Um ataque à soberania brasileira
O Povo (CE)
A intromissão do governo dos Estados Unidos nos assuntos internos de outros países parece não ter limites. Depois da ameaça de anexar o Canadá e de "comprar" a Groenlândia — território autônomo pertencente à Dinamarca —, a brutal "diplomacia" de Donald Trump volta-se contra o Brasil.
O secretário de Estado, Marco Rubio, afirmou, em audiência na Câmara dos Deputados americana, que seu país estuda a possibilidade de aplicar sanções contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Moraes poderia ser impedido de entrar nos EUA e ter ativos financeiros congelados, caso mantenha contas bancárias nos Estados Unidos.
Durante a sessão, um deputado republicano acusou o STF de "perseguir a oposição, incluindo jornalistas e cidadãos comuns", e estaria em curso a "iminente a prisão politicamente motivada" do ex-presidente Jair Bolsonaro.
É claro que os trumpistas desconsideram que Bolsonaro é réu sob a acusação de crimes graves, como tentativa de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, entre outros delitos. Porém, como é próprio de um país democrático, ele tem assegurado o devido processo legal e o amplo direito de defesa.
No entendimento americano, as decisões de Moraes repercutem sobre pessoas que vivem nos Estados Unidos, por isso, ele estaria sujeito à Lei Magnitsky. Essa legislação foi criada para punir estrangeiros envolvidos em violações graves de direitos humanos e corrupção. Inicialmente, alcançava apenas a Rússia, mas depois foi ampliada para incluir todos os países do mundo.
Frente a isso, torna-se necessária uma resposta vigorosa e conjunta dos três poderes da República — Executivo, Legislativo e Judiciário —, rechaçando as ilações apresentadas pelas autoridades americanas. É preciso deixar claro aos EUA que o Brasil não aceita ofensas à sua soberania, exigindo respeito à institucionalidade brasileira. Washington está contratando uma crise diplomática com o Brasil, pois nenhum país soberano deixaria de dar uma resposta dura a tal intromissão em sua política interna.
A campanha contra o Brasil é comandada diretamente dos Estados Unidos pelo deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro, que se une a setores da extrema direita americana para atacar o Brasil. O bolsonarismo espera obter dividendos políticos se o governo americano aplicar sanções a Moraes, agradando principalmente os setores mais radicalizados do movimento.
No entanto, o mais provável é que aconteça o efeito rebote, com segmentos moderados da direita assumindo a defesa do país, o que fortaleceria a posição do governo. Além disso, o mais provável é que a maioria da sociedade veja com antipatia uma campanha que visa atacar a soberania brasileira.
O Globo
Brasil precisa de leis que o coloquem na vanguarda do desenvolvimento aliado à preservação da natureza
Passou da hora de o Brasil tratar o meio ambiente com uma perspectiva de preservação sustentável. Não se trata de impor entraves ao crescimento econômico, mas de conservar os recursos necessários ao próprio desenvolvimento. O Projeto de Lei (PL) 2.159/2021, aprovado no Senado na quarta-feira, é um exemplo do caminho a evitar. Ao facilitar a obtenção de licença ambiental, o texto — apelidado pelos ambientalistas de “PL da Devastação” — agravará a degradação do meio ambiente. Por isso a Câmara, ao voltar a examinar a pauta, para corrigir os vários erros, não tem alternativa a não ser engavetar o texto.
Há 21 anos, quando o tema começou a ser
debatido, o objetivo era desbastar o cipoal de leis sobre a concessão de
licenças — um objetivo meritório. Em 2011, depois de uma Lei Complementar
reforçar os poderes estadual e municipal no licenciamento, ganhou urgência a
necessidade de uma reforma. Com a fragmentação, uma mesma situação passou a
receber interpretações distintas. O que vale no Rio de Janeiro não valia na
Bahia ou em Goiás. Era necessário uniformizar a legislação. O problema do PL
aprovado pelo Senado é que, ao padronizar, nivelou por baixo. Em vez de elevar
a régua, nacionalizou algumas das piores práticas ambientais do país e não
resolveu a fragmentação, deixando poderes demais nas mãos dos entes
federativos.
O PL isentou de licenciamento diversas
atividades, da pecuária à infraestrutura, ao prever que empreendimentos de
pequeno e médio porte e potencial poluidor poderão receber uma licença
automática, autodeclaratória, a Licença por Adesão e Compromisso (LAC). Tal
medida dá o mesmo tratamento ao dono de um posto de gasolina e ao proprietário
de uma barragem como Mariana, palco do desastre de 2015 em Minas Gerais.
Bastará a promessa de seguir a lei para ter passe livre. Na visão da ONG
Observatório do Clima, o artigo sobre a LAC “é inconstitucional em sua
essência”. Outro artigo altera a Lei da Mata Atlântica, facilitando o
desmatamento.
Nas conversas e discursos no Senado, não
faltaram loas ao texto por “destravar obras” espalhadas pelo país. Como é comum
no Parlamento, vende-se algo desejável, com previsões irreais. Os resultados
poderão ter efeito oposto às promessas. Em vez de apressar a conclusão de
obras, pode haver mais atraso. Reduzir as fases no licenciamento para
empreendimentos de alto potencial poluidor de três para uma tende a aumentar a
judicialização, pois só será possível corrigir eventuais problemas na Justiça.
Pressionado, o Ministério Público ampliaria as contestações. Outro ponto de
lentidão poderá vir dos próprios órgãos responsáveis pelas licenças. Quem temer
processos provavelmente levará mais tempo antes de dar sinal verde. Afinal, só
terá uma chance de acertar, em vez de três.
A bancada do agronegócio e demais apoiadores
do projeto poderiam usar a volta do texto à Câmara para corrigir os problemas.
A destruição do meio ambiente alimenta o aquecimento global, prejudicial também
para os negócios, principalmente a agropecuária. No lugar de um PL “mãe de
todas as boiadas”, o Brasil precisa de leis que o coloquem na vanguarda do
desenvolvimento econômico aliado à conservação ambiental. A oposição entre
crescimento econômico e meio ambiente é falsa e enganadora. O país precisa de ambos,
e o Congresso deveria estar alinhado com esse compromisso.
Deputados desperdiçam oportunidade de
aperfeiçoar o serviço público
O Globo
Câmara aprovou reajuste para funcionalismo,
mas ignorou contrapartida na gestão das carreiras
A Câmara dos Deputados perdeu mais uma chance
de contribuir para melhorar a qualidade do serviço prestado à população pelo
funcionalismo. Preferiu deixar de lado propostas que avançam na direção de uma
necessária reforma
administrativa para apenas aprovar aumento salarial aos servidores. É
verdade que, no ano passado, foram prometidos reajustes a categorias que
fizeram greve, mas a proposta original do governo ia além. Não se resumia a
apenas aumentar o gasto com a folha de pagamento da União por meio de um
reajuste salarial médio de 27% — ao custo de R$ 74 bilhões nos Orçamentos de
2025, 2026 e 2027.
Foram deixadas de lado novas regras para a
progressão das carreiras no funcionalismo, vitais para modernizar o serviço
público. O Sistema de Desenvolvimento na Carreira (Sidec) ficou para ser
discutido por meio de um grupo de trabalho (GT), método conhecido de postergar
decisões. Sem ele, fica adiada a criação de um mecanismo baseado em pontos, que
poderiam depois ser usados na progressão das carreiras. Também estavam prontas
para ser votadas regras para avaliar quem chegou ao topo.
Deveriam ter sido ainda aprovados outros
aperfeiçoamentos importantes, como a ampliação da distância entre o salário
inicial do servidor e sua remuneração final na carreira. Hoje não demora para
que um recém-concursado alcance o topo — 13 anos em algumas categorias —, pois
reajustes costumam ser dados em função do tempo de serviço, e não do mérito
(distorção que uma reforma administrativa genuína deveria eliminar). Com isso,
faltam incentivos para melhorar o desempenho, e cria-se uma situação em que aumenta
a pressão por mais reajustes. O Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços
Públicos propôs mudanças que, para 90% do funcionalismo, estenderiam a 20 anos
o prazo para alcançar o topo da carreira.
Embora as lideranças do governo evitassem o
termo “reforma administrativa” para não se indispor com o aparato sindical,
todas as mudanças formavam um primeiro passo na direção necessária. E haviam
sido negociadas com os próprios sindicatos de servidores como contrapartida aos
reajustes. Mas as lideranças da Câmara decidiram procrastinar, deixando tudo a
cargo do grupo de trabalho. “O intuito do GT não é retirar direito de nenhuma
categoria, mas podemos ter mais eficiência e agilidade”, disse o presidente da
Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). Ora, as mudanças sugeridas não ferem o
direito de ninguém.
A frustração na Câmara precisa ser compensada
pelo Senado, para onde seguiu o projeto. Cabe aos senadores restabelecer o
espírito original da proposta. Temores político-eleitorais quanto à reação das
corporações sindicais não podem impedir a modernização das regras do
funcionalismo num país onde o gasto com servidores representa uma das maiores
despesas no Orçamento.
Dar acesso a dados sobre gasto público é obrigação do Estado
Valor Econômico
Decisão do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos de restringir acesso a documentos lança sombra sobre a execução de mais de R$ 600 bilhões em recursos federais
O presidente Lula fez da defesa da
transparência um mote de sua campanha eleitoral em 2022, mas o governo tem
promovido seguidos retrocessos no que diz respeito ao controle social sobre
informações que deveriam ser públicas. O mais recente caso é a decisão do
Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) de bloquear a
consulta a 16 milhões de documentos sobre obras, convênios, emendas
parlamentares e repasses de verbas a Estados, municípios e ONGs. Sob o
argumento de que dados pessoais estariam expostos - sempre utilizado pela
burocracia do Estado em vários governos -, em violação da Lei Geral de Proteção
de Dados (LGPD), o governo lançou uma sombra sobre a execução de mais de R$ 600
bilhões em recursos federais.
Antes da decisão do MGI, revelada por O Globo
(15/05), os documentos anexos podiam ser acessados por qualquer cidadão no
TransfereGov, um sistema que centraliza os dados sobre as transferências de
verbas da União com o intuito de ampliar o controle de órgãos de fiscalização e
da sociedade civil sobre a execução orçamentária. No rol de informações agora
restritas estão a prestação de contas sobre como esses recursos foram gastos,
notas fiscais, recibos e relatórios de execução. Também estão inacessíveis informações
relativas às emendas parlamentares, inclusive as que compõem o chamado
“orçamento secreto”, declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal
(STF) em 2022, em um momento em que avançam investigações e se avolumam
denúncias sobre a malversação nos repasses feitos pelo Congresso.
Ao tentar justificar a descabida decisão de
retirar do ar os documentos, o MGI lançou mão da interpretação de um parecer da
Advocacia-Geral da União (AGU) da qual o próprio órgão jurídico discorda. A
orientação, segundo o ministério, apontava a necessidade de proteger dados
considerados sensíveis, conforme a LGPD, como nomes, CPFs, RGs, e-mails e
contracheques. Em nota após o caso vir à tona, a AGU argumentou que seu parecer
era apenas opinativo. “Nada impede que os documentos continuem plenamente acessíveis,
auditáveis e publicamente disponíveis”.
O Ministério Público junto ao Tribunal de
Contas da União (MP-TCU) também considerou a decisão um retrocesso. Para o
subprocurador Lucas Rocha, que apresentou uma representação pedindo o fim da
restrição, a medida pode configurar violação dos princípios da moralidade
administrativa e cria obstáculos desnecessários para se ter acesso a dados que
deveriam ser proativamente divulgados pelo governo. Entidades que atuam em
defesa do acesso à informação igualmente criticaram o sigilo sobre os anexos,
argumentando que a decisão do MGI prejudica o direito da sociedade de
fiscalizar o uso de dinheiro público.
Esta não foi a primeira vez que informações
de interesse da sociedade foram tornadas sigilosas pelo governo, na contramão
das promessas de campanha eleitoral. Entre os dados que tiveram acesso restrito
desde o início do mandato estão, por exemplo, os nomes dos visitantes recebidos
pela primeira-dama, Janja Lula da Silva; a Declaração de Conflito de Interesses
apresentada por Alexandre Silveira, ministro das Minas e Energia, antes de
assumir o cargo; e as despesas com helicóptero presidencial e alimentação no
Palácio do Alvorada.
O governo Lula tampouco se difere do
antecessor na recusa aos pedidos de informações via Lei de Acesso à Informação
(LAI) com a justificativa de que se trata de dados pessoais, o que permite a
imposição de um sigilo de até 100 anos sobre os dados, cujo fim também havia
sido prometido na campanha. Nos dois primeiros anos de mandato do ex-presidente
Jair Bolsonaro, foram 4.095 pedidos via LAI negados sob esse pretexto (18,93%
do total). Já no primeiro biênio da nova gestão petista, esse número chegou a
3.244 (16,41% do total), de acordo com levantamento do portal g1.
Embora seja importante reconhecer que a LGPD
representa um avanço na proteção dos dados dos cidadãos, sua aplicação não pode
servir de escudo para restringir o acesso a informações de interesse público,
como faz a decisão do MGI. O argumento de que os dados sensíveis estariam
expostos, além de se tratar de uma interpretação equivocada do parecer da AGU,
não justifica a retirada dos anexos do TransfereGov. Há soluções técnicas que
podem ser adotadas para mascarar ou tornar anônimas as informações pessoais. O
governo diz estudar uma alternativa, mas não há prazo para que os documentos
voltem ao ar - o que revela uma falta de compromisso com a transparência.
Portanto, é urgente que o governo reveja a decisão do MGI e retire a restrição sobre os anexos. A transparência não é um valor negociável em países modernos e democráticos. É uma exigência constitucional e é um antídoto contra o mau uso do dinheiro público e a corrupção, permitindo que a sociedade civil auxilie as autoridades responsáveis ao identificar desvios, cobrar responsabilidades e garantir uma gestão eficiente. Além de um ataque à transparência, fragilizar sistemas como o TransfereGov ou a própria LAI compromete a própria democracia brasileira.
Não haverá dinheiro que baste para
universidades públicas
Folha de S. Paulo
Comunidade acadêmica protesta contra bloqueio
de verbas, mas deveria rediscutir contratações e financiamento privado
A Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) empregaram um tom
catastrofista ao divulgarem nota sobre medidas do governo Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) para a
contenção de gastos em universidades federais.
O que motivou o documento foi um decreto de
30 de abril, válido para toda a administração, que limitou
a liberação de recursos para custeio e investimento nas universidades
em 61% do autorizado no Orçamento até novembro. Nesta quinta (22), o governo
foi além e promoveu um congelamento preventivo de R$ 31,3 bilhões nos
ministérios.
Para as entidades ligadas à academia, a
restrição "inviabiliza
o funcionamento básico dessas instituições". O Brasil, diz o texto,
"desmonta suas universidades".
Esse tipo de discurso se repete há décadas no
setor, ao longo de governos de variadas inclinações ideológicas —nem mesmo
poupando a administração petista, adepta incondicional da expansão do ensino
superior público. Repetem-se notícias de que os estabelecimentos têm
dificuldades com pagamentos comezinhos de água e luz, enquanto docentes e
servidores entram em greves.
As 69 universidades federais de fato são
exemplos de distorções e vícios da gestão pública. Nessa condição, mostram-se
capazes de custar muito —em torno de R$ 70 bilhões no Orçamento deste ano—e, ao
mesmo tempo, sofrer com falta de recursos.
Tome-se o caso da maior delas, a UFRJ. A
instituição sediada no Rio de Janeiro conta com quase R$ 4 bilhões orçados
neste ano, mas 84,5% do montante (R$ 3,37 bilhões) é destinado ao pagamento de
pessoal ativo e inativo.
Como professores e até funcionários
administrativos dispõem de estabilidade no emprego, privilégio do funcionalismo
que tem alcance descabido no país, tal despesa é quase irredutível.
Em toda a administração federal, desembolsos
obrigatórios com salários e aposentadorias se expandem sob pressões sociais e
sindicais. O espaço para ajustes cada vez mais se limita ao custeio e aos
investimentos. Calcula-se que, nessa toada, a máquina federal entrará em
colapso já no início do próximo governo.
Além de rejeitarem políticas mais flexíveis
de contratações, as universidades públicas tampouco mostram alguma disposição
para rediscutir seu financiamento —aqui praticamente todo a cargo do
Estado.
A gratuidade ofertada mesmo a alunos de
famílias dos estratos mais ricos, além de agravar a vexatória desigualdade
social brasileira, priva as instituições de recursos que poderiam ser geridos
com maior flexibilidade.
Trata-se de um modelo custoso, iníquo e de
baixo incentivo à eficiência, defendido à base de discurso ideológico e prática
corporativista. Deveria ser revisto por iniciativa da própria comunidade
acadêmica, em vez de passar por ajustes forçados em mais uma crise fiscal da
qual se aproxima o Estado brasileiro.
Salão Oval vira campo minado para líderes
mundiais
Folha de S. Paulo
Trump acusa presidente da África do Sul de
promover genocídio branco; uso de intimidação na política externa é vexatório
Em mais uma emboscada no Salão Oval da Casa
Branca, na quarta (22), Donald Trump acusou
o presidente da África do Sul,
Cyril Ramaphosa, de promover um "genocídio de brancos" no país que,
há 31 anos, transitou da desumana política de apartheid para uma democracia de
unificação nacional.
Se Trump é afeito ao bullying e à
desinformação no mundo dos negócios, como chefe de Estado, sua insistência em
valer-se de tais instrumentos para achacar mandatários merece repúdio, a
começar o dos próprios americanos.
A
humilhação sofrida por Volodimir Zelenski, em fevereiro, já indicara o
nível de distorção da diplomacia dos EUA operada pelo novo mandatário.
Ramaphosa ansiava por cooperação e redução de tensões. Mas viu-se, como o
ucraniano, encurralado diante da imprensa mundial.
Trump
constrangeu o convidado ao exibir um vídeo que mostrava discursos de
políticos radicais contra os boers (fazendeiros brancos, detentores de 74% das
propriedades rurais do país) e imagens do que seria um cemitério de vítimas,
como tentativa de respaldar denúncia sobre um suposto racismo contra brancos.
"Essas falas não são política do
governo. Temos uma democracia multipartidária na África do Sul. Nosso governo é
completamente contrário ao que esse partido minoritário diz", explicou
Ramaphosa, acentuando que negros são as principais vítimas de violência e que
há altos funcionários brancos em sua comitiva.
A reforma
agrária aprovada pela África do Sul em janeiro suscitou o desatino de
Trump. Adotada sob a premissa de reduzir desigualdades, a lei tem dispositivo
controverso que impede a indenização a proprietários em casos de abandono ou
especulação.
O diploma, contudo, está tão distante de
mudar substancialmente o sistema fundiário do país quanto de disparar uma
perseguição à minoria branca.
Influenciado ou não por seu braço
direito, Elon
Musk, magnata nascido na África do Sul, Trump já vinha reagindo à
reforma: expulsou
o embaixador sul-africano em Washington e concedeu refúgio nos EUA a
59 brancos que estariam sendo perseguidos, enquanto deporta indiscriminadamente
imigrantes.
A democracia sul-africana continua longe de
diminuir a desigualdade social e de eliminar os traços de violência e de
corrupção herdados do apartheid.
Entretanto nada justifica que o chefe de governo da maior potência financeira e bélica global faça uso de desinformação e intimidação como ferramentas de negociação em política externa.
Desconto eleitoreiro
O Estado de S. Paulo
Ao ampliar as faixas de isenção e descontos
nas tarifas de energia para a baixa renda, Lula reforça seu arsenal populista
para reeleição e joga a conta para a classe média e a indústria
O governo Lula da Silva finalmente apresentou
sua pretensa reforma para o setor elétrico. Antecipada pelo Estadão, a
principal proposta da medida provisória (MP) assinada pelo presidente anteontem
prevê ampliar o número de consumidores de baixa renda isentos do pagamento das
contas de luz ou com direito a algum desconto, alcançando cerca de metade da
população. A benesse custará cerca de R$ 4,45 bilhões, e seu custo será
repassado aos demais consumidores, como a classe média e a indústria
eletrointensiva.
Sabendo que a reação seria ruim, o ministro
de Minas e Energia, Alexandre Silveira, bem que tentou se explicar, mas não
convenceu ninguém. Segundo ele, as tarifas subiriam apenas 1,4%, e por pouco
tempo, pois a medida provisória também cortará subsídios que encarecem a conta
de luz e ampliará o acesso ao mercado livre, ambiente no qual todos os
consumidores terão o direito de escolher seu fornecedor, como no setor de
telecomunicações.
A história recente prova que promessas de
redução do custo da energia não se materializam como o governo propõe. Basta
lembrar a bagunça causada pela Medida Provisória 579, assinada pela
ex-presidente Dilma Rousseff em 2012. Depois de caírem 16% em 2013, as contas
de luz foram represadas em 2014, ano eleitoral, e subiram 50% em 2015.
O tarifaço não foi a única consequência da MP
579. Vários dos problemas que a proposta do governo Lula tenta resolver agora
vêm daquela época. O governo Michel Temer chegou a propor uma reforma ampla,
mas a fragmentação do setor elétrico em dezenas de associações com livre acesso
ao Congresso impediu a construção de um consenso.
Nesse sentido, é ousada a tentativa do
governo Lula de submeter uma proposta como essa a um Congresso em que nunca
teve maioria a pouco mais de um ano das eleições. Mas o fato de a medida
provisória não resvalar nos subsídios para a mini e microgeração distribuída –
leia-se painéis fotovoltaicos, segmento que construiu uma bancada para chamar
de sua no Congresso nos últimos anos – pode facilitar sua tramitação.
Por outro lado, a indústria eletrointensiva,
que tem na energia seu principal insumo, deve reagir. Por mais que seja justo
dividir os custos dos subsídios e das usinas nucleares com todos os
consumidores, o aumento do custo da energia para um setor que gera riquezas e
empregos certamente não terá guarida garantida no Congresso.
De acordo com a Associação Brasileira dos
Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres (Abrace), se a MP for
aprovada da forma como foi proposta, o custo da energia para a indústria
eletrointensiva deverá aumentar entre 15% e 20%. Ficará difícil para o governo
Lula sustentar o discurso da “neoindustrialização” se a energia se tornar uma
barreira à produção e às exportações.
O fim do desconto de 50% no transporte da
energia incentivada, subsídio que atualmente custa R$ 11 bilhões por ano, seria
mais que suficiente para bancar a benesse da baixa renda, mas também deve
enfrentar resistência. Criado quando a energia renovável não tinha preços
competitivos como os atuais, o benefício já deveria ter acabado há tempos, mas
seus defensores não descartam recorrer à Justiça para mantê-los.
Dito isso, não se pode desprezar a chance de
que o Legislativo aprove somente o trecho que beneficia as famílias de baixa
renda, com isenção ou desconto na conta de luz, e descarte todas as outras
mudanças propostas. E o governo sabe disso, tanto é que empacotou tudo o que
queria em um único texto e na forma de uma medida provisória, que tramita mais
rápido do que um moroso projeto de lei.
De um lado, dificilmente um parlamentar teria
capital político suficiente para se posicionar frontalmente contra um benefício
para os mais pobres sem ser punido nas urnas no ano que vem. De outro, o tiro
pode sair pela culatra caso deputados e senadores façam da medida provisória um
festival de jabutis para criar outros subsídios que vão onerar ainda mais o
consumidor.
O governo Lula, no entanto, está disposto a
correr esse risco em nome da reeleição. O Ministério da Fazenda, que
inicialmente era contra a medida provisória, abriu mão de sua posição no
momento em que conseguiu impedir o uso de dinheiro do Tesouro para bancar essa
festa.
Universidades federais à míngua
O Estado de S. Paulo
Discurso progressista de Lula da Silva em
defesa da educação não resiste ao confronto com a asfixia financeira das
instituições federais de ensino superior causada por seu próprio governo
A restrição orçamentária imposta às
universidades federais tem levado à adoção de uma série de cortes de despesas
que comprometem o funcionamento e a reputação dessas instituições de ensino
superior. Entre as ações implementadas por algumas delas estão a suspensão de
gastos com combustível, viagens, reposição de equipamentos e obras de
manutenção predial. Há ainda o risco de faltar dinheiro, dentro de poucos
meses, até para o pagamento de funcionários terceirizados de segurança e
limpeza. A situação é alarmante, mas não surpreendente à luz da expansão
irrefletida das universidades federais em governos do PT.
A asfixia financeira é uma realidade na
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a maior do País, na Universidade
Federal de Alagoas (Ufal) e na do Rio Grande do Sul (UFRGS). Recentemente, a
reitoria da UFRJ divulgou um comunicado no qual afirmou a professores, alunos e
funcionários que se viu “obrigada a adotar medidas emergenciais para garantir a
sustentabilidade financeira da instituição”.
Esses ajustes se impuseram diante da redução
drástica dos recursos destinados às universidades federais, além da alteração
do modelo de repasse feita pelo governo federal. Antes mensal, o envio do
dinheiro agora é feito nos meses de maio, novembro e dezembro. Segundo o
Ministério do Planejamento e Orçamento, não houve bloqueio, mas uma mera
revisão do “ritmo de execução das despesas”.
Com base em dados do Painel do Sistema
Integrado de Planejamento e Orçamento, o Estadão calculou uma redução
de cerca de R$ 218 milhões no orçamento discricionário das universidades e dos
institutos federais em 2025. Ora, é evidente que, sem esses recursos, o
desenvolvimento de atividades de ensino e pesquisa pelas universidades federais
dentro de um patamar de qualidade minimamente razoável está sob risco, se não
interditado.
Com recursos minguantes, os reitores das
universidades federais têm priorizado a destinação de verbas para a assistência
estudantil, além da adoção de medidas que não impactam diretamente as aulas. A
UFRGS, por exemplo, afirmou que está em negociação com fornecedores do
restaurante universitário para manter a oferta do serviço. Cresce ainda entre
os gestores a preocupação com os programas destinados à manutenção dos alunos
egressos de escolas públicas e beneficiários da política de cotas. Muitos
deles, como alertou a reitoria da UFRGS, precisam das bolsas estudantis para
permanecerem matriculados.
A Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) publicaram uma nota
conjunta na qual afirmam que a nova forma de repasse de recursos “ameaça a
sobrevivência das universidades federais e o futuro do País”. A despeito de
eventuais exageros retóricos, não há dúvida de que, sem o devido financiamento,
as universidades públicas não produzirão aquilo que delas se espera: ensino e
pesquisa qualificados. No entanto, é incontornável o fato de que parcela expressiva
da responsabilidade por esse quadro de penúria das universidades federais cabe
aos governos lulopetistas, que se empenharam em espalhar câmpus Brasil afora
sem condições materiais e financeiras para seu funcionamento e manutenção, uma
política concebida apenas para satisfazer aos interesses político-eleitorais do
PT.
A promessa de Lula da Silva de implementar
uma expansão universitária de excelência nunca passou disso, de uma promessa.
Ademais, em claro sinal de que nunca se preocupou genuinamente com a formação
de jovens estudantes, os governos lulopetistas jamais deram a devida atenção ao
desenvolvimento de outros polos de ensino, como os centros de ensino
técnico-profissional.
Para ser crível, o discurso progressista do
governo federal, que se apresenta ao País como defensor da ciência, da educação
e da inclusão social, precisa vir acompanhado de coerência orçamentária e
administrativa. Não basta exaltar a importância da universidade pública para o
País, um truísmo, se, na prática, Lula da Silva opera um estrangulamento
financeiro que compromete aulas, interrompe pesquisas, prejudica a manutenção
dos estudantes de baixa renda e ameaça a reputação institucional das
universidades federais.
Fadiga de material
O Estado de S. Paulo
Aferrada a líderes e a ideias velhas,
esquerda se desintegra na América Latina
Três vezes presidente da Bolívia, Evo Morales
não disputará, como desejava, um quarto mandato nas eleições presidenciais de
agosto deste ano. Em 2023, o tribunal constitucional boliviano limitou a dois o
número de mandatos que qualquer indivíduo pode servir como presidente naquele
país. Como o prazo para registro de candidaturas se encerrou no dia 20 passado,
Evo está oficialmente fora do pleito, ainda que prometa travar uma batalha
judicial para concorrer.
No entanto, os problemas de Evo, de seu
antigo partido, o Movimento ao Socialismo (MAS), e da esquerda latino-americana
como um todo são bem mais amplos.
Alvo de uma ordem de prisão por tráfico de
menores, acusação que nega, Evo, o outrora poderoso líder da esquerda
boliviana, encontra-se encastelado em Chapare, seu reduto eleitoral e também
área de produção da folha de coca, matéria-prima da cocaína. Lá, cocaleiros
servem de “escudo” armado para impedir que forças de segurança se aproximem do
ex-presidente para efetuar a prisão.
Brigado com seu ex-ministro e atual
presidente, Luis Arce, Evo tentou, sem sucesso, viabilizar um novo partido de
esquerda. Já Arce segue no MAS, porém, como anunciou recentemente, não tentará
a reeleição.
O MAS, que nas últimas duas décadas dominou a
cena política boliviana, encontra-se desorientado e rachado, um retrato bem
acabado do atual estado da esquerda latino-americana, aferrada a ideias velhas
e a líderes ultrapassados.
Em boa parte dos anos 2000, figuras como Evo,
o falecido Hugo Chávez (Venezuela), o casal Kirchner (Argentina), Rafael Correa
(Equador) e Lula da Silva (Brasil) eram expoentes da chamada “onda vermelha”,
como ficou conhecida a predominância de governos de esquerda que arrebataram
eleitores nos principais países da América Latina.
Mas o arrebatamento não sobreviveu ao crivo
da realidade. Evo, está demonstrado, quis perpetuar-se no poder. Chávez morreu
e a Venezuela de seu ungido e sucessor, Nicolás Maduro, é uma ditadura. Os
governos do casal Kirchner ampliaram de tal maneira a catástrofe econômica
argentina que os eleitores, desesperados, elegeram o disruptivo Javier Milei.
Condenado por corrupção, Correa vive exilado
na Europa. Lula da Silva retornou ao poder, após a anulação de suas condenações
na Operação Lava Jato, mas além de não desfrutar da popularidade dos primeiros
mandatos, é a única, e envelhecida, estrela do PT, um partido sem ideias, sem
governadores em Estados eleitoralmente expressivos e, aparentemente, sem um
sucessor para seu líder máximo.
Nem mesmo no Chile, cujo presidente é o jovem
e moderado Gabriel Boric, a esquerda tem encantado o eleitor. A candidata de
direita Evelyn Matthei é a favorita para as eleições presidenciais de novembro.
Só no Uruguai a esquerda ainda demonstra algum vigor.
Fica cada vez mais evidente que o ex-presidente uruguaio José “Pepe” Mujica, morto aos 89 anos, estava mais conectado à realidade do que lideranças que, carentes de projetos, buscam apenas o poder pelo poder.
Enxaqueca, uma doença estigmatizada
Correio Braziliense
Do surgimento dos primeiros sintomas à procura por um especialista, os pacientes demoram, em média, 17,1 anos
Dor de cabeça intensa, náusea, vômitos e
sensibilidade a luz e sons. Os sintomas da enxaqueca são sentidos há pelo menos
3 mil anos. Há relatos em escrituras egípcias — datadas de 1200 a.C. — que já
mostravam algumas semelhanças com essa doença. Neste mês de conscientização
para a enxaqueca, artigo científico veiculado no The Journal of Headache and
Pain, a publicação oficial da Federação Europeia de Dor de Cabeça, chama a
atenção. Do surgimento dos primeiros sintomas à procura por um especialista, os
pacientes demoram, em média, 17,1 anos. Desconhecimento, medo ou vergonha estão
entre as principais razões para a demora. Resultado: as pessoas optam pela
automedicação, analgésicos, na grande maioria, o que aumenta a intensidade das
crises.
Além da questão de saúde, o paciente
enxaquecoso não tratado ou tratado inadequadamente é significativamente oneroso
para as empresas, devido à perda de produtividade e absenteísmo. Trata-se de
uma doença incapacitante, superando, inclusive, problemas cardiovasculares e
algumas neoplasias, em se tratando dos sintomas que comprometem atividades
laborais.
O impacto maior recai sobre os cofres dos
governos e setores da saúde. Segundo a pesquisa Impacto socioeconômico das
principais doenças em oito países da América Latina, do Instituto WifOR
GmbH, o Brasil é o segundo país mais afetado pela enxaqueca na região,
perdendo apenas para a Argentina. Em 2022, o Brasil perdeu 4,1% do Produto
Interno Bruto (PIB) no combate a patologias cardiovasculares, neoplasias,
cardiopatia isquêmica, infecções respiratórias, câncer de mama, diabetes tipo 2
e enxaqueca — enfermidades mais incidentes. Cerca de US$ 30 bilhões, ou R$ 168
bilhões, foram gastos só com a enxaqueca.
Para chegar a esse montante, os pesquisadores
levaram em conta os ganhos induzidos pela saúde em atividades de trabalho
remunerado e não remunerado. Anos perdidos devido à incapacidade ou à
mortalidade foram considerados como não produtivos. Embora a enxaqueca, por si
só, não seja fatal, ela é a doença mais comum entre pessoas de 5 a 19 anos, e a
segunda mais comum entre 20 e 59 anos. Ou seja, manifesta-se praticamente
durante toda a vida produtiva do trabalhador.
Não bastasse o extremo desconforto, o
paciente enfrenta o estigma que cerca a doença, muitas vezes menosprezada e
considerada de baixa repercussão. Falta compreensão da sociedade. Não à toa, é
comum que a condição seja escondida. Pesquisa apresentada no Simpósio
Internacional Migraine Trust (MTIS) sobre o comportamento dos pacientes em
países da América do Sul, Ásia e Austrália aponta que 51% não dizem que têm
enxaqueca. Desses, 62% não comentam com os colegas de trabalho, 37% omitem de
amigos e 27% não contam nem mesmo ao cônjuge.
Daí a importância da campanha deste mês de conscientização. Pelo menos 15% da população brasileira, cerca de 32,3 milhões de pessoas, sofrem com enxaqueca. No mundo, são mais de 1 bilhão de doentes. Falar sobre a condição, compartilhar informações — de cuidados a caminhos de acesso, ou cobrança, por tratamentos —, e sensibilizar gestores são medidas fundamentais para impactar positivamente a rotina de uma parcela considerável de afetados.
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