Folha de S. Paulo
Pode-se discutir dosimetria do STF, mas
gangsterismo para livrar a cara de golpistas e de Bolsonaro é inaceitável
Há um esforço de setores da ultradireita para
fazer a sociedade brasileira engolir um projeto
de lei que promova a anistia de envolvidos no ataque
à democracia de 8 de janeiro e, por extensão, arrume um jeito —o
verdadeiro objetivo— de permitir que Jair
Bolsonaro concorra à eleição de 2026.
Entre cenas explícitas de desfaçatez e
banditismo parlamentar, o PL, sigla do
capitão, arregimenta apoios para abrir a porteira e deixar a boiada passar.
Toda a mistificação em torno da cabeleireira Débora Rodrigues, acusada de cinco crimes, presa preventivamente e ora em julgamento pelo STF, tem servido para maquiar a agressão golpista do 8/1. Teria sido um convescote de idosos desocupados e moças a fazer inocentes pichações em estátuas, usando um batom.
A direita tem dado demonstrações de notável
capacidade de criar factoides e embrulhar mentiras em celofane de bombons para
amplo consumo em redes digitais. A esquerda ainda parece estar distribuindo
panfletos, como nos tempos do "agitprop" do século passado.
Entre as movimentações dos dois lados do
espectro, os brasileiros, de acordo com a mais recente pesquisa Datafolha,
não veem na anistia a meliantes antidemocráticos e no perdão a Bolsonaro uma
pauta prioritária. São 56% os que se declaram contrários. Há, no entanto,
hesitações quanto às penas determinadas pelo STF.
Esse é um aspecto relevante a considerar. As
divergências jurídicas sobre a cumulação dos crimes de tentativa de abolição
violenta do Estado democrático de Direito e de golpe de Estado foram objeto de
discussão no próprio tribunal. Terminou por vencer a índole justiceira do
superministro Alexandre
de Moraes. A favor do Supremo, foi oferecida e concedida medida alternativa
a centenas de indiciados.
Entretanto, ficou no ar uma sensação de
sentenças exageradas que, embora não endossada na pesquisa pela maioria, dá
margem a proselitismo e toca parte influente da opinião pública. Não vou me
furtar a opinar, sem reivindicar razão ou sapiência jurídica: compartilho dessa
impressão, as penas desde o início me pareceram fora da curva.
O fato é que este suposto e controverso
tarifaço penal virou possível moeda de troca, como aventou a ministra Gleisi
Hoffmann, que, diga-se, deixou claro, tratar-se de tema passível de
discussão, mas da alçada do STF.
Que o Judiciário faça
política é um segredo de polichinelo: não é que dá a impressão aqui e ali ou
pareça que faz. Faz. Em muitos casos de forma oportuna, ainda que em outros
oportunista.
O quadro de pressões congressuais da direita
reacionária vai se tornando difícil para o governo Lula administrar,
em seu déficit de popularidade e de hegemonia parlamentar.
Não é, em nenhum aspecto, aceitável que a
proposta prospere e esse monstrengo da anistia venha a ser aprovado. Seria um
retrocesso em tudo nocivo à democracia e uma desmoralização nacional.
O Congresso empoderado
dos últimos tempos está se transformando ou já se transformou numa disfunção
política que atinge o gangsterismo deslavado.
O novo presidente da Câmara, Hugo Motta,
está sendo chantageado à luz do dia para pautar um salvo-contudo para
golpistas. É preciso que as forças democráticas demonstrem inteligência,
articulação e resiliência para barrar esse descalabro.
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