É do filósofo judeu-alemão Walter Benjamin a polêmica frase de quase não há objetivos sensatos na Política, entendida esta como reino da racionalidade estratégica ou instrumental. Naturalmente, referia-se ele à tradição maquiavelicamente da Política, enquanto mero meio de conquistar o Estado e mantê-lo, a qualquer custo, indiferentemente quanto aos meios utilizados para isso.
Vem daí a infeliz constatação de que "os fins justificam os meios" ou a conhecida ética das consequências ou ainda, as chamadas "razões de Estado". Embora não seja filosoficamente anarquista ou neo-anarquista, tenho a obrigação moral e política de dizer que o anarquismo e o neo-anarquismo contemporâneos, que estão presentes nos atuais movimentos sociais, não nada a ver com práticas blanquistas ou carbonárias e, muito menos, com ações terroristas, seja lá o que se entenda por isso.
A recusa dos militantes libertários à Política institucional, representativa ou partidária decorre de uma compreensão filosófica que vê a natureza humana como intrinsecamente boa e o Estado como uma perversão social,independente da forma institucional que assuma (república, monarquia, democracia, ditadura etc.). Para os anarquistas, o problema está no designado "princípio de autoridade" em si mesmo,mesmo numa sociedade que chame a si própria de libertária ou socialista.
Dai a preferência pela ação direta ou a cultura mobilizatória, sem a intermediação político-partidária. Os militantes anarquistas têm uma desconfiança intrínseca da Política institucionalizada, entendida muitas vezes como o supra sumo da alienação humana. O melhor governo é o autogoverno e a liberdade política é indelegável.
Por isso nada mais estranho que atribuir a gênese dos movimentos sociais à ação de partidos políticos ou a políticos dotados de motivações escusas (carbonárias, blanquistas ou terroristas).
Estes movimentos são totalmente avessos à participação de partidos ou políticos partidários. A tentativa infame de se atribuir a esses o protagonismo dos militantes sociais só pode ser explicado à luz de uma teoria conspirativa muito ao gosto da polícia e dos governos autoritários que não toleram nenhum movimento de contestação ou de crítica.
Para estes últimos, qualquer tentativa de oposição é golpe, é conspiração ou ação terrorista. Como dizia Rosa Luxemburgo, a liberdade só faz sentido para quem pensa diferente de nós, que discorda do nosso pensamento. Onde não há contraditório ou dissenso, a liberdade é inútil,pois todos pensam igualmente. Para os ditadores líderes autoritários, a liberdade é um mal-entendido ou é o direito do cidadão dizer "amém", "sim, senhor". Esta palavra não existe no dicionário político dessa estirpe de políticos.
A liberdade é um direito universal, não está submetido a nenhuma condicionalidade. Muito menos a vontade (e ao entendimento) do inspetor de quarteirão da esquina. Quando se começa a adjetivar a liberdade ou a submete-la a condições ou a concordância autoridade policial, ela deixa de existir.
Assim , não deixa de ser surpreendente que um governo (do PT) e uma imprensa que foi vítima, a pouco tempo, de tantas violências e arbítrio de uma ditadura militar, faça coro com aqueles que querem sim proibir a livre manifestação da crítica dos movimentos sociais. Por acaso, não sabem por experiência própria que o fim das liberdades públicas começa sempre pelo direito do livre pensamento de algum setor da sociedade?
Ou esses desavisados acham que contarão com o beneplácito ou um salvo-conduto dos futuros liberticidas deste país?
Michel Zaidan Filho, sociólogo é professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
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