização do governo Ming para se estabelecerem na China.
Macau serviu de elo entre Japão, China e
Europa, inclusive como base do comércio com Manila (controlada pelos espanhóis
nas Filipinas). Apesar da decadência do seu império colonial, cujo colapso
definitivo se deu com a independência de Angola, Moçambique, Guiné Bissau e
Cabo Verde, Portugal manteve a administração de Macau até 1999, quando a
devolveu à China.
Novo porto seguro
A velha Rota do Caminho das Índias ainda é a
mais utilizada para as exportações brasileiras, principalmente pelos navios de
grande porte, devido aos custos. Na Rota do Panamá, o trajeto Porto de Santos,
Canal do Panamá, Oceano Pacífico, Mar da China Meridional, Porto de Xangai ou
Guangzhou tem aproximadamente 19 mil km, com duração de 30 a 35 dias,
dependendo do tipo de navio, clima e escalas. A rota é mais curta (e vantajosa
para o Norte e o Nordeste), porém, mais cara, devido aos custos da passagem pelo
canal, filas de espera e limites de tonelagem dos navios.
Já a Rota do Cabo da Boa Esperança, com
trajeto Santos, Atlântico Sul, Cabo da Boa Esperança, Oceano Índico, Malaca e
Mar da China, tem de 22 mil a 24 mil km, leva de 35 a 45 dias, mas é mais
barata, porque não tem pedágio e permite navios gigantes. Recentemente, o
Brasil e a China inauguraram uma nova rota, conectando o Porto de Gaolan, na
cidade de Zhuhai, aos portos brasileiros de Santana (AP) e Salvador (BA).
Essa rota atravessa o Estreito de Malaca e o
Cabo da Boa Esperança, reduzindo o tempo de transporte em até 15 dias e os
custos logísticos em mais de 30%, em comparação com as rotas tradicionais. Com
a construção de um novo terminal em Ilhéus, a Bahia terá o terceiro maior
complexo portuário do país. Além disso, o Porto do Pecém (CE) inaugurou outra
rota marítima que reduz o tempo de navegação da China para o Ceará de 60 para
30 dias. Essa iniciativa beneficia especialmente o comércio de produtos perecíveis
e fortalece o Nordeste no comércio exterior.
O problema logístico da relação com a China
não é a ligação com o mega-porto de Chancay, inaugurado pessoalmente por Xi
Jinping no Peru, em novembro de 2024. É desafogar os portos existentes e
diversificar as rotas. Santos responde por 28% das exportações brasileiras,
sobretudo de soja, açúcar, café, carnes e contêineres diversos. Paranaguá (PR),
um dos maiores portos graneleiros do mundo, exporta soja, milho, trigo e farelo
de soja. Itaguaí (RJ) envia minério de ferro; Rio Grande (RS), grãos, carnes e fertilizantes;
Suape (PE), contêineres, produtos petroquímicos e combustíveis; Vitória (ES),
mármore, granito, aço e celulose; e Pecém (CE), granito, mármore, castanha de
caju, cera de carnaúba, frutas, carnes, calçados e têxteis.
O grande gargalo no comércio com a China, que
pode sofrer um colapso logístico com a nova supersafra de grãos — sobretudo de
soja —, também não está nas rotas marítimas. O gargalo é o sistema ferroviário,
sobretudo o engate da Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico) com a
Ferrovia de Integração Leste-Oeste (Fiol), com 2,7 mil km, ambas parcialmente
em execução e em processo de concessão ao setor privado. A travessia do
Centro-Oeste, especialmente Mato Grosso e Goiás, ao Porto Sul, em Ilhéus, na Bahia,
está com as obras paralisadas por causa da renovação de concessões
imprevidentes e uma queda de braço entre o ministro da Casa Civil, Rui Costa
(PT), e o ministro dos Transportes, Renan Filho (MDB), quanto ao modelo
institucional para resolvê-las legalmente.
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