O Estado de S. Paulo
A agressividade das potências terrestres pode provocar reações defensivas em potências marítimas
A ascensão do iliberalismo nos EUA é uma
tendência para além do fenômeno Trump? O componente fixo de um país é sua
geografia. A geopolítica clássica indica que potências marítimas de clima
temperado, como EUA, Reino Unido, Canadá, países nórdicos, França, Holanda,
Japão, Austrália e Nova Zelândia, tendem a ser liberais e prósperas porque
ancoram suas economias no comércio e na inovação, livres de invasores
terrestres.
Massas continentais terrestres, como Rússia e China, que têm grande parte dos territórios longe do mar, tornam-se potências inseguras, agressivas e autoritárias, por causa das recorrentes invasões de que foram alvo. A Alemanha é um caso híbrido, e daí sua oscilação entre liberalismo e nacionalismo.
A agressividade das potências terrestres pode
provocar reações defensivas e autoritárias em potências marítimas, como se deu
com o Japão imperialista, em disputas territoriais com China e Rússia. Sua
derrota na 2.ª Guerra, combinada com a reconstrução direcionada pelos EUA,
levou à sua consolidação como potência marítima liberal democrática.
Claro que essa é uma simplificação das
teorias de Halford Mackinder e Nicholas Spykman. Eles jamais pretenderam
aprisionar o destino dos países nesses conceitos estreitos. Seu objetivo era
advertir para a força causal da geografia, de modo a ajudar o engenho humano a
superá-la. Falo de tendências, não de determinismos.
O Pivô Geográfico da História, de Mackinder,
de 1904, e A
Geografia da Paz, de Spykman, publicada um
ano depois de sua morte, em 1943, revelaram-se proféticas a respeito das duas
guerras mundiais, no primeiro caso, e da Guerra Fria, no segundo. Ambos
colocaram a geografia no centro da história.
REAÇÃO AMERICANA. O deslocamento da indústria
americana para a China criou ressentimentos no interior da massa continental
dos EUA, equivalente às áreas conservadoras e inseguras distantes do mar na
Europa e na Ásia.
Daí as tarifas e o desejo de Trump de tomar o
Canal do Panamá, a Groenlândia e o Canadá para contestar o domínio marítimo
chinês e proteger o flanco norte. Ao sul, a fonte de insegurança é a pressão
demográfica do México, representada pela imigração, que Trump tenta conter.
São percepções de ameaça ditadas pela
geografia, e portanto duradouras. A construção de uma resposta alternativa que
preserve os valores liberais, chave do sucesso dos EUA, dependerá do surgimento
de novas lideranças democratas e republicanas, num esforço intelectual e
político. •
Nenhum comentário:
Postar um comentário