sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Paulo Feldmann - Limites às gigantes da tecnologia

O Globo

As empresas precisam respeitar as regras e legislações dos países onde estão localizadas

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem insistido que é necessário taxar as empresas gigantes da tecnologia, as big techs. As principais delas — como MicrosoftGoogle, X, Amazon, AlibabaFacebook/WhatsAppApple — têm valor de mercado hoje próximo a US$ 10 trilhões, muito maior que o PIB de toda a América Latina. Haddad acerta em querer taxá-las, mas seu objetivo é apenas aumentar a arrecadação — isso, segundo ele, representaria R$ 5 bilhões adicionais aos cofres públicos. Trata-se de medida tímida diante da ameaça que elas representam à economia e, principalmente, à democracia. A reação arrogante e desrespeitosa de Elon Musk, dono do X, à decisão do STF (querendo apenas que a legislação brasileira fosse cumprida) e, portanto, a nosso país é bem típica do que está para acontecer com as big techs.

A ameaça para a economia ocorre, pois hoje há amplo consenso de que os mercados digitais não funcionam mais no interesse da sociedade, mas sim no interesse das próprias big techs. Cada uma dessas megaempresas cresceu nos últimos anos de forma avassaladora e, invariavelmente, aniquilando seus competidores. Veja-se o caso do Google, que detém praticamente o monopólio dos mecanismos de busca. Nem o Departamento de Justiça dos Estados Unidos conseguiu arranhar esse monopólio.

Além disso, as big techs usam as enormes bases de dados de seus clientes para extrair informações em proveito próprio e vender mais produtos e serviços dentro de uma lógica de dominação total do mercado. Tomam decisões que afetam toda a sociedade sem consultar ninguém e sem estar submetidas a qualquer tipo de governança. Um absurdo, se levarmos em conta que usam os dados de seus consumidores e usuários para exercer controle sobre eles.

Mas o impacto sobre a economia, apesar de nefasto, não é o pior. Assustador é o poder político dessas empresas, pois muitas funções sociais e de infraestrutura que deveriam estar na mão do Estado hoje estão nas mãos delas. O mais grave é que esse poder transcende as fronteiras dos países e a própria geopolítica para se constituir em poder sobre o planeta.

Elas também têm o poder de coibir o que consideram fake news e, com isso, muitas vezes conseguem influir no resultado de eleições. Muitos países estão extremamente preocupados e começam a discutir leis para tentar disciplinar a atuação das megaempresas. O Brasil é um deles. Mas é tarefa dificílima, pois consiste em regular o espaço digital, algo que nunca foi sequer tentado e para o que a humanidade ainda não está preparada. Justamente aqui está a principal vantagem competitiva das big techs, pois elas têm competência e habilidade para atuar nesse território imenso.

É o caso das nuvens. Todos nós, principalmente todas as empresas, precisam armazenar seus dados nas nuvens. Só que hoje apenas quatro big techs dominam 95% desse mercado.

Em qualquer setor da economia, as empresas precisam respeitar as regras e as leis dos países onde estão localizadas. No caso das big techs, fica muito mais difícil, pois elas é que definem em que data center de que país querem armazenar que tipo de dado. Fazem isso sem pedir autorização a governo algum.

Cobrar impostos adicionais dessas megaempresas, da mesma forma como já fazem diversos países europeus e asiáticos, é necessário, mas não suficiente. Urge implantar mecanismos que coíbam o crescimento do poder delas sobre os mercados, impedindo a competição, e principalmente sobre a democracia. Antes tarde do que nunca.

 

Um comentário:

Anônimo disse...

Excelente! Eliane Cantanhêde também aborda situação semelhante na sua coluna de hoje. As 2 leituras se complementam. Enquanto isto, o Anão Lira mantém o projeto de regulamentação parado na Câmara.