O Estado de S. Paulo
Dos desvios idiomáticos aos problemas enfrentados nas contas públicas, o Brasil corre o risco de perder sua independência
O mês de agosto terminou há pouco, mas dele
fica aquela rima que virou repetido refrão: “Agosto, mês do desgosto”. E há
pretextos (ou até motivos) para isso: agosto foi o mês da bomba atômica sobre
Hiroshima e Nagasaki, em 1945. Nove anos depois, aqui, no Brasil, o assassinato
do major Rubens Vaz desencadeou uma crise política profunda que culminou, em 24
de agosto de 1954, com o suicídio do presidente Getúlio Vargas. Em 22 de agosto
de 1976, vivíamos ainda sob ditadura quando o ex-presidente Juscelino Kubitschek
morreu num acidente automobilístico na Via Dutra, nunca esclarecido e que, por
isso, até hoje levanta suspeitas.
Mas agosto já passou, agora estamos em
setembro e, amanhã, dia 7, festejamos 202 anos da proclamação da Independência
do Brasil. É o “Dia da Pátria”, rememorando o histórico “grito do Ipiranga”,
atualmente comemorado com desfiles militares e outras demonstrações de que
somos independentes.
Vivemos hoje, no entanto, uma invasão
estrangeira que pode transformar o estilo de vida e, especialmente, o
idioma e as diferentes formas de comunicação. Se isso se consumar, perderemos
nossa “independência”.
O poeta Fernando Pessoa já escrevia que “minha pátria é a Língua Portuguesa”, atualmente invadida pelo idioma inglês, tal qual no século 19 fora, em parte, invadida pelo francês. Camões, poeta maior de nossa língua, tem um soneto sobre o idioma português que vai às origens da língua derivada do latim vulgar: “Última flor do Lácio, inculta e bela / és a um tempo esplendor e sepultura / ouro nativo que na ganga impura / a bruta mina entre os cascalhos vela”.
Corremos o risco de que a raiz e o cerne de
nosso idioma sejam suprimidos ou desapareçam nas formas essenciais (como
desapareceu o latim) numa avalanche que cresce quase diariamente.
A mais recente expressão inglesa incorporada
ao nosso idioma é fake news, repetida pelos meios de comunicação e adotada
até nas escolas, como se em nosso idioma não houvesse o termo “falsa notícia”.
Porém a verdadeira aberração entre nós no
Brasil é “mídia” (escrito assim, com “i” acentuado), que, de fato, é o termo
latino media. Como em inglês escrevem media, mas pronunciam “mídia”,
aqui passamos a escrever e dizer também assim, para significar “meios de
comunicação”.
A internet despejou no idioma português uma
série de expressões inglesas, desde streaming até outras mais,
como on line ou Wi Fi. Não pretendo fazer, aqui, uma espécie de
minidicionário de vocábulos ingleses hoje incorporados ao nosso idioma ou de
uso corrente no dia a dia. Ou já praticamente intraduzíveis, como spray.
Ou simplesmente adotados e de uso corrente, como shopping center e show,
que substituíram aquilo que deveríamos chamar de “centro comercial” e
“espetáculo”, em castiço português.
Há outros vocábulos ingleses que, pelo uso
constante, foram já aportuguesados, tal qual stress (que escrevemos
“estresse”) ou team, que escrevemos “time”, antes restrito ao futebol e,
agora, generalizado. Na área desportiva os vocábulos ingleses se aportuguesaram
quase totalmente, e talvez nos sobre apenas “natação”. Seria ridículo dizer
ludopédio em vez de futebol, como sugeria meu professor de Português no ensino
fundamental. Entretanto, no México (onde morei por cinco anos) dizem balonpié,
traduzindo literalmente o termo inglês football. Aqui, joga-se vôlei e
basquete, que antes chamávamos bola ao cesto.
O uso do idioma inglês penetrou até no Poder
Judiciário, onde antes usava-se um latinório quase incompreensível. Há poucos
dias o culto ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso
escreveu fishing expedition, expressão comum nas cortes dos EUA, para aqui
significar a “busca de ilícito sem causa provável”.
Não é por isso, entretanto, que somos um país
subdesenvolvido, mesmo com dimensões continentais. Tantos são os motivos que é
difícil de enumerá-los. Seria infantil e absurdo culpar os desvios idiomáticos
pelos problemas atuais ou, até mesmo, pelos vividos ao longo dos anos. Aí está
a crise climática indicando que o problema é secular e abrange o planeta
inteiro.
Fiquemos, porém, com os problemas e
desacertos recentes. Não me refiro aos crimes comuns, como o feminicídio, o
roubo ou os incêndios florestais criminosos, cuja fumaça chega até a cidades
como São Paulo. Saliento, porém, as responsabilidades dos governantes. Passamos
da desastrosa gestão de Jair Bolsonaro ao esperançoso governo de Lula da Silva,
mas a máquina governamental continua lenta, parecendo até que nada mudou.
Nessa lentidão, em que a ociosa burocracia se
sobrepõe à realidade, em 2023 a área governamental gastou mais de 45% do
Produto Interno Bruto (PIB) – em 2022 foram 43,4% do PIB. A dívida líquida da
União (externa mais interna) em julho deste ano chegou a R$ 6,962 trilhões,
mesmo que tenha caído a 61,9% do PIB.
Também em julho de 2024, o Banco Central
acumulava uma dívida de US$ 378,7 bilhões (para evitar dúvidas, repito,
dólares). Só isso já basta para indagar se nossa independência não estará à
beira do abismo.
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