sexta-feira, 23 de maio de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Um ataque à soberania brasileira

O Povo (CE)

A intromissão do governo dos Estados Unidos nos assuntos internos de outros países parece não ter limites. Depois da ameaça de anexar o Canadá e de "comprar" a Groenlândia — território autônomo pertencente à Dinamarca —, a brutal "diplomacia" de Donald Trump volta-se contra o Brasil.

O secretário de Estado, Marco Rubio, afirmou, em audiência na Câmara dos Deputados americana, que seu país estuda a possibilidade de aplicar sanções contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Moraes poderia ser impedido de entrar nos EUA e ter ativos financeiros congelados, caso mantenha contas bancárias nos Estados Unidos.

Durante a sessão, um deputado republicano acusou o STF de "perseguir a oposição, incluindo jornalistas e cidadãos comuns", e estaria em curso a "iminente a prisão politicamente motivada" do ex-presidente Jair Bolsonaro.

É claro que os trumpistas desconsideram que Bolsonaro é réu sob a acusação de crimes graves, como tentativa de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, entre outros delitos. Porém, como é próprio de um país democrático, ele tem assegurado o devido processo legal e o amplo direito de defesa.

No entendimento americano, as decisões de Moraes repercutem sobre pessoas que vivem nos Estados Unidos, por isso, ele estaria sujeito à Lei Magnitsky. Essa legislação foi criada para punir estrangeiros envolvidos em violações graves de direitos humanos e corrupção. Inicialmente, alcançava apenas a Rússia, mas depois foi ampliada para incluir todos os países do mundo.

Frente a isso, torna-se necessária uma resposta vigorosa e conjunta dos três poderes da República — Executivo, Legislativo e Judiciário —, rechaçando as ilações apresentadas pelas autoridades americanas. É preciso deixar claro aos EUA que o Brasil não aceita ofensas à sua soberania, exigindo respeito à institucionalidade brasileira. Washington está contratando uma crise diplomática com o Brasil, pois nenhum país soberano deixaria de dar uma resposta dura a tal intromissão em sua política interna.

A campanha contra o Brasil é comandada diretamente dos Estados Unidos pelo deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro, que se une a setores da extrema direita americana para atacar o Brasil. O bolsonarismo espera obter dividendos políticos se o governo americano aplicar sanções a Moraes, agradando principalmente os setores mais radicalizados do movimento.

No entanto, o mais provável é que aconteça o efeito rebote, com segmentos moderados da direita assumindo a defesa do país, o que fortaleceria a posição do governo. Além disso, o mais provável é que a maioria da sociedade veja com antipatia uma campanha que visa atacar a soberania brasileira.

Flexibilizar licença ambiental será retrocesso

O Globo

Brasil precisa de leis que o coloquem na vanguarda do desenvolvimento aliado à preservação da natureza

Passou da hora de o Brasil tratar o meio ambiente com uma perspectiva de preservação sustentável. Não se trata de impor entraves ao crescimento econômico, mas de conservar os recursos necessários ao próprio desenvolvimento. O Projeto de Lei (PL) 2.159/2021, aprovado no Senado na quarta-feira, é um exemplo do caminho a evitar. Ao facilitar a obtenção de licença ambiental, o texto — apelidado pelos ambientalistas de “PL da Devastação” — agravará a degradação do meio ambiente. Por isso a Câmara, ao voltar a examinar a pauta, para corrigir os vários erros, não tem alternativa a não ser engavetar o texto.

Há 21 anos, quando o tema começou a ser debatido, o objetivo era desbastar o cipoal de leis sobre a concessão de licenças — um objetivo meritório. Em 2011, depois de uma Lei Complementar reforçar os poderes estadual e municipal no licenciamento, ganhou urgência a necessidade de uma reforma. Com a fragmentação, uma mesma situação passou a receber interpretações distintas. O que vale no Rio de Janeiro não valia na Bahia ou em Goiás. Era necessário uniformizar a legislação. O problema do PL aprovado pelo Senado é que, ao padronizar, nivelou por baixo. Em vez de elevar a régua, nacionalizou algumas das piores práticas ambientais do país e não resolveu a fragmentação, deixando poderes demais nas mãos dos entes federativos.

O PL isentou de licenciamento diversas atividades, da pecuária à infraestrutura, ao prever que empreendimentos de pequeno e médio porte e potencial poluidor poderão receber uma licença automática, autodeclaratória, a Licença por Adesão e Compromisso (LAC). Tal medida dá o mesmo tratamento ao dono de um posto de gasolina e ao proprietário de uma barragem como Mariana, palco do desastre de 2015 em Minas Gerais. Bastará a promessa de seguir a lei para ter passe livre. Na visão da ONG Observatório do Clima, o artigo sobre a LAC “é inconstitucional em sua essência”. Outro artigo altera a Lei da Mata Atlântica, facilitando o desmatamento.

Nas conversas e discursos no Senado, não faltaram loas ao texto por “destravar obras” espalhadas pelo país. Como é comum no Parlamento, vende-se algo desejável, com previsões irreais. Os resultados poderão ter efeito oposto às promessas. Em vez de apressar a conclusão de obras, pode haver mais atraso. Reduzir as fases no licenciamento para empreendimentos de alto potencial poluidor de três para uma tende a aumentar a judicialização, pois só será possível corrigir eventuais problemas na Justiça. Pressionado, o Ministério Público ampliaria as contestações. Outro ponto de lentidão poderá vir dos próprios órgãos responsáveis pelas licenças. Quem temer processos provavelmente levará mais tempo antes de dar sinal verde. Afinal, só terá uma chance de acertar, em vez de três.

A bancada do agronegócio e demais apoiadores do projeto poderiam usar a volta do texto à Câmara para corrigir os problemas. A destruição do meio ambiente alimenta o aquecimento global, prejudicial também para os negócios, principalmente a agropecuária. No lugar de um PL “mãe de todas as boiadas”, o Brasil precisa de leis que o coloquem na vanguarda do desenvolvimento econômico aliado à conservação ambiental. A oposição entre crescimento econômico e meio ambiente é falsa e enganadora. O país precisa de ambos, e o Congresso deveria estar alinhado com esse compromisso.

Deputados desperdiçam oportunidade de aperfeiçoar o serviço público

O Globo

Câmara aprovou reajuste para funcionalismo, mas ignorou contrapartida na gestão das carreiras

A Câmara dos Deputados perdeu mais uma chance de contribuir para melhorar a qualidade do serviço prestado à população pelo funcionalismo. Preferiu deixar de lado propostas que avançam na direção de uma necessária reforma administrativa para apenas aprovar aumento salarial aos servidores. É verdade que, no ano passado, foram prometidos reajustes a categorias que fizeram greve, mas a proposta original do governo ia além. Não se resumia a apenas aumentar o gasto com a folha de pagamento da União por meio de um reajuste salarial médio de 27% — ao custo de R$ 74 bilhões nos Orçamentos de 2025, 2026 e 2027.

Foram deixadas de lado novas regras para a progressão das carreiras no funcionalismo, vitais para modernizar o serviço público. O Sistema de Desenvolvimento na Carreira (Sidec) ficou para ser discutido por meio de um grupo de trabalho (GT), método conhecido de postergar decisões. Sem ele, fica adiada a criação de um mecanismo baseado em pontos, que poderiam depois ser usados na progressão das carreiras. Também estavam prontas para ser votadas regras para avaliar quem chegou ao topo.

Deveriam ter sido ainda aprovados outros aperfeiçoamentos importantes, como a ampliação da distância entre o salário inicial do servidor e sua remuneração final na carreira. Hoje não demora para que um recém-concursado alcance o topo — 13 anos em algumas categorias —, pois reajustes costumam ser dados em função do tempo de serviço, e não do mérito (distorção que uma reforma administrativa genuína deveria eliminar). Com isso, faltam incentivos para melhorar o desempenho, e cria-se uma situação em que aumenta a pressão por mais reajustes. O Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos propôs mudanças que, para 90% do funcionalismo, estenderiam a 20 anos o prazo para alcançar o topo da carreira.

Embora as lideranças do governo evitassem o termo “reforma administrativa” para não se indispor com o aparato sindical, todas as mudanças formavam um primeiro passo na direção necessária. E haviam sido negociadas com os próprios sindicatos de servidores como contrapartida aos reajustes. Mas as lideranças da Câmara decidiram procrastinar, deixando tudo a cargo do grupo de trabalho. “O intuito do GT não é retirar direito de nenhuma categoria, mas podemos ter mais eficiência e agilidade”, disse o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). Ora, as mudanças sugeridas não ferem o direito de ninguém.

A frustração na Câmara precisa ser compensada pelo Senado, para onde seguiu o projeto. Cabe aos senadores restabelecer o espírito original da proposta. Temores político-eleitorais quanto à reação das corporações sindicais não podem impedir a modernização das regras do funcionalismo num país onde o gasto com servidores representa uma das maiores despesas no Orçamento.

Dar acesso a dados sobre gasto público é obrigação do Estado

Valor Econômico

Decisão do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos de restringir acesso a documentos lança sombra sobre a execução de mais de R$ 600 bilhões em recursos federais

O presidente Lula fez da defesa da transparência um mote de sua campanha eleitoral em 2022, mas o governo tem promovido seguidos retrocessos no que diz respeito ao controle social sobre informações que deveriam ser públicas. O mais recente caso é a decisão do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) de bloquear a consulta a 16 milhões de documentos sobre obras, convênios, emendas parlamentares e repasses de verbas a Estados, municípios e ONGs. Sob o argumento de que dados pessoais estariam expostos - sempre utilizado pela burocracia do Estado em vários governos -, em violação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), o governo lançou uma sombra sobre a execução de mais de R$ 600 bilhões em recursos federais.

Antes da decisão do MGI, revelada por O Globo (15/05), os documentos anexos podiam ser acessados por qualquer cidadão no TransfereGov, um sistema que centraliza os dados sobre as transferências de verbas da União com o intuito de ampliar o controle de órgãos de fiscalização e da sociedade civil sobre a execução orçamentária. No rol de informações agora restritas estão a prestação de contas sobre como esses recursos foram gastos, notas fiscais, recibos e relatórios de execução. Também estão inacessíveis informações relativas às emendas parlamentares, inclusive as que compõem o chamado “orçamento secreto”, declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2022, em um momento em que avançam investigações e se avolumam denúncias sobre a malversação nos repasses feitos pelo Congresso.

Ao tentar justificar a descabida decisão de retirar do ar os documentos, o MGI lançou mão da interpretação de um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) da qual o próprio órgão jurídico discorda. A orientação, segundo o ministério, apontava a necessidade de proteger dados considerados sensíveis, conforme a LGPD, como nomes, CPFs, RGs, e-mails e contracheques. Em nota após o caso vir à tona, a AGU argumentou que seu parecer era apenas opinativo. “Nada impede que os documentos continuem plenamente acessíveis, auditáveis e publicamente disponíveis”.

O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (MP-TCU) também considerou a decisão um retrocesso. Para o subprocurador Lucas Rocha, que apresentou uma representação pedindo o fim da restrição, a medida pode configurar violação dos princípios da moralidade administrativa e cria obstáculos desnecessários para se ter acesso a dados que deveriam ser proativamente divulgados pelo governo. Entidades que atuam em defesa do acesso à informação igualmente criticaram o sigilo sobre os anexos, argumentando que a decisão do MGI prejudica o direito da sociedade de fiscalizar o uso de dinheiro público.

Esta não foi a primeira vez que informações de interesse da sociedade foram tornadas sigilosas pelo governo, na contramão das promessas de campanha eleitoral. Entre os dados que tiveram acesso restrito desde o início do mandato estão, por exemplo, os nomes dos visitantes recebidos pela primeira-dama, Janja Lula da Silva; a Declaração de Conflito de Interesses apresentada por Alexandre Silveira, ministro das Minas e Energia, antes de assumir o cargo; e as despesas com helicóptero presidencial e alimentação no Palácio do Alvorada.

O governo Lula tampouco se difere do antecessor na recusa aos pedidos de informações via Lei de Acesso à Informação (LAI) com a justificativa de que se trata de dados pessoais, o que permite a imposição de um sigilo de até 100 anos sobre os dados, cujo fim também havia sido prometido na campanha. Nos dois primeiros anos de mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro, foram 4.095 pedidos via LAI negados sob esse pretexto (18,93% do total). Já no primeiro biênio da nova gestão petista, esse número chegou a 3.244 (16,41% do total), de acordo com levantamento do portal g1.

Embora seja importante reconhecer que a LGPD representa um avanço na proteção dos dados dos cidadãos, sua aplicação não pode servir de escudo para restringir o acesso a informações de interesse público, como faz a decisão do MGI. O argumento de que os dados sensíveis estariam expostos, além de se tratar de uma interpretação equivocada do parecer da AGU, não justifica a retirada dos anexos do TransfereGov. Há soluções técnicas que podem ser adotadas para mascarar ou tornar anônimas as informações pessoais. O governo diz estudar uma alternativa, mas não há prazo para que os documentos voltem ao ar - o que revela uma falta de compromisso com a transparência.

Portanto, é urgente que o governo reveja a decisão do MGI e retire a restrição sobre os anexos. A transparência não é um valor negociável em países modernos e democráticos. É uma exigência constitucional e é um antídoto contra o mau uso do dinheiro público e a corrupção, permitindo que a sociedade civil auxilie as autoridades responsáveis ao identificar desvios, cobrar responsabilidades e garantir uma gestão eficiente. Além de um ataque à transparência, fragilizar sistemas como o TransfereGov ou a própria LAI compromete a própria democracia brasileira.

Não haverá dinheiro que baste para universidades públicas

Folha de S. Paulo

Comunidade acadêmica protesta contra bloqueio de verbas, mas deveria rediscutir contratações e financiamento privado

A Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) empregaram um tom catastrofista ao divulgarem nota sobre medidas do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a contenção de gastos em universidades federais.

O que motivou o documento foi um decreto de 30 de abril, válido para toda a administração, que limitou a liberação de recursos para custeio e investimento nas universidades em 61% do autorizado no Orçamento até novembro. Nesta quinta (22), o governo foi além e promoveu um congelamento preventivo de R$ 31,3 bilhões nos ministérios.

Para as entidades ligadas à academia, a restrição "inviabiliza o funcionamento básico dessas instituições". O Brasil, diz o texto, "desmonta suas universidades".

Esse tipo de discurso se repete há décadas no setor, ao longo de governos de variadas inclinações ideológicas —nem mesmo poupando a administração petista, adepta incondicional da expansão do ensino superior público. Repetem-se notícias de que os estabelecimentos têm dificuldades com pagamentos comezinhos de água e luz, enquanto docentes e servidores entram em greves.

As 69 universidades federais de fato são exemplos de distorções e vícios da gestão pública. Nessa condição, mostram-se capazes de custar muito —em torno de R$ 70 bilhões no Orçamento deste ano—e, ao mesmo tempo, sofrer com falta de recursos.

Tome-se o caso da maior delas, a UFRJ. A instituição sediada no Rio de Janeiro conta com quase R$ 4 bilhões orçados neste ano, mas 84,5% do montante (R$ 3,37 bilhões) é destinado ao pagamento de pessoal ativo e inativo.

Como professores e até funcionários administrativos dispõem de estabilidade no emprego, privilégio do funcionalismo que tem alcance descabido no país, tal despesa é quase irredutível.

Em toda a administração federal, desembolsos obrigatórios com salários e aposentadorias se expandem sob pressões sociais e sindicais. O espaço para ajustes cada vez mais se limita ao custeio e aos investimentos. Calcula-se que, nessa toada, a máquina federal entrará em colapso já no início do próximo governo.

Além de rejeitarem políticas mais flexíveis de contratações, as universidades públicas tampouco mostram alguma disposição para rediscutir seu financiamento —aqui praticamente todo a cargo do Estado.

A gratuidade ofertada mesmo a alunos de famílias dos estratos mais ricos, além de agravar a vexatória desigualdade social brasileira, priva as instituições de recursos que poderiam ser geridos com maior flexibilidade.

Trata-se de um modelo custoso, iníquo e de baixo incentivo à eficiência, defendido à base de discurso ideológico e prática corporativista. Deveria ser revisto por iniciativa da própria comunidade acadêmica, em vez de passar por ajustes forçados em mais uma crise fiscal da qual se aproxima o Estado brasileiro.

Salão Oval vira campo minado para líderes mundiais

Folha de S. Paulo

Trump acusa presidente da África do Sul de promover genocídio branco; uso de intimidação na política externa é vexatório

Em mais uma emboscada no Salão Oval da Casa Branca, na quarta (22), Donald Trump acusou o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, de promover um "genocídio de brancos" no país que, há 31 anos, transitou da desumana política de apartheid para uma democracia de unificação nacional.

Se Trump é afeito ao bullying e à desinformação no mundo dos negócios, como chefe de Estado, sua insistência em valer-se de tais instrumentos para achacar mandatários merece repúdio, a começar o dos próprios americanos.

A humilhação sofrida por Volodimir Zelenski, em fevereiro, já indicara o nível de distorção da diplomacia dos EUA operada pelo novo mandatário. Ramaphosa ansiava por cooperação e redução de tensões. Mas viu-se, como o ucraniano, encurralado diante da imprensa mundial.

Trump constrangeu o convidado ao exibir um vídeo que mostrava discursos de políticos radicais contra os boers (fazendeiros brancos, detentores de 74% das propriedades rurais do país) e imagens do que seria um cemitério de vítimas, como tentativa de respaldar denúncia sobre um suposto racismo contra brancos.

"Essas falas não são política do governo. Temos uma democracia multipartidária na África do Sul. Nosso governo é completamente contrário ao que esse partido minoritário diz", explicou Ramaphosa, acentuando que negros são as principais vítimas de violência e que há altos funcionários brancos em sua comitiva.

reforma agrária aprovada pela África do Sul em janeiro suscitou o desatino de Trump. Adotada sob a premissa de reduzir desigualdades, a lei tem dispositivo controverso que impede a indenização a proprietários em casos de abandono ou especulação.

O diploma, contudo, está tão distante de mudar substancialmente o sistema fundiário do país quanto de disparar uma perseguição à minoria branca.

Influenciado ou não por seu braço direito, Elon Musk, magnata nascido na África do Sul, Trump já vinha reagindo à reforma: expulsou o embaixador sul-africano em Washington e concedeu refúgio nos EUA a 59 brancos que estariam sendo perseguidos, enquanto deporta indiscriminadamente imigrantes.

A democracia sul-africana continua longe de diminuir a desigualdade social e de eliminar os traços de violência e de corrupção herdados do apartheid.

Entretanto nada justifica que o chefe de governo da maior potência financeira e bélica global faça uso de desinformação e intimidação como ferramentas de negociação em política externa.

Desconto eleitoreiro

O Estado de S. Paulo

Ao ampliar as faixas de isenção e descontos nas tarifas de energia para a baixa renda, Lula reforça seu arsenal populista para reeleição e joga a conta para a classe média e a indústria

O governo Lula da Silva finalmente apresentou sua pretensa reforma para o setor elétrico. Antecipada pelo Estadão, a principal proposta da medida provisória (MP) assinada pelo presidente anteontem prevê ampliar o número de consumidores de baixa renda isentos do pagamento das contas de luz ou com direito a algum desconto, alcançando cerca de metade da população. A benesse custará cerca de R$ 4,45 bilhões, e seu custo será repassado aos demais consumidores, como a classe média e a indústria eletrointensiva.

Sabendo que a reação seria ruim, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, bem que tentou se explicar, mas não convenceu ninguém. Segundo ele, as tarifas subiriam apenas 1,4%, e por pouco tempo, pois a medida provisória também cortará subsídios que encarecem a conta de luz e ampliará o acesso ao mercado livre, ambiente no qual todos os consumidores terão o direito de escolher seu fornecedor, como no setor de telecomunicações.

A história recente prova que promessas de redução do custo da energia não se materializam como o governo propõe. Basta lembrar a bagunça causada pela Medida Provisória 579, assinada pela ex-presidente Dilma Rousseff em 2012. Depois de caírem 16% em 2013, as contas de luz foram represadas em 2014, ano eleitoral, e subiram 50% em 2015.

O tarifaço não foi a única consequência da MP 579. Vários dos problemas que a proposta do governo Lula tenta resolver agora vêm daquela época. O governo Michel Temer chegou a propor uma reforma ampla, mas a fragmentação do setor elétrico em dezenas de associações com livre acesso ao Congresso impediu a construção de um consenso.

Nesse sentido, é ousada a tentativa do governo Lula de submeter uma proposta como essa a um Congresso em que nunca teve maioria a pouco mais de um ano das eleições. Mas o fato de a medida provisória não resvalar nos subsídios para a mini e microgeração distribuída – leia-se painéis fotovoltaicos, segmento que construiu uma bancada para chamar de sua no Congresso nos últimos anos – pode facilitar sua tramitação.

Por outro lado, a indústria eletrointensiva, que tem na energia seu principal insumo, deve reagir. Por mais que seja justo dividir os custos dos subsídios e das usinas nucleares com todos os consumidores, o aumento do custo da energia para um setor que gera riquezas e empregos certamente não terá guarida garantida no Congresso.

De acordo com a Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres (Abrace), se a MP for aprovada da forma como foi proposta, o custo da energia para a indústria eletrointensiva deverá aumentar entre 15% e 20%. Ficará difícil para o governo Lula sustentar o discurso da “neoindustrialização” se a energia se tornar uma barreira à produção e às exportações.

O fim do desconto de 50% no transporte da energia incentivada, subsídio que atualmente custa R$ 11 bilhões por ano, seria mais que suficiente para bancar a benesse da baixa renda, mas também deve enfrentar resistência. Criado quando a energia renovável não tinha preços competitivos como os atuais, o benefício já deveria ter acabado há tempos, mas seus defensores não descartam recorrer à Justiça para mantê-los.

Dito isso, não se pode desprezar a chance de que o Legislativo aprove somente o trecho que beneficia as famílias de baixa renda, com isenção ou desconto na conta de luz, e descarte todas as outras mudanças propostas. E o governo sabe disso, tanto é que empacotou tudo o que queria em um único texto e na forma de uma medida provisória, que tramita mais rápido do que um moroso projeto de lei.

De um lado, dificilmente um parlamentar teria capital político suficiente para se posicionar frontalmente contra um benefício para os mais pobres sem ser punido nas urnas no ano que vem. De outro, o tiro pode sair pela culatra caso deputados e senadores façam da medida provisória um festival de jabutis para criar outros subsídios que vão onerar ainda mais o consumidor.

O governo Lula, no entanto, está disposto a correr esse risco em nome da reeleição. O Ministério da Fazenda, que inicialmente era contra a medida provisória, abriu mão de sua posição no momento em que conseguiu impedir o uso de dinheiro do Tesouro para bancar essa festa.

Universidades federais à míngua

O Estado de S. Paulo

Discurso progressista de Lula da Silva em defesa da educação não resiste ao confronto com a asfixia financeira das instituições federais de ensino superior causada por seu próprio governo

A restrição orçamentária imposta às universidades federais tem levado à adoção de uma série de cortes de despesas que comprometem o funcionamento e a reputação dessas instituições de ensino superior. Entre as ações implementadas por algumas delas estão a suspensão de gastos com combustível, viagens, reposição de equipamentos e obras de manutenção predial. Há ainda o risco de faltar dinheiro, dentro de poucos meses, até para o pagamento de funcionários terceirizados de segurança e limpeza. A situação é alarmante, mas não surpreendente à luz da expansão irrefletida das universidades federais em governos do PT.

A asfixia financeira é uma realidade na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a maior do País, na Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e na do Rio Grande do Sul (UFRGS). Recentemente, a reitoria da UFRJ divulgou um comunicado no qual afirmou a professores, alunos e funcionários que se viu “obrigada a adotar medidas emergenciais para garantir a sustentabilidade financeira da instituição”.

Esses ajustes se impuseram diante da redução drástica dos recursos destinados às universidades federais, além da alteração do modelo de repasse feita pelo governo federal. Antes mensal, o envio do dinheiro agora é feito nos meses de maio, novembro e dezembro. Segundo o Ministério do Planejamento e Orçamento, não houve bloqueio, mas uma mera revisão do “ritmo de execução das despesas”.

Com base em dados do Painel do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento, o Estadão calculou uma redução de cerca de R$ 218 milhões no orçamento discricionário das universidades e dos institutos federais em 2025. Ora, é evidente que, sem esses recursos, o desenvolvimento de atividades de ensino e pesquisa pelas universidades federais dentro de um patamar de qualidade minimamente razoável está sob risco, se não interditado.

Com recursos minguantes, os reitores das universidades federais têm priorizado a destinação de verbas para a assistência estudantil, além da adoção de medidas que não impactam diretamente as aulas. A UFRGS, por exemplo, afirmou que está em negociação com fornecedores do restaurante universitário para manter a oferta do serviço. Cresce ainda entre os gestores a preocupação com os programas destinados à manutenção dos alunos egressos de escolas públicas e beneficiários da política de cotas. Muitos deles, como alertou a reitoria da UFRGS, precisam das bolsas estudantis para permanecerem matriculados.

A Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) publicaram uma nota conjunta na qual afirmam que a nova forma de repasse de recursos “ameaça a sobrevivência das universidades federais e o futuro do País”. A despeito de eventuais exageros retóricos, não há dúvida de que, sem o devido financiamento, as universidades públicas não produzirão aquilo que delas se espera: ensino e pesquisa qualificados. No entanto, é incontornável o fato de que parcela expressiva da responsabilidade por esse quadro de penúria das universidades federais cabe aos governos lulopetistas, que se empenharam em espalhar câmpus Brasil afora sem condições materiais e financeiras para seu funcionamento e manutenção, uma política concebida apenas para satisfazer aos interesses político-eleitorais do PT.

A promessa de Lula da Silva de implementar uma expansão universitária de excelência nunca passou disso, de uma promessa. Ademais, em claro sinal de que nunca se preocupou genuinamente com a formação de jovens estudantes, os governos lulopetistas jamais deram a devida atenção ao desenvolvimento de outros polos de ensino, como os centros de ensino técnico-profissional.

Para ser crível, o discurso progressista do governo federal, que se apresenta ao País como defensor da ciência, da educação e da inclusão social, precisa vir acompanhado de coerência orçamentária e administrativa. Não basta exaltar a importância da universidade pública para o País, um truísmo, se, na prática, Lula da Silva opera um estrangulamento financeiro que compromete aulas, interrompe pesquisas, prejudica a manutenção dos estudantes de baixa renda e ameaça a reputação institucional das universidades federais.

Fadiga de material

O Estado de S. Paulo

Aferrada a líderes e a ideias velhas, esquerda se desintegra na América Latina

Três vezes presidente da Bolívia, Evo Morales não disputará, como desejava, um quarto mandato nas eleições presidenciais de agosto deste ano. Em 2023, o tribunal constitucional boliviano limitou a dois o número de mandatos que qualquer indivíduo pode servir como presidente naquele país. Como o prazo para registro de candidaturas se encerrou no dia 20 passado, Evo está oficialmente fora do pleito, ainda que prometa travar uma batalha judicial para concorrer.

No entanto, os problemas de Evo, de seu antigo partido, o Movimento ao Socialismo (MAS), e da esquerda latino-americana como um todo são bem mais amplos.

Alvo de uma ordem de prisão por tráfico de menores, acusação que nega, Evo, o outrora poderoso líder da esquerda boliviana, encontra-se encastelado em Chapare, seu reduto eleitoral e também área de produção da folha de coca, matéria-prima da cocaína. Lá, cocaleiros servem de “escudo” armado para impedir que forças de segurança se aproximem do ex-presidente para efetuar a prisão.

Brigado com seu ex-ministro e atual presidente, Luis Arce, Evo tentou, sem sucesso, viabilizar um novo partido de esquerda. Já Arce segue no MAS, porém, como anunciou recentemente, não tentará a reeleição.

O MAS, que nas últimas duas décadas dominou a cena política boliviana, encontra-se desorientado e rachado, um retrato bem acabado do atual estado da esquerda latino-americana, aferrada a ideias velhas e a líderes ultrapassados.

Em boa parte dos anos 2000, figuras como Evo, o falecido Hugo Chávez (Venezuela), o casal Kirchner (Argentina), Rafael Correa (Equador) e Lula da Silva (Brasil) eram expoentes da chamada “onda vermelha”, como ficou conhecida a predominância de governos de esquerda que arrebataram eleitores nos principais países da América Latina.

Mas o arrebatamento não sobreviveu ao crivo da realidade. Evo, está demonstrado, quis perpetuar-se no poder. Chávez morreu e a Venezuela de seu ungido e sucessor, Nicolás Maduro, é uma ditadura. Os governos do casal Kirchner ampliaram de tal maneira a catástrofe econômica argentina que os eleitores, desesperados, elegeram o disruptivo Javier Milei.

Condenado por corrupção, Correa vive exilado na Europa. Lula da Silva retornou ao poder, após a anulação de suas condenações na Operação Lava Jato, mas além de não desfrutar da popularidade dos primeiros mandatos, é a única, e envelhecida, estrela do PT, um partido sem ideias, sem governadores em Estados eleitoralmente expressivos e, aparentemente, sem um sucessor para seu líder máximo.

Nem mesmo no Chile, cujo presidente é o jovem e moderado Gabriel Boric, a esquerda tem encantado o eleitor. A candidata de direita Evelyn Matthei é a favorita para as eleições presidenciais de novembro. Só no Uruguai a esquerda ainda demonstra algum vigor.

Fica cada vez mais evidente que o ex-presidente uruguaio José “Pepe” Mujica, morto aos 89 anos, estava mais conectado à realidade do que lideranças que, carentes de projetos, buscam apenas o poder pelo poder.

Enxaqueca, uma doença estigmatizada

Correio Braziliense

Do surgimento dos primeiros sintomas à procura por um especialista, os pacientes demoram, em média, 17,1 anos

Dor de cabeça intensa, náusea, vômitos e sensibilidade a luz e sons. Os sintomas da enxaqueca são sentidos há pelo menos 3 mil anos. Há relatos em escrituras egípcias — datadas de 1200 a.C. — que já mostravam algumas semelhanças com essa doença. Neste mês de conscientização para a enxaqueca, artigo científico veiculado no The Journal of Headache and Pain, a publicação oficial da Federação Europeia de Dor de Cabeça, chama a atenção. Do surgimento dos primeiros sintomas à procura por um especialista, os pacientes demoram, em média, 17,1 anos. Desconhecimento, medo ou vergonha estão entre as principais razões para a demora. Resultado: as pessoas optam pela automedicação, analgésicos, na grande maioria, o que aumenta a intensidade das crises.

Além da questão de saúde, o paciente enxaquecoso não tratado ou tratado inadequadamente é significativamente oneroso para as empresas, devido à perda de produtividade e absenteísmo. Trata-se de uma doença incapacitante, superando, inclusive, problemas cardiovasculares e algumas neoplasias, em se tratando dos sintomas que comprometem atividades laborais. 

O impacto maior recai sobre os cofres dos governos e setores da saúde. Segundo a pesquisa Impacto socioeconômico das principais doenças em oito países da América Latina,  do Instituto WifOR GmbH,  o Brasil é o segundo país mais afetado pela enxaqueca na região, perdendo apenas para a Argentina. Em 2022, o Brasil perdeu 4,1% do Produto Interno Bruto (PIB) no combate a patologias cardiovasculares, neoplasias, cardiopatia isquêmica, infecções respiratórias, câncer de mama, diabetes tipo 2 e enxaqueca — enfermidades mais incidentes. Cerca de US$ 30 bilhões, ou R$ 168 bilhões, foram gastos só com a enxaqueca. 

Para chegar a esse montante, os pesquisadores levaram em conta os ganhos induzidos pela saúde em atividades de trabalho remunerado e não remunerado. Anos perdidos devido à incapacidade ou à mortalidade foram considerados como não produtivos. Embora a enxaqueca, por si só, não seja fatal, ela é a doença mais comum entre pessoas de 5 a 19 anos, e a segunda mais comum entre 20 e 59 anos. Ou seja, manifesta-se praticamente durante toda a vida produtiva do trabalhador. 

Não bastasse o extremo desconforto, o paciente enfrenta o estigma que cerca a doença, muitas vezes menosprezada e considerada de baixa repercussão. Falta compreensão da sociedade. Não à toa, é comum que a condição seja escondida. Pesquisa apresentada no Simpósio Internacional Migraine Trust (MTIS) sobre o comportamento dos pacientes em países da América do Sul, Ásia e Austrália aponta que 51% não dizem que têm enxaqueca. Desses, 62% não comentam com os colegas de trabalho, 37% omitem de amigos e 27% não contam nem mesmo ao cônjuge. 

Daí a importância da campanha deste mês de conscientização. Pelo menos 15% da população brasileira, cerca de 32,3 milhões de pessoas, sofrem com enxaqueca. No mundo, são mais de 1 bilhão de doentes. Falar sobre a condição, compartilhar informações — de cuidados a caminhos de acesso, ou cobrança, por tratamentos —, e sensibilizar gestores são medidas fundamentais para impactar positivamente a rotina de uma parcela considerável de afetados.

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