quarta-feira, 28 de maio de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

É preciso dar um basta à sanha arrecadatória

O Globo

Setor produtivo faz bem em exigir suspensão de aumento do IOF. Governo deve cortar gastos e emendas

É oportuno e certeiro o manifesto de entidades empresariais defendendo o cancelamento do aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), definido pelo governo federal na semana passada. Incapaz de promover um programa confiável de controle de gastos, pressionado pelo crescimento das despesas — em especial as previdenciárias, vinculadas ao crescimento real do salário mínimo — e cioso de despejar recursos públicos em seus projetos de estimação, mais uma vez o presidente Luiz Inácio Lula da Silva partiu para cima do bolso do contribuinte. Para tapar o rombo que se vislumbra no Orçamento, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, aumentou o IOF em várias operações, inclusive empréstimos e câmbio. Tal medida inibe a tomada de crédito, desestimula investimentos e inevitavelmente acarretará repasse aos preços, com impacto na inflação. Diante da taxa de juros já nas alturas — 14,75% —, o setor produtivo decidiu dar um basta à sanha arrecadatória.

O manifesto descreve de forma didática o impacto da alta do IOF. “Com as medidas, os custos das empresas e dos negócios com operações de crédito, câmbio e seguros serão elevados em R$ 19,5 bilhões apenas no que resta do ano de 2025”, afirma o documento. “Para 2026, o aumento de custo chega a R$ 39 bilhões.” A maior tributação sobre o câmbio tem impacto negativo na importação de insumos e máquinas imprescindíveis ao bom funcionamento e à modernização do parque produtivo. A medida também aumenta “a carga tributária do IOF sobre empréstimos para empresas em mais de 110% ao ano”, dizem os empresários.

Assinam o manifesto representantes de praticamente todos os setores que geram riqueza no país: Confederação Nacional da Indústria (CNI), Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca) e Organização das Cooperativas do Brasil (OCB). As entidades exigem que o Congresso invalide o decreto do Executivo. Seria mesmo uma medida acertada. Como menciona o manifesto, o Brasil tem uma das cargas tributárias mais altas do mundo. Se o governo precisa de recursos para cumprir a meta fiscal com que se comprometeu, o caminho recomendável é outro: um programa robusto de corte de gastos, tanto do Executivo quanto do Legislativo — a começar pelas bilionárias emendas parlamentares.

Pressionado, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), prometeu discutir a revogação do decreto em reunião com líderes partidários. O país, disse ele, “não precisa de mais imposto”. Nos próximos dias, ficará claro se Motta convocará mesmo uma votação para descartar o aumento descabido do IOF. Os parlamentares deveriam aproveitar e anunciar cortes nas emendas parlamentares, uma aberração no Orçamento da União sem paralelo no mundo. Juntas, as duas medidas mostrariam um Congresso comprometido com o equilíbrio das contas públicas e o crescimento sustentado da economia.

Os signatários do manifesto lembram que o Brasil precisa de “um ambiente melhor para crescer — e isso se faz com aumento de arrecadação baseado no crescimento da economia, não com mais impostos”. Concluem o texto com um chamado: “É hora de respeitar o contribuinte”. Na verdade, já passou da hora.

Epidemia de gripe reflete ineficácia do programa de vacinação

O Globo

Com a cobertura em 32%, ante meta de 90%, hospitais estão lotados de pacientes com vírus influenza

Ninguém pode se dizer surpreso com o aumento dos casos de gripe. A despeito de surtos acontecerem todo ano, mais uma vez as emergências estão lotadas, e leitos de hospitais ocupados por pacientes que não precisariam estar ali. A vacina, distribuída gratuitamente na rede pública, protege justamente contra hospitalizações e mortes. Mas a adesão lamentavelmente anda baixa. O índice de cobertura está em torno de 32%, bem inferior à meta de 90% estabelecida pelo Ministério da Saúde.

No início de maio, o boletim Infogripe, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), já alertava sobre o aumento de internações por influenza, vírus causador da gripe, em diferentes regiões. No decorrer do mês, o quadro piorou. O boletim mais recente informa que o vírus está em franca expansão na maior parte do país. A situação deveria preocupar autoridades de saúde.

Números levantados pelo GLOBO mostram que, entre março e abril, os casos de síndrome respiratória aguda grave provocados por influenza subiram 373% no Amazonas, 335% em Santa Catarina, 311% em São Paulo, 277% no Paraná, 218% no Rio Grande do Sul e 141% na Bahia. Só na cidade do Rio de Janeiro, as internações por influenza cresceram 270%.

A campanha nacional de vacinação contra a gripe começou em abril, tendo como alvo crianças pequenas, gestantes e idosos. Até agora não decolou, apesar de estar em curso nas regiões Nordeste, Centro-Oeste, Sul e Sudeste. O Ministério da Saúde afirma ter distribuído mais de 51,3 milhões de doses aos estados. Mas elas acabam encalhando nos postos por falta de interesse, erros de gestão, dificuldades de acesso, horários inadequados, desinformação ou hesitação da população.

Não faz sentido sobrecarregar prontos-socorros e hospitais com uma doença cuja gravidade é evitada com a vacina. O país tem enormes carências na saúde. A falta de leitos é problema recorrente. Além disso, é um contrassenso o governo gastar dinheiro em vacinas que muitas vezes vão para o lixo por perderem a validade, para depois gastar ainda mais dinheiro com internações evitáveis no SUS.

A situação merece atenção de todos — governo federal, estados, prefeituras e sociedade. O Ministério da Saúde precisa ampliar as campanhas educativas, enfatizando a importância da vacinação para os grupos prioritários e combatendo a desinformação disseminada nas redes sociais. Os municípios, responsáveis pela aplicação das doses, precisam ter atitude mais ativa, levando as vacinas a pontos de grande circulação, como estações de metrô, trem e terminais de ônibus, ou usando postos móveis. É compreensível que, em meio a tantas outras doenças, os cidadãos minimizem a influenza. Mas ela pode causar sofrimento, levar ao hospital e até matar. E prevenir não custa nada.

Congresso tende a rejeitar mais um aumento de imposto

Valor Econômico

Qualquer aumento de impostos feito por um governo que se recusa a cortar gastos seria mal-recebido de qualquer forma, mas a alta do IOF trouxe perplexidade a todos, das lideranças do Congresso às instituições financeiras

A reação de empresários, investidores e Congresso ao aumento do IOF que o governo pretende fazer foi muito ruim, e a medida depende agora do jogo de forças político no Legislativo, desfavorável ao Planalto. O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), deu resposta ríspida e demagógica ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao dizer: “O Brasil não precisa de mais imposto. Precisa de menos desperdício”. Haddad havia dito que a responsabilidade fiscal é uma tarefa de todos, insinuando erroneamente que elevar a carga de IOF é a única saída possível - excluiu a opção de cortar mais gastos, a solução simples e correta.

Tecnicamente, o aumento do IOF pode fechar parte de uma conta que admite um rombo de R$ 31 bilhões nas contas públicas ao fim de 2025. Mas o imposto é ruim e afeta muitos setores econômicos. Os primeiros a se livrarem da medida foram os investidores brasileiros que remetem recursos ao exterior, individualmente ou via fundos, que seriam sobretaxados de uma hora para outra, tornando nulas todas as opções de aplicação com base nas hipóteses de rentabilidade feitas antes da medida. Os bancos têm incentivado a diversificação dos investimentos rumo ao exterior, e o IOF maior foi uma surpresa inesperada e bastante desagradável.

Mais importante do que a fatia privilegiada de investidores que podem aplicar no exterior, que foram poupadas pelo recuo da Fazenda, é a das empresas que produzem no país, de qualquer porte, que terão de pagar o IOF maior. Depois de aumentar muito a taxa de juros, a carga extra de imposto acentuará o custo do crédito interno, tornando proibitiva a contratação de empréstimos para empresas que ainda têm condições de fazê-lo e piorando as condições das que precisam de alguma forma rolar suas dívidas diante de condições adversas.

Entre os analistas, há certo consenso de que a Fazenda usou um péssimo imposto para arrecadar. Sua finalidade não é essa, para começar. Com fins regulatórios, ele foi desenhado para permitir respostas rápidas a mudanças abruptas na economia, especialmente na área cambial. O IOF foi usado logo após a derrubada pelo Congresso da CPMF, outro imposto sobre transações financeiras com o qual ele guarda semelhança.

Investidores revoltados logo o associaram à contenção de desvalorizações cambiais e regulação de fluxos de capitais. A inadequação do instrumento para obter o fim desejado - arrecadar mais - foi tão grande que levantou suspeitas sobre intenções inexistentes. Durante a maxidesvalorização do fim de 2024, provocada pelo erro crasso de anunciar ao mesmo tempo medidas para controlar gastos e diminuir receitas, o governo Lula pode ter pensado em utilizar o IOF para deter a perda de valor do real - instrumento considerado válido pelo Fundo Monetário Internacional para deter a saída de divisas do país. Não é o caso, porém. Há reservas sólidas e saídas moderadas de dólares, enquanto aumentam as chances de ingressos de moedas fortes no país com a guerra cambial de Trump.

Qualquer aumento de impostos feito por um governo que se recusa a cortar gastos seria mal-recebido de qualquer forma. O aumento do IOF, no entanto, trouxe perplexidade a todos, das lideranças do Congresso às instituições financeiras. Com receio de vazamentos, a Fazenda deixou de fazer articulações necessárias, em primeiro lugar com as lideranças políticas, que poderiam indicar ao governo a temperatura do Congresso para aceitar carga tributária maior - em princípio, nenhuma. Depois, ao que parece, não foram aparadas as arestas com o Banco Central, responsável pelas operações de câmbio. O BC disse depois que é contrário ao uso do IOF para a finalidade desejada.

O ministro da Fazenda não contou com retaguarda no governo. Ele disse que tudo foi discutido com Lula, diretamente, mas seus desafetos na Casa Civil não deixaram de assinalar o desgaste político para o presidente, que em tese o teria aprovado. Por fim, restou o Congresso, onde o governo se equilibra sobre uma base cada vez mais infiel e que já deu sinais suficientes, em entrevistas dos principais líderes dos partidos de sustentação, que não seguirão o presidente em sua tentativa de reeleição.

O governo errou ao escolher o aumento da arrecadação para fechar as contas públicas, embora este tenha sido um método aprovado pelo Congresso para que ele se efetive. O regime fiscal pressupõe que as contas públicas só fecharão com aumento de arrecadação, cuja efetivação deslancha mais gastos, e os parlamentares a aprovaram. A reação contrária do Congresso agora sugere que a proximidade do calendário eleitoral passa também a influir cada vez mais em suas decisões. Ao Congresso também não é fácil a escolha entre a rejeição total ou parcial ao IOF maior. Restam empresas e consumidores interessados em adquirir dólares como alvos do imposto. Livrar ambos significa anular os planos do governo e rejeitar o aumento do imposto. A solução não é ruim e forçará o Planalto a encontrar outras alternativas que não penalizar mais uma vez o setor produtivo e os contribuintes, para finalmente reduzir seus gastos.

Se quer evitar alta do IOF, Congresso deve limitar emendas

Folha de S. Paulo

Há ótimos argumentos contra mais um aumento de imposto, mas parlamentares precisam cortar parte das despesas que criaram

"O Executivo não pode gastar sem freio", e "o Estado não gera riqueza, consome". Foi assim que o presidente da Câmara dos DeputadosHugo Motta (Republicanos-PB), reagiu ao aumento da carga tributária promovido pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Na semana passada, as autoridades econômicas projetaram uma expansão da despesa federal, apesar de bloqueios e contingenciamentos, e decretaram alta do do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Motta poderia aproveitar a ocasião para dar consequência prática às preocupações que externou.

Um bom começo seria liderar um esforço para limitar o gasto impositivo a ser executado por meio de emendas parlamentares ao Orçamento —de quase R$ 39 bilhões neste ano, ante um total previsto de pouco mais de R$ 50 bilhões em despesas criadas por deputados e senadores.

Essas emendas de pagamento mandatório, individuais e de bancas estaduais, equivalem a um quarto dos recursos chamados discricionários do governo, basicamente para custeio e investimento. Com a expansão insustentável dos pagamentos de salários e aposentadorias promovida por Lula, as emendas totais deverão responder por quase metade dos gastos federais livres em 2027.

Desde o anúncio do aumento do IOF, deputados e senadores de partidos de oposição propõem a votação de decretos legislativos que cancelem essa ampliação da carga. Há certo ceticismo quanto a tal possibilidade. Sem a receita extra do imposto, o governo teria de contingenciar e, no limite, cancelar certas despesas, o que afetaria também verbas de interesse direto dos parlamentares.

Em vez de se deixar levar pelo menor e mais mesquinho dos interesses, o Congresso Nacional faria bem em desta vez inverter expectativas. Ao mesmo tempo em que tratasse de apagar o canetaço do IOF ou de convencer o governo a fazê-lo, apresentaria uma contenção do gasto executado por indicação de seus membros.

Além do montante sem paralelo conhecido nas principais democracias, a maior parte das emendas parlamentares constitui mais uma modalidade de despesa obrigatória e indexada à arrecadação, características em geral incompatíveis com uma boa gestão orçamentária.

O IOF é sem dúvida um imposto daninho, a não ser quando empregado, com muita moderação, para regular pontualmente fluxos financeiros. O governo Lula decretou o aumento de alíquotas com fins de arrecadação, de modo desesperado, porque esgotam-se seus meios de expandir a receita tributária com apoio político do Legislativo.

Há excelentes argumentos para se opor ao aumento do tributo e à própria estratégia petista de buscar a redução do déficit fiscal sem conter a gastança. O Congresso não pode, porém, fazer dessa questão um mero palanque. Se quer mostrar responsabilidade, precisa também pôr freio nas despesas que cria.

Restrição à transparência sob Lula é inaceitável

Folha de S. Paulo

Ministério da Gestão não faz mais que a obrigação ao desbloquear documentos que somam R$ 600 bilhões em verbas da União

Foi necessária a pressão de entidades de defesa da transparência durante um ano para que o Ministério da Gestão e Inovação recuasse de sua decisão nada republicana de bloquear informações sobre a aplicação de verbas da União.

Em maio de 2024, a pasta restringiu o acesso na plataforma TransfereGov a mais de 16 milhões de documentos relativos a contratos firmados desde 2007. Laudos, atas, termos de parceria, prestação de contas e notas fiscais de convênios com ONGs, empresas e governos estaduais e municipais só poderiam ser visualizados pelos cidadãos após solicitação por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), de 2011.

Estima-se que o material envolva mais de R$ 600 bilhões. Ainda mais preocupante, parte dele se refere a repasses por emendas parlamentares do chamado "orçamento secreto", que o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional em 2022 justamente por falta de transparência.

O Ministério da Gestão alegou que seguiu um parecer da Advocacia-Geral de União (AGU) sobre a aplicabilidade da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), de 2018 —para resguardar dados que seriam sensíveis, como nome, CPF, contracheque, RG e e-mail de entes privados.

Trata-se, porém, de interpretação distorcida da LGPD, como a AGU indicou em nota: "O parecer mencionado em nada impede que os documentos continuem plenamente acessíveis, auditáveis e publicamente disponíveis".

O princípio é claro. Quem recebe verba pública precisa estar sujeito a normas de publicidade.

A LGPD vem sendo usada de forma obtusa. Segundo relatório do acórdão 506/2025, julgado em março pelo Tribunal de Contas da União, de 580.236 pedidos analisados de acesso à informação no âmbito da administração pública federal entre 2019 e 2023, 30,8% foram indevidamente classificados como restritos, e em vários usou-se a proteção de dados como justificativa genérica.

Após representação aberta por Ministério Público e TCU, o Ministério da Gestão se reuniu com a AGU e decidiu, na sexta-feira (23), dar início à publicação do material, que tem prazo de 15 dias para ser concluída.

Considerando que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi eleito com discurso de defesa à transparência, marcando diferença em relação a seu antecessor, Jair Bolsonaro (PL), o bloqueio promovido é ainda mais vergonhoso. Espera-se que a pasta e o governo petista busquem respeitar, de fato, as boas práticas de gestão da informação relativa ao uso que se faz do dinheiro do contribuinte.

Flagrante abuso de autoridade

O Estado de S. Paulo

Abertura de inquérito sem lastro contra Eduardo Bolsonaro é sinal da perigosa guinada das mais altas esferas do Judiciário para criminalizar a liberdade de expressão e as lides políticas

Atendendo a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes autorizou a abertura de um inquérito policial contra o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Segundo o procurador-geral Paulo Gonet, o parlamentar estaria nos EUA em “enérgica” campanha para que o governo norte-americano imponha sanções a autoridades brasileiras, entre as quais Moraes e o próprio Gonet, com o objetivo de “embaraçar o andamento do julgamento técnico” contra Jair Bolsonaro, além de “perturbar os trabalhos técnicos que se desenvolvem no Inquérito 4.781”, o famoso inquérito das fake news, ambos em curso na Corte.

Seria menos preocupante para o País se estivéssemos apenas, por assim dizer, diante de um erro jurídico e institucional cometido simultaneamente pela PGR e pelo STF. Trata-se de algo muito pior do que isso. Tanto o pedido de investigação contra Eduardo Bolsonaro como a anuência para sua instauração constituem flagrantes casos de abuso de autoridade, sugestivos da perigosa guinada que as mais altas esferas do Judiciário brasileiro têm dado para criminalizar o exercício da liberdade de expressão e interferir indevidamente nas lides políticas.

Como se sabe, Eduardo Bolsonaro, de fato, partiu para um doce autoexílio nos EUA para desde lá liderar uma campanha política contra o STF, a PGR e a Polícia Federal (PF), instituições tidas como algozes de seu pai e aliados, todos réus em ação penal por suspeita de envolvimento até a medula numa desabrida tentativa de golpe de Estado. Dito isso, como a própria peça da PGR deixa claro, tudo o que o chamado “03” tem feito nos EUA não passa disso, de manifestações de cunho político por meio de postagens nas redes sociais, gravações de vídeos e entrevistas. Ao que consta, por mais sórdidos e injustos que sejam os termos, isso não é crime.

Mas, de acordo com a constrangedora petição do parquet – uma das mais vexatórias já subscritas por uma alta autoridade do Ministério Público Federal –, Eduardo Bolsonaro teria cometido três crimes: coação no curso do processo (art. 344 do Código Penal), obstrução de investigação sobre organização criminosa (art. 2.º, § 1.º, da Lei 12.850/2013) e abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L do Código Penal). Nada menos.

A base fática para essas gravíssimas imputações é frágil, para não dizer inexistente. O próprio procurador-geral chega a escrever que “as evidências conduzem à ilação de que a busca por sanções internacionais a membros do Poder Judiciário visa a interferir sobre o andamento regular dos procedimentos de ordem criminal, inclusive ação penal, em curso contra o sr. Jair Bolsonaro e aliados”. Ora, uma investigação policial que se sustenta em “ilação” tem nome: abuso de autoridade. Em português cristalino, assim o diz o art. 27 da Lei 13.869/2019: “Requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou administrativa, em desfavor de alguém, à falta de qualquer indício da prática de crime, de ilícito funcional ou de infração administrativa – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa”.

Ao fim e ao cabo, nenhuma sanção foi imposta pelo governo dos EUA contra quaisquer das citadas autoridades brasileiras até o momento. Tampouco está comprovado em que medida a suposta influência de Eduardo Bolsonaro seria determinante para orientar uma decisão de alto nível do governo dos EUA. E, ainda que tivesse sido, soberanos são os EUA para sancionar quem quer que seja, nacional ou estrangeiro, de acordo com o seu ordenamento jurídico e os princípios que regem a sua política externa.

Digamos que, eventualmente, Alexandre de Moraes seja proibido de entrar nos EUA ou de movimentar recursos por meio de instituições financeiras daquele país. De que forma isso comprometeria sua jurisdição e suas prerrogativas de ministro do STF em território brasileiro?

Mais bem dito: um Estado Democrático de Direito que colapsa porque uma ou duas autoridades foram sancionadas por nação estrangeira já foi abolido há muito tempo – e por outras razões. Além disso, é forçoso dizer que um julgamento “técnico” que sucumbe à verborragia de alguém como o sr. Eduardo Bolsonaro não vale as folhas dos autos.

Vexame iminente

O Estado de S. Paulo

Ao aumentar IOF para elevar arrecadação e cumprir regras fiscais, governo toma atribuição do Congresso e arrisca ver a medida derrubada por parlamentares. Melhor revogar o decreto

A tentativa do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de salvar a meta fiscal com base em um decreto presidencial está por um fio. Depois de recuar do aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre aplicações de fundos brasileiros no exterior e remessas de pessoas físicas destinadas a investimentos fora do País, o ministro corre o risco de ver o Congresso derrubar o restante das propostas que apresentou na quinta-feira passada e que sobretaxam operações de crédito, câmbio e seguros.

Já há ao menos 19 projetos de decreto legislativo (PDLs) protocolados na Câmara e no Senado que visam a revogar o decreto presidencial 12.466, que elevou o IOF sobre essas operações. A maioria deles foi apresentada por deputados do PL e do Novo, mas também há propostas de autoria de partidos da base do governo Lula da Silva, como MDB, União Brasil e Solidariedade.

Tantas iniciativas para derrubá-lo em tão poucos dias no Congresso refletem o repúdio da sociedade ao aumento da carga tributária. Sete entidades já pediram ao Congresso para que intervenha no assunto, entre elas as confederações nacionais da indústria (CNI), do agronegócio (CNA), do comércio e serviços (CNC), das instituições financeiras (CNF) e das seguradoras (CNSeg), além da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca) e da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB).

Em nota conjunta, as entidades argumentam que a medida deve aumentar o custo dos empréstimos para empresas em mais de 110% ao ano. Ainda de acordo com as entidades, o decreto vai encarecer a aquisição de insumos e bens de capital importados para investimentos e ampliar as distorções entre produtos do mercado financeiro.

De fato, as entidades têm razão. Não é correto recorrer a um imposto regulatório, como o IOF, para resolver um problema de arrecadação. Elevar ou reduzir impostos regulatórios é uma prerrogativa do Executivo para incentivar ou desestimular uma determinada conduta ou atividade econômica. É por esse motivo que essas mudanças podem ser feitas por decreto.

O governo pode propor a elevação de outros tipos de tributo para aumentar a arrecadação, mas cabe ao Legislativo aprovar ou rejeitar a medida. Na hipótese de que uma proposta como essa fosse aprovada, seria preciso cumprir a noventena e/ou o princípio da anualidade para que ela pudesse entrar em vigor.

Mas, como ficou claro na semana passada, o objetivo da Fazenda ao elevar o IOF é obter R$ 20,5 bilhões neste ano e R$ 41 bilhões em 2026 para, assim, reduzir a necessidade de congelar gastos para cumprir o limite de despesas e a meta fiscal.

Na prática, portanto, o decreto proposto pela Fazenda atropelou uma atribuição que pertence ao Congresso, razão pela qual os projetos de decreto legislativo propostos na Câmara e no Senado se sustentam e podem, de fato, prosperar.

É raro que um projeto de decreto legislativo seja pautado em plenário. Na maioria das vezes, trata-se de um protesto isolado de um deputado ou senador incomodado com uma decisão que afeta seus eleitores. Mas não é este o caso do decreto em questão.

Por mais diplomático que seja o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), será difícil ignorar esse clamor. O deputado já indicou que vai submeter o tema ao colégio de líderes da Casa e, uma vez que a proposta seja pautada, basta que haja maioria simples de votos em uma sessão com mais da metade dos parlamentares para que ela seja aprovada.

Por meio de suas redes sociais, Motta também já deixou clara sua posição contrária a medidas que aumentem impostos. “Quem gasta mais do que arrecada não é vítima, é autor”, afirmou. Foi uma resposta ao ministro Haddad, que, em entrevista ao jornal O Globo, disse que a manutenção do arcabouço fiscal “depende muito mais do Congresso” do que do governo.

É comum que Legislativo e Executivo entrem em acordo para impedir que o presidente da República veja um de seus atos derrubado por deputados e senadores. Diante de uma iminente derrota, a melhor estratégia para o Executivo seria revogar o decreto presidencial por iniciativa própria para evitar mais um vexame.

Mais uma eleição de mentirinha

O Estado de S. Paulo

Esvaziadas e boicotadas, eleições locais na Venezuela consolidam Nicolás Maduro

A Venezuela é pequena demais para o ditador Nicolás Maduro. Os poucos cidadãos que se dispuseram a participar da mais recente fraude eleitoral no país, domingo passado, para “eleger” governadores e renovar o Parlamento, puderam “votar” até em candidatos para o governo de Essequibo, território que pertence à Guiana, mas que Maduro considera parte da Venezuela.

Essa foi, digamos, a nota pitoresca de uma votação como outra qualquer na Venezuela chavista: pouco importa em quem os venezuelanos votam, pois o resultado já é conhecido de antemão. Para surpresa de ninguém, o governo ganhou de lavada.

Ainda que já tenham se tornado corriqueiras, as eleições de mentirinha na Venezuela não deixam de causar indignação, sobretudo porque o governo não se esforça nem mesmo para disfarçar a manipulação grosseira dos resultados. De acordo com o Conselho Nacional Eleitoral, órgão totalmente controlado por Maduro, os partidos governistas conquistaram mais de 80% das cadeiras do Parlamento, além de 22 dos 23 governos estaduais em disputa.

O mesmo CNE informou que 42,6% dos 21 milhões de venezuelanos aptos a votar o fizeram. Mas as imagens de locais de votação esvaziados parecem corroborar a versão da oposição, segundo a qual o comparecimento foi de apenas 16%.

O desencanto com o regime de Maduro e o boicote de parte da oposição ao processo explicam os números baixos. A principal líder oposicionista, María Corina Machado, hoje na clandestinidade, disse que não faria sentido participar das eleições porque os resultados não seriam respeitados, a exemplo do que aconteceu na eleição presidencial do ano passado, escandalosamente roubada por Maduro.

Mas nem todos os oposicionistas pensam como María Corina: Henrique Capriles, que já foi o principal nome da oposição em outras disputas presidenciais, participou das eleições e conquistou uma vaga no Parlamento. Para ele, a abstenção era de interesse do regime e o boicote ao pleito foi um erro. É essa divisão da oposição que facilita a vida do ditador Maduro. Se mantivesse a união apresentada na eleição presidencial e que desafiou seriamente a ditadura, a oposição poderia provocar algum desconforto ao governo. Dividida, perde o pouco poder que tem.

Enquanto a oposição vive seus dilemas existenciais, a ditadura de Maduro segue voando em céu de brigadeiro. A nova “vitória” eleitoral dá ao regime as condições ideais para dar um verniz de legitimidade a uma reforma constitucional que aprofunde a transformação da Venezuela num Estado totalmente controlado pela ditadura.

Como mostra a altíssima abstenção nas recentes eleições, será difícil para Maduro convencer seus compatriotas a referendar uma reforma da Constituição que tende a aprofundar o fim da democracia no país e a solidificar a cleptocracia instalada no Palácio Miraflores. Isso, claro, não será necessariamente um problema para Maduro, pois uma de suas especialidades é ditar o resultado de eleições na Venezuela. Mas mostra o tamanho do abismo que há entre o ditador e a maioria de seus infelizes súditos.

PL da Devastação e retrocessos em série

Correio Braziliense

A ausência de outras vozes do governo contrárias ao PL sinaliza que a ministra Marina Silva parece estar sozinha. O ataque a que foi submetida, nesta terça, no Senado ilustra que os retrocessos no país vão além das questões ambientais

O Senado Federal aprovou, na semana passada, o Projeto de Lei 2.159/2021, que cria a Lei Geral do Licenciamento Ambiental. O texto havia sido aprovado na Câmara em 2021, mas sofreu mudanças significativas — e bastante negativas para a biodiversidade brasileira — ao passar pelo crivo dos senadores. O projeto é discutido no Congresso desde 2004, a partir de uma proposta do ex-deputado federal Luciano Zica. Em suma, a última versão aprovada pelo Senado flexibiliza todo o licenciamento ambiental brasileiro, o que deu ao texto a alcunha de PL da Devastação por parte de organizações ambientais.

Uma das mudanças principais passa por uma emenda do presidente do Senado, Davi Alcolumbre. Defensor da exploração do petróleo na chamada Margem Equatorial, o político quer criar a Licença Ambiental Especial (LAE), documento único para projetos listados como prioritários pelo governo federal, com rito especial de análise máxima de um ano, com dispensa de etapas hoje existentes. O objetivo parece claro: passar por cima do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), principal responsável por travar a liberação da exploração do chamado "ouro negro" na Amazônia.

Mas esse não é o único ataque ao meio ambiente promovido pelo PL da Devastação. O texto também quer criar a Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC), uma autodeclaração por parte do empreendedor para quaisquer intervenções, com exceção daquelas "de alto impacto no meio ambiente". É como se um jovem, ao completar os 18 anos, declarasse ser capaz de dirigir um carro apesar de não ter sido aprovado no exame de direção.

Para além do retrocesso óbvio, especialistas alertam para o enfraquecimento de órgãos ambientais fundamentais no processo de licenciamento ambiental, como a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o próprio Ibama e a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). Esses órgãos existem para mapear os impactos diretos de empreendimentos com grande potencial de dano — a exemplo, hidrelétricas e barragens de mineração. Mas não só. É durante o licenciamento ambiental que se mapeiam potenciais danos indiretos dessas intervenções, como o aumento do conflito fundiário em áreas de conservação.

O Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, na figura da ministra Marina Silva, tem se posicionado contrário ao PL com a seriedade e a assertividade que o tema merece. "Não podemos retroceder nem um centímetro nas agendas que o Brasil já avançou, inclusive no licenciamento ambiental, que, agora, sofreu um golpe de morte no Congresso Nacional", disse Marina, durante evento em comemoração ao Dia Internacional da Biodiversidade, no Rio de Janeiro, na semana passada. 

A ausência de outras vozes do governo contrárias ao PL sinaliza que a ministra parece estar sozinha. E sob ataque de parlamentares. Convidada para falar sobre licenciamento ambiental no Norte do Brasil ontem, na Comissão de Infraestrutura do Senado, Marina abandonou o local após bate-boca e demonstrações explícitas de misoginia. O episódio — muito aquém do que se espera de debates democráticos sobre temas que interessam ao país — ilustra também que os retrocessos no país vão além das questões ambientais.

Eduardo Bolsonaro sob investigação

O Povo (CE)

Jair Bolsonaro também será ouvido no inquérito, por afirmar que é o responsável pela manutenção financeira do filho no exterior, sendo, portanto, o suposto beneficiário das ações dele nos Estados Unidos

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a abertura de inquérito para investigar supostos crimes cometidos pelo deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), atualmente morando nos Estados Unidos. Segundo a Procuradoria Geral da República (PGR), Eduardo Bolsonaro estaria atuando nos Estados Unidos contra autoridades brasileiras, especialmente o ministro Alexandre de Moraes.

A abertura da ação deu-se a pedido do procurador-geral da República, Paulo Gonet, apontando que o filho do ex-presidente Jair Bolsonaro estaria cometendo os crimes de coação no curso do processo, obstrução de investigação de organização criminosa e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, nos processos que tramitam contra o pai.

É de conhecimento público — mesmo porque o próprio deputado divulga suas atividades — que Eduardo atua em instâncias do governo e do Congresso americano para impor sanções a ministros do STF, por suposta perseguição que seu pai estaria sofrendo.

A propósito, Moraes determinou também que Jair Bolsonaro fosse ouvido, por afirmar que é o responsável pela manutenção financeira do filho no exterior, sendo, portanto, o suposto beneficiário das ações dele nos Estados Unidos.

As alegações de Eduardo de que apela a um país estrangeiro, pois sofreria "perseguição" em seu país, são insustentáveis. O Brasil é reconhecidamente uma nação democrática, com as instituições funcionando nos limites da legislação aprovada pelo Congresso Nacional. O deputado tem, portanto, assegurado o direito à ampla defesa em seu próprio país, o que ele não teria em um "estado de exceção", como ele diz vigorar no Brasil.

Enquanto a temperatura sobe, o mais provável é que as diplomacias brasileira e americana estejam em intensas negociações para evitar que a linha de não retorno seja ultrapassada. O papel das diplomacias profissionais é evitar o choque, que inevitavelmente acontecerá, caso o Congresso ou a Justiça dos EUA, aplique sanções a Alexandre de Moraes.

Espera-se que a situação não chegue a esse ponto de ruptura, pois o Brasil teria a obrigação de encarar o episódio como a intervenção inaceitável de um país estrangeiro em sua política interna, ou seja, um ataque direto à sua soberania, o que seria um abalo nas relações entre Brasil e Estados Unidos, que já duram 200 anos.

No mais, seria interessante conhecer a opinião dos presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB) e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP) sobre o inquérito. Eles consideram normal que um congressista alie-se a um governo e a parlamentares de um país estrangeiro para que sancionem um ministro da mais alta corte do país? Eles concordam que o Brasil vive em um "estado de exceção"?

 

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