O Estado de S. Paulo
Só os cúmplices devem lealdade a movimentos radicais e corrompidos
O expediente comum entre petistas e
bolsonaristas de associar aos rivais quem não segue a visão estreita de seus
respectivos grupos não é novidade.
O dualismo é endêmico de tal modo na
história humana que até o pensador irlandês e pai do conservadorismo, Edmund
Burke (1729-1797), então atuante no Parlamento britânico, foi acusado de
traição por correligionários simpáticos à Revolução Francesa.
Como conta Yuval Levin no livro O Grande Debate, Burke “achava que os debates de sua própria época não tinham semelhança real com os de 1668”, ano da chamada Revolução Gloriosa que levou à deposição de Jaime II e à coroação de Guilherme de Orange e Maria Stuart como rei e rainha da Inglaterra.
A posição de Burke, segundo Levin, era que
“os whigs de 1688, como defensores da antiga ordem inglesa, buscaram solucionar
uma severa crise de legitimidade encontrando meios de preservar a estrutura do
regime e a linha de sucessão, a despeito do terrível comportamento do monarca,
em vez de recomeçar sobre novos princípios”. Nas palavras de Burke, foi “uma
revolução não realizada, mas evitada”, não “um viveiro para revoluções futuras”
em nome do combate ao poder absolutista.
Para ele, de acordo com Levin, a “noção
simplista”, portanto, de que os whigs deveriam ser também favoráveis à
revolução iniciada em 1789 e que “estar contra os radicais franceses
transformava alguém em tory” era uma “distorção do significado da crise”; mas
muitos de seus colegas whigs “o acusaram de trair os princípios do partido”.
O autor explica que “a objeção de Burke à
revolução total se baseia em seu horror à perspectiva de abandonar tudo que foi
arduamente conseguido em séculos de lentas e incrementais melhorias e
mudanças”, de modo que ele “defende que as melhorias políticas devem ser
conseguidas por intermédio de reformas cumulativas”, não pela eliminação dos
fardos acumulados do passado e pelo recomeço integral.
Para Burke, já não fazia sentido falar em
whigs e tories, pois “os excessos e corrupções da própria revolução haviam
distorcido e transformado a política inglesa”, deixando para trás as disputas
sobre as prerrogativas do rei versus as do Parlamento. Como resultado, a
questão definidora passou a ser a da revolução e da reforma.
Ou seja: o pai do conservadorismo combateu
o radicalismo de fora e de dentro de seu grupo quando percebeu, na adesão cega
a um movimento similar apenas na aparência a outro do passado, os riscos para a
conservação das prerrogativas do regime existente.
Viva o “traidor”!
Um comentário:
Estou precisando ler Burke.
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