domingo, 4 de maio de 2025

As ameaças ditadas pela geografia - Lourival Sant’Anna

O Estado de S. Paulo

A agressividade das potências terrestres pode provocar reações defensivas em potências marítimas

A ascensão do iliberalismo nos EUA é uma tendência para além do fenômeno Trump? O componente fixo de um país é sua geografia. A geopolítica clássica indica que potências marítimas de clima temperado, como EUA, Reino Unido, Canadá, países nórdicos, França, Holanda, Japão, Austrália e Nova Zelândia, tendem a ser liberais e prósperas porque ancoram suas economias no comércio e na inovação, livres de invasores terrestres.

Massas continentais terrestres, como Rússia e China, que têm grande parte dos territórios longe do mar, tornam-se potências inseguras, agressivas e autoritárias, por causa das recorrentes invasões de que foram alvo. A Alemanha é um caso híbrido, e daí sua oscilação entre liberalismo e nacionalismo.

A agressividade das potências terrestres pode provocar reações defensivas e autoritárias em potências marítimas, como se deu com o Japão imperialista, em disputas territoriais com China e Rússia. Sua derrota na 2.ª Guerra, combinada com a reconstrução direcionada pelos EUA, levou à sua consolidação como potência marítima liberal democrática.

Claro que essa é uma simplificação das teorias de Halford Mackinder e Nicholas Spykman. Eles jamais pretenderam aprisionar o destino dos países nesses conceitos estreitos. Seu objetivo era advertir para a força causal da geografia, de modo a ajudar o engenho humano a superá-la. Falo de tendências, não de determinismos.

O Pivô Geográfico da História, de Mackinder, de 1904, e A

Geografia da Paz, de Spykman, publicada um ano depois de sua morte, em 1943, revelaram-se proféticas a respeito das duas guerras mundiais, no primeiro caso, e da Guerra Fria, no segundo. Ambos colocaram a geografia no centro da história.

REAÇÃO AMERICANA. O deslocamento da indústria americana para a China criou ressentimentos no interior da massa continental dos EUA, equivalente às áreas conservadoras e inseguras distantes do mar na Europa e na Ásia.

Daí as tarifas e o desejo de Trump de tomar o Canal do Panamá, a Groenlândia e o Canadá para contestar o domínio marítimo chinês e proteger o flanco norte. Ao sul, a fonte de insegurança é a pressão demográfica do México, representada pela imigração, que Trump tenta conter.

São percepções de ameaça ditadas pela geografia, e portanto duradouras. A construção de uma resposta alternativa que preserve os valores liberais, chave do sucesso dos EUA, dependerá do surgimento de novas lideranças democratas e republicanas, num esforço intelectual e político. •

Nenhum comentário: