• Suspeita de que órgão de controle atrasou abertura de processo para beneficiar reeleição de Dilma constitui retrocesso democrático
Nas duas vezes em que tomou posse do cargo de presidente da República, Dilma Rousseff (PT) reservou uma parte de seu discurso para enaltecer o papel dos órgãos de controle no combate à corrupção. Tais instituições, nas palavras da petista, sempre seriam fortalecidas e atuariam com autonomia.
Haveria surpresa se Dilma sustentasse o oposto. Mecanismos dessa natureza são parte integrante das democracias modernas, e o sistema político do Brasil, embora imperfeito, evoluiu o suficiente para não se confundir com autocracias ou cleptocracias.
São por isso mesmo preocupantes as declarações de Jonathan David Taylor, ex-diretor da holandesa SBM Offshore, a respeito da Controladoria-Geral da União (CGU).
Segundo o que afirmou a esta Folha, o principal órgão de controle interno do governo federal recebeu, antes das eleições, informações sobre propina paga à Petrobras pela empresa holandesa. A CGU, contudo, abriu processo contra a SBM apenas em 12 de novembro, 17 dias após o segundo turno.
De acordo com Taylor, era importante para a SBM dar alguma sobrevida aos contratos com o Brasil. Isso explicaria, na sua opinião, por que a empresa demorou a admitir irregularidades. CGU e Petrobras, porém, tinham outra motivação.
"A única conclusão que posso tirar disso é que essas partes queriam proteger o PT e a presidente Dilma ao atrasar o anúncio dessas investigações para evitar um impacto negativo nas eleições."
Seu testemunho por certo precisa ser confirmado por outros meios, mas não lhe falta plausibilidade. No final de agosto, Taylor repassou à CGU o relatório de uma auditoria da SBM, além de diversos documentos. No começo de outubro, prestou depoimento a três funcionários da controladoria, que foram ao Reino Unido para ouvi-lo.
O órgão brasileiro afirma que só encontrou "indícios mínimos de autoria e materialidade" sobre o caso mais de um mês depois dessa viagem e dois meses e meio depois de receber a documentação. Não é versão convincente, mas deve ser levada em consideração.
Movidos pela entrevista, integrantes da CPI da Petrobras e um representante do Ministério Público no Tribunal de Contas da União mostraram-se dispostos a inquirir Taylor. Ótimo que tenham a oportunidade de esclarecer o episódio.
Caso se comprove a instrumentalização da CGU, mesmo que circunscrita às eleições, Dilma Rousseff terá prestado enorme desserviço ao país. Pelo bem de uma democracia, não se pode permitir que nem a mais tênue sombra avance sobre os órgãos de controle -- muito menos, portanto, que ela ali permaneça.
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