O Estado de S. Paulo
A realidade é que marchamos para uma nova
eleição presidencial num contexto de distância entre a sociedade e seus
representantes
Nos últimos tempos, tenho a impressão de que
o Estado brasileiro se liberou completamente das amarras sociais e navega
livremente pelo oceano de seus próprios interesses.
O Congresso é o lugar onde a liberdade de cuidar de si passou ater maior dimensão. Para começar, temos ocaso não resolvido das emendas. Não há controle social sobre ela se, em alguns casos, apenas a esperança de que, no sistema de pesos e contrapesos, o Supremo Tribunal Federal (STF) consiga frear o avanço dos congressistas. Rosa Weber tentou deter o orçamento secreto. Houve inúmeras escaramuças, masa Constituição não prevaleceu.
Da mesma forma, as tentativas do ministro
Flávio Dino para determinara transparência esbarram em grandes obstáculos. Como
foi um ministro indicado por Lula, o esforço para conter o Congresso acaba
repercutindo nos municípios. Deve estar aí a causa das vaias que o presidente
recebeu na marcha dos prefeitos em Brasília. Se foi esse o motivo, é sinal de
que o corpo político brasileiro não aceita mais a ideia de um Orçamento
nacional controlado pelo Executivo para realizar as promessas de uma campanha
presidencial.
Os resultados são conhecidos hoje:
fragmentação no uso dos recursos, irracionalidade, assim como uma corrupção
difusa e incontrolável.
Mas o barco navega por outras ondas. Na
semana passada, a Câmara aumentou o número de deputados, de 513 para 531, com
um impacto estimado, por baixo, de R$ 65 milhões ao ano. Não houve repercussão
social. Se fizermos uma pesquisa, certamente a maioria reprovaria este aumento.
Mas ela já não se dá mais ao trabalho de protestar, por cansaço.
Resta a esperança de que o Supremo detenha
esta manobra. Afinal, o que foi autorizado é apenas um reajuste nas bancadas,
proporcional ao número de habitantes por Estado. Alguns perderiam, outros
ganhariam, mas o número final não seria alterado.
Mas será que o STF vai enfrentar mais essa?
Há outras frentes no litígio entre as instituições. Uma delas foi aberta com a
suspensão do processo contra o deputado Alexandre Ramagem. O STF aceita não
processá-lo por crimes realizados depois da diplomação, mas os cometidos antes
estão de pé.
O caso é apenas um balão de ensaio destinado
a criar uma espécie de blindagem para os deputados. Fala-se em anular, da mesma
forma, o processo contra o ex-ministro das Comunicações Juscelino Filho, e a
própria Carla Zambelli deposita suas esperanças, depois de uma condenação a dez
anos de prisão.
Tudo isso enfraquece a democracia, como se
ela estivesse morrendo ao longo desses anos, com pequenos espasmos de
resistência.
O próprio Judiciário, em certos momentos,
também navega em águas turvas. É muito grande o número de altos funcionários da
Justiça que ganham salários acima do teto. Há investigações sobre venda de
sentenças no Superior Tribunal de Justiça e nos tribunais de Tocantins e Mato
Grosso.
Não se pode projetar no STF o papel de
salvador. Sua atuação contra o golpe de Estado foi elogiada de um modo geral,
mas logo alguns excessos surgiram a ponto de motivarem reportagens de veículos
internacionais como The Economist e The New York Times. O contraargumento é o
de que esses órgãos compraram as versões da extrema direita, mas não são
precisamente simpáticos a essa corrente política.
Resta o Executivo, sem condições de
estabelecer um equilíbrio.
Também se debate com notícias de corrupção no
INSS, embora estejamos tratando de um processo antigo, fraco demais para
confrontar o Congresso e dependente do STF.
No meu entender, está criada uma situação
semelhante à anterior a 2013, com a diferença de que as revoltas daquele ano se
desdobraram numa experiência que terminou com a vitória de um suposto outsider,
em 2018. Bolsonaro se dizia contra tudo o que está aí.
Apesar dessa experiência traumática, a
possibilidade do aparecimento de outsiders nas campanhas eleitorais continua de
pé, sobretudo porque eles podem tomar outras formas, criar novos discursos,
como aconteceu com Pablo Marçal na eleição municipal de São Paulo. Excluído do
processo por sua própria inexperiência e fragilidade política, ele acabou
revelando que uma parte da juventude buscava novos rumos, mais próximos do
universo cotidiano.
A realidade é que marchamos para uma nova
eleição presidencial num contexto de distância entre a sociedade e seus
representantes.
Grande parte dos deputados considera sua
reeleição tranquila com uma grande fatia do Orçamento para garantir sua volta.
No longo prazo, é apenas um sintoma da crise, porque isso anuncia que no nível
do Congresso não teremos novidade e o barco continuará seguindo suas rotas.
E o presidente que surgir do processo? Terá
força para impor sua posição, vai remar a favor da corrente, na esperança
modesta de preservar o poder?
O único problema nesta aprazível viagem é o
fato de que a sociedade é dinâmica e dificilmente vai aceitar essa pasmaceira
ao longo dos anos. Em algum momento, um iceberg vai se colocar no caminho deste
incontrolável barco estatal.
Por enquanto, é difícil definir os contornos
do desastre. Mas a possibilidade de que aconteça aumenta na medida em que o
barco se distancia da costa, onde vivem as pessoas com seus problemas e sonhos.
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