O Globo
Apoiar a Rússia sem uma visão crítica na guerra contra a Ucrânia nos coloca em divergência com o Ocidente
A aguardada chegada, pelos bolsonaristas, de
um enviado especial do governo Trump para supostamente tratar, entre outras
coisas, de recados do governo americano ao Supremo Tribunal Federal (STF) e um
apoio explícito ao ex-presidente Bolsonaro, tem toda cara de fake news. O
enviado seria o Coordenador para Sanções David Gamble, que viria para ouvir
políticos brasileiros sobre ações do ministro Alexandre de Moraes e do
Procurador-Geral da República Paulo Gonet contra a oposição brasileira, para
caracterizar se estaríamos vivendo sob um regime antidemocrático que tolhe a
liberdade de expressão no país.
Seria risível, a começar pelo título do cargo, mas como o presidente dos Estados Unidos é capaz de publicar na rede oficial da Casa Branca uma foto sua forjada por inteligência artificial como se fosse um Papa da Igreja Católica, tudo é possível nesse mundo da pós-verdade. Até mesmo ser verdade que o presidente francês Emmanuel Macron está fazendo campanha em Roma a favor de um Cardeal progressista para suceder ao Papa Francisco.
Macron estaria especialmente empenhado em
barrar a possibilidade de o cardeal Robert Sarah, da Guiné, na África Ocidental
vir a ser o escolhido. O cardeal africano seria um apoiador da liturgia
tradicional na Igreja, e contra a migração em massa, que considera uma ameaça à
identidade cristã na Europa. Do jeito que o mundo vai, as coisas mais malucas
podem acontecer, e normalizar a anormalidade virou tarefa fácil.
No plano interno, a predominância das
mensagens pelas redes sociais estimula que Bolsonaro divulgue suas cicatrizes
abdominais, e a retirada da sonda nasal, com todos os detalhes escalafobéticos
que tais exibições proporcionam, revelando o baixo nível a que nossa política
está submetida. Substituir o ministro da Previdência, Carlos Lupi, por seu
secretário-geral, como maneira de tentar manter o PDT no controle da Pasta, e
não o perder para um potencial adversário, Ciro Gomes, seria uma solução
palatável para os aposentados que foram roubados? Claro que não, é uma saída
possível apenas, mas não suficiente para marcar a posição contrária do governo
petista que viu os trabalhadores, que seriam a essência da sua existência,
serem perversamente enganados por associações e sindicatos, origens do PT que
se tornaram algozes dos trabalhadores.
As complexas relações internas do petismo
fazem com que o terceiro governo de Lula se debata em contradições, num governo
que não tem apoio no Congresso e não consegue definir uma estratégia para a
campanha presidencial para sua sucessão. No plano externo, Lula prepara-se para
ir a Moscou festejar a Grande Guerra Patriótica, quando a União Soviética atuou
junto às forças aliadas ocidentais contra Hitler. Hoje, a Rússia está em luta
contra o Ocidente, que montou a OTAN depois da Segunda Guerra justamente para
evitar que invasões acontecessem, como agora na Ucrânia.
Ficar ao lado dos BRICS é útil nesse momento
em que os Estados Unidos declararam guerra tarifária no mundo. Mas apoiar a
Rússia sem uma visão crítica na guerra contra a Ucrânia nos coloca em
divergência com o Ocidente. Mais delicado ainda quando, no plano interno, a
única alternativa do PT é Lula mesmo, e a sorte do petismo é que do outro lado
está o bolsonarismo, que tem em Trump a sua última cartada.
Ao contrário do que esperavam, a vitória nos
Estados Unidos transformou Trump num peso para a direita internacional, diante
da formidável bagunça que está promovendo no mundo. Se a direita brasileira
apoia a vinda de um representante estrangeiro para se meter nas nossas questões
internas, coloca-se como uma força política traiçoeira, e só aumenta o receio
de que o bolsonarismo repita no país, caso vença a eleição, o mesmo roteiro de
vingança que Trump está executando nos Estados Unidos, com resultados desastrosos.
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