- O Globo
Engana-se quem pensa que a reforma ministerial terá o misterioso condão de levar o Congresso Nacional à aprovação da CPMF ou a evitar o processo de impeachment. Seria nada mais do que a ilusão da aparência. O processo de impeachment pode ser eventualmente um pouco postergado, tudo dependendo de fatores que escapam completamente do controle da presidência. Em todo caso, a jogada da presidente foi de alto risco, pois terminou criando problemas no PMDB, sob a suposição de que estaria contentando suas diferentes alas.
Em todos esses anos petistas, o PMDB, apesar de seus problemas, tem sido um poderoso fator de estabilidade institucional e de moderação política, impedindo excessos político-sociais e advogando pela unidade do país. E se adotou esse rumo, isto em muito se deve à atuação de seu presidente, Michel Temer, também vice-presidente da República. Note-se que, sob a sua liderança, o partido conseguiu conciliar suas desavenças internas, mantendo-as sob controle. Publicamente, o partido sempre tem aparecido unido, procurando resolver seus problemas internamente. Foi, neste sentido, particularmente bem-sucedido, ganhando credibilidade e legitimidade.
Ora, o que fez a presidente da República? Resolveu implodir essa união, como se ela devesse dar agora as cartas. Passou literalmente por cima do presidente do partido e decidiu estabelecer uma negociação direta com o deputado Leonardo Picciani, representante do baixo clero, em particular carioca. O recado dado foi o de que o deputado não mais deveria passar pelo seu presidente partidário e vice-presidente da República, passando a falar diretamente com ela. A presidente decidiu por seu vice de lado, apesar de declarações públicas de apreço. Alienou um aliado decisivo!
Ficou, agora, refém desta ala particularmente fisiológica do PMDB, não tendo mais nenhum escudo. Será obrigada a fazer a política miúda, aquela que diz desprezar. E o fará sem nenhum anteparo. De imediato, teve de engolir suas indicações para o Ministério, entre elas a da Saúde. Observe-se que o partido teria nomes qualificados para essa pasta, como os dos deputados Osmar Terra e Tarcísio Perondi, ambos médicos, entre outros. Evidentemente que a escolha não poderia, dadas as condições existentes, recair sobre eles.
De imediato, fruto desta desunião provocada pela presidente, 22 deputados de uma bancada de 66 do PMDB lançaram um manifesto contra essas “negociações” e se colocaram na oposição. Um terço da bancada já se afastou desta nova configuração partidária, sem falar dos que não se expressaram publicamente e, contudo, apenas aguardam o melhor momento para saltarem de um barco que está afundando.
As denúncias de que o deputado Eduardo Cunha possui contas na Suíça só tendem a piorar a situação da presidente da República. E isto por que o deputado está convencido de que se trata de uma grande orquestração organizada pela presidente e pelo PT. Independentemente de sua culpa ou não, a seu favor joga a celeridade do processo contra ele, que não ganha a mesma velocidade quando se trata de outros políticos petistas importantes envolvidos na Lava-Jato. Ferido desta maneira, ele tende a centrar fogo na presidente e em seu partido, pondo ainda mais combustão a um processo de impeachment. Se cair, fará tudo para levar a presidente e o seu partido consigo. O ambiente, neste sentido, piora não apenas para ele, mas também para os seus adversários.
No cronograma da crise, será votado muito provavelmente entre os dias 7 e 9 o parecer do ministro Nardes relativo às contas da presidente. Tudo indica que a decisão do TCU será pela sua rejeição. Os dados técnicos seriam maciços, inquestionáveis. As mais de mil páginas da AGU, em defesa do governo, não teriam produzido nenhum argumento convincente. Uma vez votado, será encaminhado ao Congresso, que pode acatá-lo ou não. Se acatar, estará aberto um processo de crime por responsabilidade administrativa. Contudo, do ponto de vista político, a não aprovação das contas pelo TCU já é da maior relevância. O cenário estaria armado para o início do processo de impeachment.
Outro fator da maior importância, em conexão com a decisão do TCU, reside no pedido de impeachment apresentado por Hélio Bicudo e Miguel Reale Junior, que estaria muito bem embasado. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, se não mudar de opinião até lá, indeferirá o pedido. Um recurso seria interposto por deputados. Uma vez aceito, bastaria, para o início do processo de impeachment, que ele fosse aprovado pela maioria simples dos deputados presentes no plenário, algo que não seria difícil de ser conseguido. Não é necessária uma maioria simples absoluta em cujo cômputo entraria o total dos deputados da Câmara.
O fator decisivo aqui seria o comparecimento dos cidadãos deste país às ruas. Se grandes manifestações forem realizadas, a pressão popular seria enorme, podendo, mesmo, tornar-se insuportável para a presidente e o seu partido. Atos parlamentares seriam acompanhados por manifestações de rua, criando uma consonância e sintonia entre o Congresso e a sociedade. Um cenário completamente diferente então se desenharia, com novos protagonistas entrando na cena pública. Alianças de bastidores como a tecida pela presidente desmoronariam imediatamente. Cada deputado estaria preocupado somente com a sua própria sobrevivência. Entre os seus eleitores e uma frágil aliança, a decisão já estaria tomada de antemão.
Talvez aqui possa ocorrer um cenário que obrigue a presidente a renunciar. Collor também disse que não renunciaria, porém se viu forçado a isto, uma vez que a lógica política ganhou corpo próprio, fugindo de seu controle. E isto apesar de uma reforma ministerial que era, em muito, superior a esta que está sendo feita pela presidente. Até o presidente Lula encontraria o seu limite, preocupando-se exclusivamente com sua própria sobrevivência e criando condições para candidatar-se em 2018. A presidente pode tornar-se um estorvo para os seus planos.
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Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
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