Levantamento mostra mais de 58 mil autoridades com direito a julgamento em tribunal colegiado
Está correta, em seus princípios, a concessão a determinadas autoridades públicas do foro especial por prerrogativa de função, também chamado, de modo um tanto pejorativo, de foro privilegiado.
O que se pretende é deslocar o julgamento de casos criminais envolvendo detentores de cargos eletivos —o exemplo principal— para órgãos colegiados, com o intuito de reduzir influências indevidas e o risco de litigância de má-fé.
Em tese ao menos, um juiz de primeira instância pode sentir-se intimidado em condenar um cacique de sua região, mesmo que disponha de provas suficientes. Ou, em outro extremo, magistrados inexperientes ou enviesados elevarão o risco de abertura de processos de escassa fundamentação, mais voltados à perseguição política.
Na prática, entretanto, há evidências suficientes a demonstrar que o modelo brasileiro de prerrogativa de foro se tornou disfuncional.
Os motivos ganharam números mais precisos em levantamento desta Folha, publicado na edição desta terça-feira (24). Constatou-se que a quantidade de autoridades beneficiadas pelo instituto ultrapassa a cifra estelar de 58 mil.
Somam mais de 40 os tipos de cargo que dão direito a algum tipo de desaforamento, seja ao Tribunal de Justiça do estado correspondente (vereadores, prefeitos), seja ao Superior Tribunal de Justiça (governadores, desembargadores), seja ao Supremo Tribunal Federal (presidente da República, deputados, senadores, ministros).
As normas variam entre as unidades da Federação. Algumas chegam a estender o foro especial a comandantes de polícia e até dirigentes de empresas estatais.
É o que se pode chamar de um efeito cascata. Se deputados federais têm direito a serem julgados somente pelo STF, reproduz-se a regra, ainda que num tribunal inferior, para os deputados estaduais e, depois, aos vereadores. Ou, se generais são assim tratados, por que não os chefes de bombeiros?
Não se conhece notícia de um rol tão grande de beneficiados, com garantias tão amplas, em outro lugar do mundo. Essa multidão compromete a eficiência das cortes colegiadas, o que é particularmente notório nos tribunais superiores.
Estes não têm estrutura nem vocação para instruir processos contra governantes e parlamentares. Em consequência, os casos se arrastam e, com exasperante frequência, prescrevem —associando o foro especial à impunidade seletiva.
Não se imagine que extinguir ou limitar o instituto constituirá panaceia. O padrão da Justiça de primeira instância no Brasil, infelizmente, não é o da Lava Jato.
No entanto há boas razões para rever seu alcance, de forma gradual e cuidadosa. O STF deverá retomar tal discussão em breve; o ideal seria fazê-lo pela via legislativa.
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