sexta-feira, 23 de maio de 2025

O ministro de Lula que enverga, mas não quebra - Andrea Jubé

Valor Econômico

Rui Costa não irá sair antes do prazo de desincompatibilização

Era agosto de 2015, e a militância petista gritava “não vai ter golpe” no encerramento da Marcha das Margaridas, no estádio Mané Garrincha. A conjuntura era de crise política e econômica, e a popularidade da presidente Dilma Rousseff estava no chão. Uma semana antes, o Datafolha havia mostrado que 71% dos brasileiros consideravam o governo ruim ou péssimo, enquanto 8% achavam que era ótimo ou bom; 66% apoiavam o impeachment da petista.

Em um discurso inflamado, Dilma advertiu que não permitiria retrocesso democrático, e citou versos de uma música de Lenine para expressar resiliência: “Em noite assim como esta/ eu cantando numa festa/ ergo o meu copo e celebro os bons momentos da vida/ e nos maus tempos da lida/ eu envergo, mas não quebro”. Três meses depois, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, deflagrou o processo de impeachment contra Dilma. Uma década depois, a mesma música pode ser trilha sonora do recente episódio envolvendo o homem forte do governo Lula, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, que envergou, mas não quebrou. Ele poderia cantar: “Em tempos de tempestades/ eu me equilibro e requebro/ É que sou tal qual a vara bamba de bambu-taquara/ Eu envergo, mas não quebro”. Diferentemente de Dilma, que ruiu, Costa seguirá firme como um umbuzeiro.

Sim, Rui Costa tem data para sair do governo, mas está longe. Ele deixará o cargo no fim de março, no prazo legal de desincompatibilização para concorrer nas eleições de 2026. Ele disputará uma das duas vagas de senador pela Bahia. A secretária-executiva da pasta, Miriam Belchior, nome da confiança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é vista como sua sucessora natural na Casa Civil.

Há dez dias, Costa viu-se no centro de uma caça às bruxas no governo, em torno de quem teria levado à imprensa bastidores da participação da primeira-dama Rosângela da Silva, Janja, no jantar oferecido pelo líder chinês, Xi Jinping, à comitiva brasileira em Pequim. Em entrevista, Lula demonstrou irritação com o ocorrido: “Alguém teve a pachorra de ligar para alguém e contar uma conversa que aconteceu em um jantar que era algo muito pessoal e confidencial", reprovou.

Janja recebeu críticas de que teria quebrado protocolo e criado constrangimento ao pedir a palavra e dirigir-se ao presidente da China para expor os efeitos nocivos do Tik Tok no Brasil. Nessa segunda-feira (19), ela reagiu em um evento sobre o combate à violência sexual contra crianças e adolescentes: “Não há protocolo que me faça calar se eu tiver uma oportunidade de falar sobre isso com qualquer pessoa que seja, do maior grau ao menor grau”.

Rumores de que Costa teria sido o autor do vazamento desgastaram o ministro, que saiu abalado e indignado do episódio, segundo um interlocutor. Nos bastidores, aliados articularam um desagravo, que se materializou no discurso de Lula na abertura da Marcha dos Prefeitos, na terça-feira (20). “Quero aproveitar na frente dos prefeitos, agradecer o papel importante e relevante do Rui Costa, o governador mais bem-sucedido da Bahia que joga no meu governo”, elogiou.

Desde o início, Rui Costa é criticado nos bastidores por colegas e por aliados pela postura de gestor, temperamento forte e falta de traquejo político. No fim de fevereiro, um ministro e dois ex-ministros aconselharam Lula a afastar Costa da Casa Civil, e reacomodá-lo em outro posto. Segundo relato à coluna de uma fonte a par da reunião, Lula respondeu que Costa é insubstituível.

Uma raposa política observou à coluna que o chefe da Casa Civil, por definição, deve ter perfil de “operador político” para desatar os nós do governo, atributo que não enxerga em Costa. Mesmo assim, Costa desempenhou missões de articulador designadas por Lula, como se colocar como interlocutor de Arthur Lira (PP-AL), quando o alagoano presidia a Câmara dos Deputados, e havia rompido com o ministro da articulação política, Alexandre Padilha.

Na atual legislatura, Costa é interlocutor frequente dos presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). Nessa semana, articulou com Alcolumbre detalhes do novo marco legal do licenciamento ambiental, com o qual espera destravar centenas de obras paralisadas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

No pleito para o Senado, Costa e o senador Jaques Wagner terão de contornar a resistência dos aliados à hegemonia petista na chapa majoritária, na qual o PT ocuparia três das quatro vagas: o governador Jerônimo Rodrigues e Wagner buscando a reeleição, e Costa disputando a outra vaga de senador. Para os aliados restaria a vaga de vice-governador, que hoje está com o MDB, mas pode migrar para o PSD.

Em entrevista a um programa de TV local, o senador Otto Alencar, presidente do PSD na Bahia, alertou que no passado, uma chapa puro-sangue construída pelo ex-governador Antônio Carlos Magalhães (morto em 2007) saiu derrotada. O ano era 2006, e a chapa tinha Paulo Souto concorrendo ao governo, Eraldo Tinoco para vice, e Rodolpho Tourinho para a única vaga ao Senado, todos do ex-PFL. Naquele ano, Wagner elegeu-se governador, e João Durval Carneiro (PDT) levou o Senado. Na prática, a vara de bambu-taquara terá de resistir incólume, pelo menos, até outubro de 2026.

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